domingo, abril 30, 2006

Correr!

Sentir o vento na face enquanto pisamos a terra da maneira mais humana que existe: com os nossos pés! Mais a pura alegria da infância de correr sem se saber porquê, para quê ou para onde!
É um desporto inspirador da mais genuína liberdade: corre-se quando (de manhã, tarde ou noite), onde (qualquer lugar serve), por quanto tempo (não há horas marcadas) e como (só correr, correr e andar, velozmente ou não, acompanhado ou não, etc) se quiser.
Adoro! E páro apenas porque não tenho físico (leia-se idade) que aguente, já que a vontade é continuar sempre em frente, sem nenhuma outra preocupação que não seja a de gozar a imensa euforia de respirar e de sentir o corpo a deslocar-se pelas infinitas paisagens do mundo.

sexta-feira, abril 28, 2006

O Estrangeiro, de Camus

Acabei de reler O Estrangeiro. Muito complicado escrever sobre este perturbante livro sem o "reduzir". De modo que deixo aqui algumas notas soltas sem pretensões "totalizantes".

É-se Estrangeiro num mundo que não tem sentido, em que casar ou matar, tudo se equivale, tudo vem a dar no mesmo, tanto lhe faz.

Ele parece estar ligado à sua verdade, não finge. O problema é que ele actua como se não houvesse verdade nenhuma. Portanto ou essa verdade não existe, ou ele não lhe está ligado. Daí que ele não escolhe, segue as escolhas dos outros por indiferença e tédio (excepto na religião, no final, talvez por um sobressalto de fidelidade a uma sua verdade que só ali se lhe revela).

Um dos aspectos mais eticamente discutíveis no livro: se é verdade que ele nunca chega a aperceber-se que o "árabe" é uma pessoa, um ser vivo como ele, nunca lhe faz impressão o ter morto um ser humano porque ele não o vê como tal (por isso, também nunca se arrepende, apenas se aborrece), o certo é que o tribunal também nunca se detém sobre esse aspecto.

A única coisa que o faz feliz é ser aceite pelos outros. A única coisa que o faz sofrer é que o detestem.

Apercebe-se de muito poucos sentimentos (tê-los, deve ter, ele não chega é lá). Apenas a nostalgia por ter perdido a liberdade bem como a cidade onde pensa ter sido feliz; e o medo da morte. Pouco mais. Por isso nem se permite reagir humanamente.

Depois disto tudo: é ele um "estrangeiro" para mim? Um fascínio visceral, embora talvez negro, bem como a adesão entusiástica de tanta gente a este romance, leva-me a dizer prudentemente que não, que não é um completo estrangeiro. Apesar de pensar que não sou; ou que talvez esteja a deixar de ser este estrangeiro... se calhar, sem nunca deixar de o ser, sendo apenas outro...


Começo a perceber porque é que, na minha juventude, Camus foi um dos fundadores da minha maneira de estar e de sentir o mundo (juntamente, mais tarde, com Vergílio Ferreira). Nos três livros que reli (A Queda, Os Justos e este) as pessoas que constituem o eixo da narrativa estão sempre em estado de desajustamento e de desadequação em relação à realidade. Melhor, em relação ao consenso criado socialmente sobre o que é ou deve ser a realidade.

terça-feira, abril 25, 2006

"A Fauna das Caixas de Comentários"

Depois de ler o artigo de Pacheco Pereira no Público; depois de analisar não só o que ele disse aqui, mas também o que ele escreve, o que eu escrevo e o que as pessoas escrevem habitualmente na net; e ainda o que as pessoas defendem e o modo como o defendem, tudo isto acabou por me suscitar a seguinte reflexão.

Encorajar os outros a melhorar, desejar-lhes bem é assim tão difícil?
Em Portugal é, aqui onde as palavras vêm muitas vezes enfeixadas com o arame farpado do cinismo, ou do desprezo, ou da raiva.

