segunda-feira, julho 30, 2018

«Tu és só a tua vida» (Jean-Paul Sartre)


Como dizia Vergílio Ferreira, não basta ler, é sempre preciso ler um pouco mais (Conta-Corrente 3, 22 de Dezembro de 1980). A minha sugestão de leitura para Ricardo Robles e Catarina Martins é Huis-Clos, de Jean-Paul Sartre (À Porta Fechada, na tradução portuguesa de Virgínia e Jacinto Ramos, Livros Cotovia, 2013). Assim, perceberiam melhor o que lhes está a acontecer. Mas eu vou dar uma ajuda.

Nesta peça de teatro, Garcin está no inferno depois de, num contexto de guerra e sendo um pacifista, ter resolvido fugir para outro país (México) para fundar um jornal pacifista e não permitir que a sua voz fosse silenciada. Foi apanhado, julgado e fuzilado, e a opinião generalizada entre os vivos é a de que ele fugiu e foi, portanto, um cobarde. Este é o dilema de Garcin e do qual só ele pode decidir (apesar de pedir aos outros que o façam por ele): foi ou não realmente um cobarde?

Ele analisa as razões que o levaram a fugir, mas «O ato lá estava. Eu… Eu parti no comboio, aí está uma coisa certa.» (p. 45). Os outros «Pensam: Garcin é um cobarde. Eis o que decidiram os meus companheiros. Daqui a seis meses dirão: cobarde como Garcin.» (p. 46)

Ricardo e Catarina não entendem qua a opinião pública, mais até do que a publicada, já decidiu também. Além de pensar como Inês:
«Sonhaste trinta anos que eras corajoso e passavas por cima de mil fraquezas, porque aos heróis tudo é permitido. Como isso era cómodo! Depois, na hora do perigo, encostaram-te à parede e… apanhaste o comboio para o México. (…) Só os atos decidem aquilo que quisemos. (…) Ah! Como tu agora vais pagar! És um cobarde, Garcin, um cobarde, porque eu quero que sejas um cobarde. Eu quero, ouves, eu quero! E no entanto vê como sou fraca, um sopro; não sou nada para lá do olhar que te vê, para lá deste pensamento incolor que te pensa. (…)» (p. 51)

Infelizmente, ao que indicam as suas declarações, Ricardo Robles acabará, se é que não o fez já, por concluir, como Garcin: «[No inferno] Não são precisas grelhas [para tortura]: o inferno são os Outros.» (p. 53)

sábado, julho 21, 2018

Luta(s) dos professores


Dado: manifestações e greves são úteis para demonstrar descontentamento, mas ineficazes para conseguir reparar o erro e a injustiça.

Solução: Há que subir um patamar na luta contra o poder abusivo.

Eis as minhas propostas, por ordem crescente de sacrifício e de risco pessoal.

Solução A: Ocupação da escola a tempo integral
Quando Lurdes Rodrigues foi ministra da educação, uma das coisas de que acusou os professores foi de que eram os da Europa que menos tempo passavam na escola. Isso, na altura, deu-me a ideia desta forma de luta. Talvez não se saiba que as escolas não têm nem espaços nem equipamentos suficientes para os professores fazerem delas o seu local de trabalho (por exemplo, a escola onde eu estava tinha apenas duas salas, uma com um computador e outra com quatro computadores e uma impressora para cerca de 100 professores). Por esta razão, todos os professores têm que “queimar” uma divisão da sua casa transformando-a em escritório. Ora, nesta forma de luta, os professores param de aceitar que o seu espaço familiar seja invadido pelo trabalho e passam as horas todas de trabalho na escola. O sistema entope, bloqueia e paralisa? Naturalmente, mas é essa a ideia.

Solução B: Desobediência
É simples, esta forma de luta, basta desobedecer. Então e o grande terror dos professores de serem sujeitos a um processo disciplinar? A essa pergunta respondo com outra: quem faz os processos disciplinares dos professores? Resposta: são professores. E se estes se recusarem a fazê-lo? O Governo não pode fazer nada. Em 2017, o sistema público não superior englobava mais de 125 mil docentes. Nunca haverá advogados suficientes para levantarem processos a 125 mil pessoas.

Solução C: Greve da fome
Dentro das soluções pacíficas, é a mais radical. A questão que cada um tem de se pôr é a seguinte: a injustiça contra a qual estou a lutar é tal que justifica o sacrifício a fazer? Se a resposta for não, então só resta a submissão e dá-se a vitória ao Governo. Porém, se essa injustiça é de tal dimensão que merece o combate e o sacrifício pessoal, então a escolha está feita. Mais uma vez, não exigiria muito. Em 2017, existiam mais de 2600 estabelecimentos de ensino não superior. Com um só professor a fazer greve da fome por cada estabelecimento de ensino, o total já seria um número estarrecedor e surgiria nos noticiários do mundo inteiro, provavelmente. O seu impacto seria tremendo.

Reflexão final
Há a garantia de a luta ser bem sucedida? Como qualquer luta contra o poder, a resposta é evidentemente negativa. Mas uma vida de impotência e de submissão à opressão e à injustiça não será uma alternativa muito pior?