sábado, março 27, 2010

O dia antes da felicidade, de Erri De Luca

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé.

Hoje, venho dar testemunho de um escritor extraordinário...



Erri de Luca

... e de um livro extraordinário:



Como é possível condensar em exactamente 97 páginas tanta sabedoria, tanta beleza, tanta inteligência, tanta sensibilidade, tanto humor!!

Mas que romance é este? Uma tentativa de resposta:

Um dia antes da felicidade é um livro sobre o crescimento, isto é, da verdadeira e autêntica aprendizagem, daquela que conduz à transformação de um adolescente normal, igual a tantos outros, num ser humano mais elevado, melhor e mais forte.

Mas é também um romance sobre a felicidade, claro. E sobre esse milagre que são os livros e a cultura. E sobre a sensibilidade e a delicadeza. E sobre a amizade. E sobre a violência. E sobre a pobreza. E sobre tantas, tantas outras coisas!

Trata-se de um livro claramente masculino, isto é, quem o escreve é um homem, não há aqui uma escrita feminizada, antes uma escrita senhorial, de uma extrema nobreza e autenticidade. Num tempo em que é tão difícil saber-se o que é ser um homem, este livro constitui uma resposta clara e verdadeira a essa questão.

Lêmo-lo e mergulhamos no mundo puro e deslumbrante das palavras de Erri De Luca. O narrador é um jovem com um olhar límpido e franco sobre a realidade que o rodeia. É alguém a quem surge um mestre, Dom Gaetano, que, longe de ensinar o desencanto e a amargura, lhe mostra o que é ser um homem, verdadeiro, bom e lutador.

Erri De Luca usa uma escrita que ilumina tudo aquilo sobre que se debruça: as pessoas (com as suas pequenas e grandes misérias), os livros, a escola, o amor, a cidade de Nápoles, etc.

A dada altura (p.66), Dom Gaetano e o jovem narrador passeiam pela cidade e cruzam-se com um grupo de marinheiros norte-americanos que corriam com "camisola, calções e sapatilhas". Não percebem. Porque, diz, "Correr, para nós, é um verbo sério". E é exactamente isto que escrever é para Eri De Luca: um verbo sério. Em todos os momentos, mesmo os de humor (sempre intenso e inteligente, como em tudo o resto), tudo está lá por um motivo sério. Não há ali nada de supérfluo, de fútil. Tal como em outros livros deste autor. Mas, aqui, neste, levado a um grau extremo, quase doloroso.

Sim, já há uns anos que venho lendo com paixão os livros de Erri De Luca. Aliás, este livro fo uma sugestão minha para o Clube de Leitura (ainda não o tinha lido). E, na noite de 5ª feira, em Loulé, quase 20 pessoas perderam-se, durante horas, a falar desta obra, com emoção e fascínio. Eu...

... Eu suspeito que encontrei aqui o meu livro perfeito. Aquele pelo qual todo o leitor apaixonadamente compulsivo é capaz de lutar uma vida inteira para encontrar.



Aqui e aqui podem encontrar-se as palavras de Erri De Luca, de quando esteve recentemente em Portugal.

domingo, março 21, 2010

O Futuro

"José Sócrates: PEC deve ser assumido pelo país"Público, 21/3/10


Desde o final da década de 70 que não houve nenhum governante português que não tivesse pedido sacrifícios ao povo português a fim de ele poder vir a ter um futuro melhor... Desde há mais de 30 anos portanto que oiço esta treta, repetida vezes sem conta! Malditos aldrabões!

Por isso, grito, com José Mário Branco, no FMI (de 1979!):

"Sempre a merda do futuro!! E eu que me quilhe!!! Pois, pá!! Sempre a merda do futuro, a merda do futuro!!! E eu, hem!? Que é que eu ando aqui a fazer? Digam lá! E eu!? (...) Isto é que é uma porra! Anda aqui um gajo cheio de boas intenções, (...), e, depois, é só porrada e mal viver, é? (...) Eu sou parvo, ou quê!? Quero ser feliz, porra!!! Quero ser feliz agora!!! (...)"

sábado, março 20, 2010

Liam Clancy, 2 de Setembro de 1935 – 4 de Dezembro de 2009

Para outros as descrições da sua obra, da sua importância na vida e na história da música.