Quando vemos uma imperfeição noutrém utilizamo-la como uma oportunidade para fazermos com que essa pessoa se sinta mal com essa imperfeição: acreditamos que é esse mal-estar a única motivação que a pessoa em questão poderá ter para mudar (além de isso - diminuir alguém - nos servir para nos sentirmos melhor connosco mesmos e, muitas vezes, para brilharmos perante os outros).

Ora, isto é falso! Esses sucessivos mal-estares dão antes origem a duas patologias da vida social: desistência de tentar mudar (já que cada erro equivale ao ostracismo) e isolamento (igual a surdez e cegueira) em relação ao que os outros precisam ou ao que os outros nos querem simplesmente dizer. É que admitir uma imperfeição em nós dá-nos a indicação de que somos inferiores, de que ela justifica a falta de compaixão e a solidão para que os outros nos lançam. Sentimo-nos pessimamente com isto, portanto fechamo-nos.

Deveríamos todos falar das imperfeições alheias, criticá-las sim, mas criando um "ambiente" que encoraje o outro a mudar, que o faça sentir que essa imperfeição é uma oportunidade para ele e para nós de chegarmos a um melhor e superior patamar de existência.

Como? Mostrando que desejamos realmente bem a essa pessoa, instituição ou classe, que não a condenamos ao opróbrio e à solidão só pelo facto de ter errado. Mostrando que acreditamos sinceramente que todos temos o direito e a possibilidade de começar de novo, o que quisermos e quando quisermos.

domingo, abril 23, 2006

Respondi ao desafio do Era uma vez um Girassol que consiste em divulgar uma associação humanitária da nossa escolha, Nacional ou Internacional, com post, um link, um símbolo, um gesto solidário...

Amnistia Internacional
















que defende e tenta proteger as vítimas de todas as opressões e de todas as violências. Incluindo os que disseram não e que lutaram, de forma geralmente não violenta, contra a injustiça e contra a falta de liberdade.

Os Justos, de Camus

Acabei de reler "Os Justos" de Camus.

É uma peça de teatro que discute o direito de matar (para instalar a soberania da justiça) e quais as justificações para o fazer. O foco não incide sobre o conceito de justiça, mas sobre os que lutam por ela usando a arma do terror.

A acção decorre antes, durante e depois de um atentado ao grão-duque na Rússia, antes da Revolução de Outubro.

Lê-se e é impossível não pensar nos terroristas da Al-Qaeda e, nomeadamente, nas intervenções de Zacarias Moussaoui no seu julgamento.

Atente-se em Stepan, personagem para quem a fidelidade ao sentimento deve ser anulada face à fidelidade ao pensamento. Eis algumas palavras-chave que o ajudam definir:
- Agir, "Era preciso. Eu não podia mais. Atabafava. Agir, enfim, agir..."
- Obedecer, "Saberei obedecer-te.", "É preciso que haja uma disciplina.", "Ele devia ter obedecido."
- Odiar, "Mas eu não amo nada, e odeio, sim, odeio os meus semelhantes!", "Ao menos, resta-me a [força] de odiar. Vale mais do que a indiferença."
- Mentir ao negar os seus próprios sentimentos, "Nunca estou cansado".
- Recusar as nuances, apenas o preto ou branco, "Só as bombas são revolucionárias.", "é preciso destruir o mundo de alto a baixo."
- Compreender as coisas ao contrário, "Quem se suicida gosta muito de si mesmo. Um verdadeiro revolucionário não pode gostar de si mesmo." (lembre-se que os terroristas muçulmanos vêem-se a si próprios a morrer em combate, não a suicidar-se)
- Dar sempre a primazia à Ideia, em detrimento do Humano, "Não amo a vida, mas a justiça, que está mais alta do que a vida".

Mas o livro é muito mais do que isto. Nele, Camus questiona-nos num número infindável de aspectos, o que lhe proporciona uma actualidade terrível.

