domingo, fevereiro 28, 2010

A Um Deus Desconhecido, de John Steinbeck

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé.


O livro é antigo e angustiado, há um desejo fortíssimo que só prenuncia desgraça. Há aparência de domínio sobre a Natureza, sobre os outros, mas a harmonia está ausente e isso assusta.
É disto que o livro trata: ele não nos fala de pessoas, de animais, de plantas e de coisas. Fala de uma unidade que congrega isso tudo e que é mais e menos que isso tudo. Mais, porque há um fio profundo e inquebrável que une tudo; menos, porque cada ser é muito mais rico e complexo que a aparente unidade de tudo. Joseph não se dá conta disso, como Rama acusa.É daí que vem o assustador: sem essas pequenas coisas, apenas fica a desumanidade que este livro retrata.

Um grande, grande livro. E apenas uma leitura minha, das muitas que esta obra proporciona.

Nota: Uma tradução má e uma revisão inexistente. Que pena!

sábado, fevereiro 27, 2010

James Herriot

Fez a 23 de Fevereiro 15 anos que morreu o autor das mais amáveis, divertidas e inteligentes histórias a envolver veterinários da história da literatura.


Li e tenho os livros em inglês. Houve edição em português, da Livros Horizonte, que não conheço realmente.
Há muitos anos passou na televisão o "Veterinário de Província", da qual nunca saiu um dvd em português. Mas se comprarem os dvd's na Amazon (a minha amada ofereceu-mos como prenda pelos meus anos), e souberem um pouco de inglês, vão ter oportunidade de passar muitas horas agradáveis em frente ao écran: é que existe a opção de legendas para surdos, em inglês, é certo, mas que dá perfeitamente para acompanhar as histórias. Estas, acentuo, não contêm maldade alguma, e fazem-nos estar permanentemente com um sorriso nos lábios ou dar umas boas gargalhadas.
Há autores de quem gostamos, com quem nos identificamos, que nos estimulam, etc. Mas, pela sua dádiva das coisas boas que nos transmitem, há aqueles em relação ao quais também sentimos uma imensa gratidão. James Herriot é um desses autores.

terça-feira, fevereiro 23, 2010

José Afonso

É difícil dizer como vejo José Afonso pois, para mim, a sua dimensão humana é de uma autenticidade tal que torna impossível a submissão da sua figura a uma qualquer classificação.

Confesso a minha imensa admiração por esta fraternidade de homens que, sem deixarem de se pôr em causa, vão questionando tudo o que de injusto encontram à sua volta.

José Afonso era assim. E era também um homem verdadeiro e enxuto de palavras, que se sabia com um lugar, um trabalho e uma missão na vida, mas que nunca atribuía a si próprio nem a grandeza que era sem dúvida a sua, nem a pequenez das modéstias hipócritas. Apenas a justa medida.

Dizia ele, citado neste excelente livro, da Assírio & Alvim:



Não tenho consideração por aí além por mim próprio. Aquilo que me constitui é uma certa hipercrítica em relação a mim, mas que considero saudável. Fui metido num barco. Meti-me e meteram-me. Não o teria feito se não me metessem. Fui fazendo coisas neste país porque as pessoas me chamavam a atenção para a importância de tal missão, que dizia respeito a todos nós. (p. 84)

À pergunta sobre se o seu trabalho valeu a pena, José Afonso respondeu, após hesitação:
Acho que sim, valeu a pena. Tenho consciência das minhas limitações e tenho sempre uma atitude de profundo "desamor" em relação àquilo que faço, isto é, não sou optimista. Só sou optimista por via indirecta: quando me dizem que aquilo que faço interessa, enfim, eu respeito a opinião das pessoas e digo que sim senhor, que interessa... (p. 67)

Em homens raros como José Afonso reconheço uma austeridade e um rigor (mesclados de um humor fino) que, na vida, me tornam claro o dever de aderir a uma ética exigente, ainda que difícil.

