Os simplistas e fantasistas de serviço falam de competitividade e de exportações, mas a palavra certa, a palavra que envolve isso e o resto chama-se sustentabilidade: apostar na revitalização do mercado interno em todas as suas dimensões.
Diminuir as importações, comprar produtos nacionais, investir e gastar em Portugal.
Electricidade a partir do nosso vento, do nosso sol, da nossa água.
Alimentos a partir dos nossos solos e do nosso mar.
Turismo no nosso território, nas nossas paisagens.
Criação de emprego nas áreas dos serviços sociais e ecológicos.
Limpar a biomassa das nossas florestas através de campanhas preventivas de incêndios florestais, empregando mão-de-obra intensiva.
Apostar na reabilitação urbana, acabando com o cancro dos subúrbios fantasmas.
Limitar o acesso dos carros particulares às cidades, elaborando novos modelos de mobilidade sustentável.
Colocar os portugueses numa interacção electrónica plural que permita comunicação sem emisões de carbono.
Descarbonizar o poder e aumentar a transparência da vida política, aumentando o controlo mútuo dos orgãos de soberania, e sobretudo a intervenção informada dos cidadãos.
Quando li este trecho escrito por Viriato Soromenho Marques (no JL nº 1062 de Junho de 2011) senti que estava aqui um programa sensível e praticável, mas principalmente atraente e motivador para quem sente na pele a exaustão da esperança e a esterilidade das ideias que a nossa classe política e intelectual actualmente produz.
Gostei muito. Porque o seu cumprimento não passa pela vontade dos outros, mas pela minha; não depende de agências de rating, nem de empréstimos do estrangeiro, mas sim do meu esforço, da minha honestidade, da minha decência.
Gostei do uso da palavra "nosso(s)" (vento, sol, água, solos, etc). Nosso, não no sentido de posse, porque na verdade nunca possuímos nada, morremos demasiado depressa para ser proprietários do que quer que seja. Mas nosso, no sentido em que detemos ou o poder de destruir ou o de preservar e construir. Nosso, no sentido em que somos totalmente responsáveis pelo que lhe fizermos. Nosso, porque podemos fazer o que acharmos melhor para nós e não para satisfazer a vontade de uns quaisquer outros de que nem sequer o rosto conhecemos.
Talvez não seja um programa imediatamente executável em todas as suas dimensões, mas poderia constituir não só uma meta a manter diante dos nossos olhos, mas também uma forma de aferirmos se o que decidimos fazer hoje é útil e construtivo, isto é, se vai ao encontro daquele cenário de vida. Uma vida bem mais respirável do que aquela que nos andam a prometer.
Usando as palavras de Mia Couto, poderia ser uma ponte capaz de unir o desespero à esperança.
[Ver também Boaventura Sousa Santos, Para uma sociedade melhor: desmercadorizar (desmercadorizar significa impedir que a economia de mercado se transforme numa sociedade de mercado)]