Obra que, por ser mais um texto extraordinário, adquire hoje em dia uma universalidade que penso que ultrapassa as intenções do seu autor, como se pode ver pelo que Camus dizia acerca dela aqui.
Principalmente porque sabemos qual a sociedade que resultou na Rússia da aplicação do terror para repôr a justiça sobre a terra...


Adenda:
Li Camus nos princípio dos meus vinte anos. Amei tanto este autor! Ao fim destes anos todos, para grande surpresa minha, renovo esse imenso amor pela sua obra. Acompanhado por uma autêntica admiração e um respeito enorme pela sua actualidade e pela sua lúcida inteligência.

sexta-feira, abril 21, 2006

A Queda, de Camus

Relida "A Queda".

Li-a na minha juventude e não gostei. Não admira. Por essa altura procurava desesperadamente ser aceite e louvado pelos outros. Processo que é implacavelmente desmascarado por este livro. E é esta absoluta implacabilidade que tornou a minha releitura dele tremendamente fascinante.

Aqui há a denúncia do cinismo e, portanto, do desastre da actual condição humana, mas ao mesmo tempo mostrando de forma cortês (lançando mão de um falsamente solidário "nós" com que melhor expõe este horror) algo como que repulsa pela simpatia do ouvinte/leitor porque a sabe falsa e auto-complacente.

Todos nós nos achamos bons e injustamente apreciados. Mas, tal como o protagonista, todos nós já ouvimos um grito e não parámos nem nos voltámos para ajudar. Por isso, em maior ou menor grau, todos participamos da descrição que ele faz da sua/nossa pobre e triste humanidade.

Não quero encher este post de superlativos que tornariam suspeita a real qualidade do livro. Mas é um livro obrigatório. Actual até à dor e ao riso. Suspeito que será eterno, mas não lido porque excessivamente incómodo, um espelho demasiado cru das nossas auto-ilusões.

quinta-feira, abril 20, 2006

Curioso...

(...) A Queda, de Camus, tem uma frase estupenda. Diz ele que o que caracteriza a nossa época é que substituímos o diálogo pelo comunicado. (...)"

António Lobo Antunes escreve isto numa carta à mulher em 1971.
Camus escreve La Chute em 1956.
Estamos em 2006.
Num blog.
No meio de 35,3 milhões de blogs.
Vou reler A Queda.

quarta-feira, abril 19, 2006

19 de Abril de 1506

500 anos de um massacre de milhares de pessoas em Lisboa, por razões que só a mais extrema estupidez poderia encontrar.
Hoje, por todo o país, ardem milhares de velas pelas vítimas.
Obrigado, Nuno Guerreiro!

Excelente...

... Groucho! Muito obrigado por esta descrição do "Estado de Excepção"!

domingo, abril 16, 2006

D'este Viver Aqui Neste Papel Descripto

Não há nada, não há praticamente episódios nenhuns, nem história, nem histórias, nada.
Mas é deste quase nada que ele escreve os seus aerogramas, do desespero e, principalmente, do grande amor que António Lobo Antunes dedicava à mulher.
E eu comovo-me com a sua juventude amarga que transparece nestas cartas.

Mas há algo que perturba permanentemente a minha leitura: as declarações de amor absoluto e eterno, sempre implícitas e explícitas em todas as cartas.
O problema é que eu sei, todos sabemos, que ele se separa da mulher 5 anos depois.

Separação "estúpida", como reitera várias vezes em "Conversas com António Lobo Antunes", de María Luisa Blanco, p.57 e 58.
E "Ela nunca voltou a viver com ninguém pensando que eu ia voltar."

Assusta-me a extrema fragilidade das coisas, dos sentimentos.
E a dor.
No amor andamos sempre no fio da navalha.

sábado, abril 15, 2006

Que delícia!

Beatriz Costa: "Quando quero chorar, penso na minha vida sexual. Quando quero rir, também."