2 de Agosto de 1929 - 23 de Fevereiro de 1987


A ter em atenção:

80 anos de Zeca

Associação José Afonso

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Fazer sofrer

Acho, com Camus, que fazer sofrer (quando há alternativas), mesmo que com a melhor das intenções, é a unica maneira absolutamente certa de nos enganarmos.

Ele disse-o, com 25 anos, na sua peça Calígula.

domingo, fevereiro 21, 2010

Camus no Pátio de Letras

Ontem, no Pátio de Letras - Espaço de Memória, com mais de 30 pessoas presentes:



Albert Camus, um autor que me acompanhou ao longo de toda a minha vida.

Falei da sua fidelidade à beleza, à verdade e à liberdade, como homem e como artista. Da sua permanente adesão à resistência para garantir uma intransigente solidariedade com os mais fracos e mais desprotegidos, isto é, com os mais oprimidos.

Fiz leituras de Noces, O Estrangeiro, A Peste, Estado de Sítio e terminei com este excerto tirado do seu discurso de aceitação do Prémio Nobel, em 10 de Dezembro de 1957:

(...) Todas as gerações, sem dúvida, se julgam fadadas para refazer o mundo. A minha sabe, no entanto, que não poderá refazê-lo. Mas a sua tarefa é talvez maior. Consiste ela em impedir que o mundo se desfaça.
Herdeira de uma história corrompida em que se misturam as revoluções degradadas, as técnicas que se tornaram loucas, os deuses mortos e as ideologias extenuadas, em que medíocres poderes podem hoje em dia tudo destruir mas já não sabem convencer, em que a inteligência se rebaixou ao ponto de se fazer serva do ódio e da opressão, esta geração teve que restaurar, em si mesma e à sua volta, e a partir unicamente das suas negações, um pouco daquilo que faz a dignidade de viver e de morrer.
Diante de um mundo ameaçado de desintegração, em que há o risco de os nossos grandes inquisidores estabelecerem para sempre os reinados da morte, ela sabe que deveria, numa espécie de doida corrida contra o relógio, restaurar entre as nações uma paz que não seja a da servidão, reconciliar de novo trabalho e cultura, e refazer com todos os homens uma arca da aliança.
Não é seguro que ela possa um dia levar a cabo esta tarefa imensa, mas já é seguro que, por toda a parte, ela cumpre a sua dupla aposta de verdade e de liberdade, e, em certas ocasiões, sabe por ela morrer sem ódio. É ela que merece ser encorajada por toda parte onde se encontra e, sobretudo, onde se sacrifica. (...)


Seguiu-se uma expressiva tertúlia que se prolongou pelo jantar fora...

sábado, fevereiro 13, 2010

Iracema, de José de Alencar

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé.

Uma história simples, com valores claros, sempre envolta num perfume de melancolia e de poesia.

Um livro anterior à perda da inocência; que, por isso, soube bem ler: a criança dentro de mim, aquela que gosta de se encantar com o inverosímil (a história é inverosímil), ainda está bem viva.

Sabemos hoje que quem mente, quem rouba e quem maltrata tem mais sucesso social e profissional do que aqueles que lutam por serem verdadeiros, honestos e compassivos. Não é uma característica dos tempos modernos, sempre foi assim.
Quer dizer que todos os bem sucedidos são pessoas infames? Eu não pertenço, nem provavelmente pertencerei nunca ao número dos bem sucedidos nessas duas áreas, por isso não posso responder baseado na minha própria experiência.
Mas quando penso em Gandhi, ou em Martin Luther King, ou ainda em Nelson Mandela, acredito que é possivel ser-se bem sucedido e ser-se boa pessoa. Mas deduzo, aliás sei que, para o conseguir sem concessões, é preciso uma fibra moral e uma coragem extraordinárias. E uma grande (inquebrantável, mesmo) teimosia, também, tenho quase a certeza disso... e, a propósito, vem-me ao espírito o filme de Clint Eastwood, Invictus, sobre Nelson Mandela (que eu gostei mesmo de ver):