Para mim, que só hoje soube da sua morte, a dor de ver partir um verdadeiro e autêntico bardo do nosso tempo. A luta para que este mundo seja um lugar menos inóspito perde um participante extraordinário.

The Parting Glass



Of all the money that e'er I spent

I've spent it in good company

And all the harm that ever I've done
Alas it was to none but me
And all I've done for want of wit
To memory now I can't recall
So fill to me the parting glass
Good night and joy be with you all

Oh, all the comrades that e'er I had

They're sorry for my going away

And all the sweethearts that e'er I had

They'd wish me one more day to stay

But since it falls unto my lot

That I should rise and you should not

I'll gently rise and softly call

Good night and joy be with you all

domingo, março 14, 2010

Um outro viver

Na escola do professor que se matou os casos de violência são constantes

Já o disse antes. Por absurdo que pareça, tenho de confessar que devo a Jorge Pedreira o ser agora uma pessoa feliz, com uma nova vida profissional praticamente feliz. Quando ele veio para a televisão, inchado de arrogância, com ameaças contra os professores por causa da entrega dos objectivos individuais, eu percebi, naquele momento, que não queria mais pautar a minha vida pelo medo e que era a altura de dizer basta. Esse momento representou, na verdade, um gigantesco ponto de viragem na forma como passei a conduzir a minha vida. Saí (não como reformado, note-se). E ainda não me arrependi nem um bocadinho dessa minha decisão.

Tudo isto para dizer que em Portugal, por enquanto, ainda somos livres para decidir escolher uma vida melhor. Aliás, quase qualquer outra vida, garanto!, é melhor do que aquela que se leva na escola pública hoje em dia, posso testemunhá-lo.

Lamento tanto todos os meus ex-colegas que continuam a viver diariamente uma vida de desespero e de angústia nas escolas públicas deste país. Que não conseguem libertar-se do medo de arriscar. Que não acreditam que existem alernativas. Como o Luís.

Porque as pedradas contra os meus amigos
acertam sempre meu amigo em mim

Manuel Alegre, A Praça da Canção

sábado, março 13, 2010

Nocturno Indiano, de António Tabucchi

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé.


Não vi o filme, mas já li muitos livros de Tabucchi, sempre com o maior gosto, aliás. Este não constituiu excepção.
Quando terminei, procurei encontrar alguma coisa para dizer no clube. Mas nada me ocorreu. Fiquei parado, sem ideias nenhumas, apesar de ter gostado muito de o ler.
Pensei que é assim que reagimos habitualmente em relação a uma música de que gostamos: não sabemos explicar o que nos fez aderir a ela.
E, de repente, apercebi-me que este livro tem a estrutura de um vídeo musical: pequenos flashes do personagem em movimento, nada sabemos do que antecede nem do que sucede depois, uma melodia que percorre o livro do princípio ao fim.
E pensei: o título, pois claro, um Nocturno!
Portanto, para além da presença tutelar (fortíssima) de Fernando Pessoa na construção da história, será que Tabucchi quis fazer um livro que se aproximasse da forma de uma peça musical ou de um vídeo clip?

segunda-feira, março 08, 2010

Violência escolar

Há anos que reitero a minha queixa mais angustiada relativamente ao que este, principalmente este, e outros governos têm feito (ainda recentemente escrevi sobre isto): esvaziando os professores de autoridade, estes ficam incapazes de proteger os mais fracos.

Esta foi uma das razões porque saí, para não ser cúmplice deste e de tantos outros crimes que se institucionalizaram na escola pública portuguesa.