(citada no Público de hoje, a propósito dos dez anos da sua morte)

sexta-feira, abril 14, 2006

Maus tratos V

Porque a questão essencial tem de se pôr nos seguintes termos:

Se é inaceitável um adulto levar uma estalada seja por que motivo for (educativo, político ou criminal), porque é que para tanta gente isso já parece aceitável se for com uma criança?

Porque é que no estabelecimento de limites àquilo que um adulto faz é inadmissível a violência, mas na criança até se considera defensável (como o mostraram os Srs. Juízes do Supremo)?

Há que perguntar às pessoas: acham que aquilo que é humilhante para um adulto, não o é para uma criança? Porquê?

Será que acham que as crianças têm menos sentimentos e emoções que os adultos? Ou que têm menos sentido de dignidade pessoal? Ou, ainda, que têm menos sensibilidade que um adulto?

Para o dizer franca e brutalmente: será que acham que as crianças são menos seres humanos que os adultos? E que, por isso, devem ter menos direitos?

Dizem-me: as crianças são seres em formação. Respondo: também os adultos o são, mesmo que o não queiram ser.

Dizem-me: são seres que muitas vezes não vêem as consequências do que fazem. Respondo: também os adultos não vêem (e, infelizmente, com consequências igualmente graves: basta reparar em como as pessoas se enganam desgraçadamente seja a conduzir um carro, seja a comer ou a beber, seja a apoiar uma guerra no Iraque, etc).

Dizem-me: batemos-lhes para bem deles. Respondo: isso também se pode aplicar aos adultos.

Não, realmente a questão essencial, donde nasce tudo o que pudermos pensar e discutir sobre este assunto dos castigos corporais nas crianças, é esta:

As crianças são menos seres humanos que os adultos?

quinta-feira, abril 13, 2006

Maus tratos IV

"Na educação do ser humano justifica-se uma correcção moderada que pode incluir alguns castigos corporais ou outros. Será utópico pensar o contrário e cremos bem que estão postas de parte, no plano científico, as teorias que defendem a abstenção total deste tipo de castigos moderados.". A conclusão é dos juízes do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) - relator João Bernardo e juízes Pires Salpico, Henriques Gaspar e Políbio Flor (...)
(no Diário de Notícias de hoje)

Sem qualquer espécie de ironia devo dizer que me sinto grato a estes Srs. Juízes.
Eu sei, este acórdão é uma vergonha para Portugal.
Também sei que os portugueses, na sua esmagadora maioria, de classes altas ou baixas, cultas ou incultas, se fossem inquiridos anonimamente, concordariam com ele. Pelo que o referido acórdão é, no fundo, expressão daquilo que quase toda a gente considera razoável e aceitável. Apesar de ser um sinal de barbárie.
Mas, graças a ele, pode-se esclarecer:

"Não há qualquer referência, em lado algum, à punição como forma de aprendizagem para qualquer criança, com deficiência ou não", explica ao DN o professor de Educação Especial e Reabilitação da Universidade Técnica de Lisboa, David Rodrigues.(...) O acórdão só pode ser considerado , por isso, "um documento incompetente, arrogante e retrógrado."

E graças a ele sabe-se que há, apesar de tudo, bastante gente que se sente revoltada com esta vergonha e que não tem receio de o mostrar: David Rodrigues, Associação Pró-Ordem dos Psicólogos, Associação Portuguesa de Deficientes, Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, UNICEF, Helena Garrido e todos os jornalistas que não hesitam em mostrar repúdio por aquelas ideias.
E isto, garanto-vos, é bom!
Porque as crianças neste miserável país estão indefesas face à brutalidade dos adultos.

Uma sugestão: arranjem um tempo para ler The History of Child Abuse por Lloyd deMause. Nunca mais a vão esquecer.

Maus tratos III

"- A minha mãe ontem partiu uma colher a bater-me.
- A tua mãe bate-te?
- Não, quem me bate é o meu pai."

