domingo, julho 30, 2006

Liberdade e Justiça

Quanto mais se procura garantir a justiça (leis que tudo regulam e a uniformização de critérios, tudo a fim de garantir igual tratamento para todos os membros de uma sociedade), mais fica a perder a liberdade.
Serão mutuamente exclusivas, a liberdade e a justiça?
Não sei.
Sei que, a partir de um certo ponto de preponderância de uma delas, a outra começa a sufocar e a desaparecer.

(Já agora, uma citação do Abade Lacordaire:
"Entre o forte e o fraco, entre o rico e o pobre, entre o patrão e o empregado, é a lei que liberta, é a liberdade que escraviza.")

Arno Gruen

Se fosse um blog trabalhado seriamente e cientificamente documentado, recomendá-lo-ia vivamente. Como não é nada disso que se trata (infelizmente não tenho tempo para torná-lo melhor) aqui fica apenas a notícia da sua existência e a razão de o ter iniciado: partilhar com outros tudo o que vou aprendendo (e crescendo) com a leitura de Arno Gruen.

sábado, julho 29, 2006

Medo

Ontem tive que ir à Segurança Social a Loures.
Saí de casa e meti-me no carro.
Sempre que ando de carro fico assustado.
Porque os portugueses a guiar são duros, feios e implacáveis.
Numa zona de escola, com velocidade máxima de 40, vou com um carro escuro colado à minha traseira. Nervoso, olho para o meu velocímetro: vou a 60, portanto a exceder largamente o máximo permitido. Quando abrando ao chegar à zona da passadeira, com lombas e risco contínuo, ele ultrapassa-me. Porquê? Não sei a resposta. Para ganhar 10, 20 segundos de tempo? Para me humilhar? Para ter adrenalina? Ignoro.
Dei, apesar de tudo, um suspiro de alívio.
Entretanto chego à Segurança Social. Eram 9 e meia. Tive que esperar cerca de duas horas. Durante esse tempo todo não vi absolutamente ninguém sorrir.
Saí diversas vezes, mantive a porta aberta para pessoas passarem. Nem um sorriso.
Fui até dar uma volta pela feira. Mas confesso que o ar agressivo e feroz, com que os feirantes procuram que nós lhes compremos coisas, afugentou-me logo dali para fora.
Finalmente sou atendido. Tudo diferente. O problema, apesar de não ser da minha responsabilidade, era bastante complicado. Ficou resolvido. Sempre com uma disposição atenciosa, leve e bem disposta por parte das senhoras que me atenderam. A quem, no fim, agradeci e dei os meus parabéns por conseguirem, ao fim de uma manhã de trabalho ininterrupto e nada fácil, manter uma disposição tão afável.
Saio e mergulho na "selva" outra vez. Quando chego aqui a casa, só me apetece não sair de cá mais. Porque os portugueses estão a construir um mundo muito hostil. Desde o Governo, passando pelos jornalistas e fazedores de opinião, até ao cidadão comum.
E é mesmo os portugueses. Tenho um amigo que foi hospitalizado. As enfermeiras eram todas espanholas. Um mundo de sorrisos. Diz ele que nunca viu na vida enfermeiras tão simpáticas.
Eu confesso: cada vez tenho mais medo dos meus compatriotas, cada vez me é mais penoso e difícil viver neste país com estas pessoas.

sexta-feira, julho 28, 2006

Do amor

Cheguei agora a casa depois de uma noite muito especial.
Há 25 anos fui um dos convidados para o casamento de 2 amigos meus.
Hoje comemoraram portanto 25 anos de casados. E 32 de namoro no mesmo sítio onde, pela primeira vez, o meu amigo disse à minha amiga o quanto a amava.
Fui um dos priviligiados, juntamente com alguns amigos e com a família, a ser convidado para esta comemoração.
Pude assim partilhar um pouco da luz única que estes meus dois amigos transmitem através do amor que sentem um pelo outro. E pelo qual lutaram ao longo destes anos todos.
Disseram: “Somos uns priviligiados por podermos dar todo o nosso amor a quem realmente amamos.”
Foi um noite verdadeiramente feliz. Amanhã volto ao meu dia a dia, um tanto ou quanto pardacento.
Mas hoje foi um daqueles momentos raros que são um autêntico intervalo de alegria pura, para nós outros, entre a nossa vida passada e a nossa vida futura.
A minha gratidão é infinita.

segunda-feira, julho 24, 2006

Como perdemos um amor, afinal?