X batia no filho com um cajado. Este, quando se tornou pai, achou aquilo uma brutalidade e, portanto, mais humanamente, batia nos seus filhos com tiras de pneu. Etc, etc.

O problema da regra de, no castigo fisico, usar de bom senso é que toda a gente acha que o tem e isso não é impedimento às maiores arbitrariedades. Principalmente naqueles que interiorizaram a violência de que foram vítimas na infância, que esqueceram a dor e a revolta sentidas na altura e que agora acham que foi bom terem-lhes batido.

Eu batia no meu filho. Pouco e justificadamente, pensava eu... quer dizer, a minha ex-mulher discordou sempre, ela nunca bateu no nosso filho.
Uma noite, depois de ter dado uma palmada e de o ter deitado (ele teria 2 ou 3 anos de idade), dou-me conta que ele não parava de chorar. Voltei ao quarto e perguntei-lhe porquê.
- Porque foste injusto!
- Mas tu fizeste isto e isto. (já não me lembro do que foi)
- Eu sei, mas foste injusto à mesma, eu não merecia!
E, de repente, percebi!
Não há nenhuma linha de fronteira entre o castigo físico e o mau trato.
Quando alguém que amamos e de quem esperamos amor nos bate, seja pai, mãe ou marido, isso é sempre maus tratos!
Além disso, eu pensava que não tinha ultrapassado essa ilusória linha... tal como X, ou o filho, ou o meu pai, ou... Quem me garantia a mim que eu estava certo? Para já, o meu filho e a mãe achavam que eu estava errado (como eu achei quando era eu que recebia na infância).
Percebi que estava a cair.
Fiz um acordo com o meu filho: se ele não voltasse a fazer aquilo eu nunca mais lhe batia. Não que eu esperasse que ele nunca mais o fizesse, afinal ele só tinha 2 ou 3 anos de idade. Não, o acordo era para mim, para eu não me deixar arrastar para aquilo que eu agora sabia ser uma violência.
Infelizmente, faltei à palavra, ainda lhe dei uma palmada uma vez numa birra. Mas, desde aí, nunca mais lhe bati. E querem saber uma coisa? Não fez falta nenhuma. Hoje é um filho impecável. O que, aliás, me leva a concluir que todas as palmadas que lhe dei anteriormente foram realmente a mais, foram realmente uma violência desnecessária.

Gostaria ainda de dizer que tenho escrito estes três posts com revolta mas também com uma invencível tristeza, porque sinto que sou impotente para explicar tudo isto de forma as pessoas entenderem.

Há um traço comum a quase todos os miúdos com comportamentos problemáticos, é que levam ou levaram dos pais. E ninguém percebe que é isso que os torna problemáticos. A raiva acumula-se, explode na escola, normalmente contra os mais fracos (que até podem ser professores). Um dia, quando eles já estão mais crescidos, os pais passam a ter medo de lhes bater e aí (ou tantas vezes muito antes) perdem a mão neles, porque não foi o respeito que lhes ensinaram a ter pelas coisas e pelas pessoas, foi o medo. E, com falta de sorte, é pelo medo que eles vão reger todas as suas vidas (e, tanto quanto lhes for permitido, as dos outros)...

quarta-feira, abril 12, 2006

Maus tratos II

Quais as consequências de se ser vítima de castigos físicos na infância? São tantas... Não se iludam: cada uma das que se apresentam a seguir tem mundos de sofrimento, de confusão e de solidão dentro de si.

• Medo, medo que se entranha dentro de nós e que nunca mais nos larga: medo de sentir, medo dos outros, medo de gostar, medo de arriscar, medo de escolher ou de decidir, medo de se estar contente, etc, etc.
• Perda da capacidade de empatia e de compaixão pelos outros, tal é a raiva, a fúria e o medo que geram em nós os castigos físicos.
• Impulso cego para os infligir indiscriminadamente aos outros, normalmente aos filhos pequenos e a outros seres indefesos.
• Fascínio (também político) pelas figuras de autoridade suicidariamente castigadoras e implacáveis (associado muitas vezes à incapacidade de lhes fazer frente).
• Do castigo físico à violência, qual a fronteira? Para quem os sofreu é praticamente impossível sabê-lo. Se estiver muito atento descobri-lo-á pela destruição que espalha em seu redor... E que, se tiver sorte, se voltará contra si próprio, permitindo-lhe, talvez, parar.
• A sensação de que não prestamos para nada. E como lutamos contra esse sentimento: diminuindo os outros (tantas vezes de forma tão violenta!) ou não nos atrevendo a sair dum medíocre anonimato.

Maus tratos... legais!?

Li no Murcon e aqui!
Não posso acreditar! Nós somos atrasados e incivilizados, eu sei, mas ao nível do Supremo!!?? Não dar estaladas e palmadas pode configurar "negligência educacional"!!!???

No Murcon pus este comentário:

Vamos admitir que as estaladas são aceitáveis com o objectivo de "aplicar educação" (expressão que agradeço a noiseformind num comentário lá em cima).

Partamos também do princípio que aqui não há cobardes que defendam o castigo físico só para os mais fracos, a saber as crianças. Não, há que ser íntegro: se aceitamos a bondade dos castigos físicos, então é para todos (mesmo para os Senhores Juízes).

Admitido tudo isto, ponhamos agora uma situação:
Todos nós excedemos a velocidade permitida repetidas vezes. Sabemos que estamos a brincar estupidamente com as vidas dos outros (como as estatísticas de mortos anuais em acidentes de viação no-lo mostram).

Temos aqui uma situação grave que mais do que justifica (no mínimo) umas boas estaladas dadas por um alentado GNR a todos nós que excedermos a velocidade permitida... para "aplicar educação" a quem não a tem, claro!

Certo?

Por mim respondo: errado! Porque qualquer vantagem que elas possam trazer, nunca compensam a devastação que arrastam atrás de si.
Nem os Senhores Juizes do Supremo Tribunal de Justiça, nem as crianças, ninguém merece sofrer castigos físicos, seja qual for o motivo!

quinta-feira, abril 06, 2006

Anais Nin

Acabei há uns dias “Henry & June, do diário íntimo de Anais Nin” (Ed. Presença). Uma leitura que me abalou profundamente, ainda não sei exactamente (até) onde:
(a) Na revelação de uma pessoa que usa e abusa dos homens, às vezes de forma deliberada e intencional (como com Allendy), outras vezes mais inconscientemente (como com Hugo)?
(b) Na estranheza de eu não conseguir empatizar com a narradora, mas sim com um dos seus “personagens” (Hugo, o marido), ainda por cima nem sequer o mais bem visto?
(c) Na surpresa que vem do facto de a relação com o homem que ela ama apaixonadamente (Henry Miller) se começar a degradar dentro de si própria por causa de um pequeno episódio de impotênca por parte dele (páginas 151 e seguintes) – o que revela uma inesperada pequenez (ou insegurança?) por parte dela?
(d) Naquilo que me parece ser o seu fascínio pela agressividade, força e brutalidade da masculinidade de Henry Miller? E na sua profunda desilusão quando o mesmo H.M. revela facetas mais frágeis, inseguras e infantis?
(e) Na revelação de uma incapacidade de vivência de um desejo liberto de sombras? (Alguma vez isto é possível, mesmo no coração de uma juventude que nunca chegou a existir, pergunto-me eu?)

quarta-feira, abril 05, 2006

Um post disparatado de alguém que já não escreve aqui há quase duas semanas:

Conta-se que um dia um antropologista terá perguntado a um índio como é que chamavam à América antes de o homem branco aparecer. Ele respondeu: "Nossa".