O ser amado vai-se afastando imperceptivelmente: um cansaço aqui, uma outra escolha acolá, tudo claro e justificado, às vezes com indignação.
Até ao fim respondemos com ingenuidade. Ou talvez com fingida indiferença.
E de um momento para o outro, encontramo-nos sós.
Descobrimo-nos do lado de fora de tudo, atirados para a irremediável secura do deserto.
Sós.

O homem que queria ser escritor

Tinha começado a ler livros esritos por exilados: Ovídio, Nabokov, Brodsky, Rushdie, Kundera.
Escritas estranhas, doridas, separadas, mas não isentas de humor.
Lembrou-se do quanto tinha sonhado em ser escritor.
Sentou-se à mesa, puxou de um molho de folhas - folhas que vinham com as revistas de que era assinante, com o nome e a morada de um lado, brancas do outro - escrevia nelas como se as dirigisse a si próprio - e resolvendo ser metódico, tratou de elaborar uma lista dos obstáculos que o impediam de ser escritor.
Primeiro que tudo, uma imaginação pobre. A medida da sua pobreza revelava-se-lhe quando, com a maior euforia, descobria os mundos revelados pelos escritores que lia... o que acontecia com quase todos, diga-se a verdade.
Em segundo lugar, uma vida interior lenta, pesada, asfixiada. Tudo o que escrevia (que era sempre irrisoriamente pouco) saía com dificuldade e aos tropeções, esgotando-o passado pouco tempo. Na realidade, era um homem sem narrativas.
Finalmente, a consciência de que os outros iriam sempre olhar com piedade o que ele escrevesse, associada a uma imensa preguiça, fazia com que nunca terminasse o que começava.
Olhou então para a página meio vazia, sabendo que nunca a iria conseguir preencher com o que quer que fosse de interessante. Não, pelo menos para ele próprio. E seguramente que não para os outros.
Pousou a caneta e voltou aos textos escritos por exilados: Mehmed Uzun, Bei Dao, Bashkim Shehu, Svetlana Alexievitch,...

domingo, julho 23, 2006

Guerra(s)

Abomino a violência, todos os tipos de violência: verbal ou física, pessoal ou institucional, social ou política.
Como professor sou obrigado a lidar todos os dias com a violência, com a dos outros e com a minha. E repito: abomino-a.

Sobre a guerra que Israel está a travar.

É uma guerra suja? Claro que é. Como todas. Seja no Darfur, na Tchetchénia, na antiga Jugoslávia, ou no Médio Oriente. Não há guerras limpas, nunca houve. Eu indigno-me com todas as guerras, não só com esta.

Sou simpatizante de Israel? Não, não sou. Pelo contrário, tenho tomado sempre uma posição crítica face à atitude bélica e violenta com que Israel responde a atitudes de igual tipo dos seus adversários. Porque lhe reconheço uma superioridade moral. E penso que existem maneiras mais inteligentes, mais eficazes e mais humanas de lidar com o problema que Israel vive desde o momento da sua fundação e que, é verdade, reconheço ser dramático.

(na realidade devo confessar honestamente que não sei, nenhum de nós sabe verdadeiramente o que é viver o dia a dia com a plena consciência, e quando nos distraímos a sermos lembrados de tal, de que todos os países à nossa volta estão a fazer tudo o que podem para acabarem connosco, com a nossa terra e com os nossos filhos)

Que fique claro: estou sempre do lado das vítimas, de todas as vítimas, independentemente da nacionalidade.

No entanto, há alturas em que isto não chega. Hoje sei que tenho mesmo que escolher um lado, principalmente quando a maioria das pessoas à minha volta parece escolher o lado com o qual eu não posso de todo pactuar.

Pergunto:
Qual o lado que dá mais garantias, a mim, à minha família e amigos, de conduzir a nossa vida de acordo com os valores e princípios que consideramos mais humanos, mais nobres e mais respeitadores da nossa condição?
Qual o lado que dá mais garantias de o número de vítimas não vir a ser gigantesco? Por outras palavras, o lado que mostra mais respeito pela vida humana e que não justifica nem confunde a barbárie com a Vontade de Deus?

A resposta, para mim, é clara:

O meu lado é o de Israel!

Não é o do Hezbollah, nem o do Hamas, nem o da Síria, nem o do Irão, nem o do Líbano!

quinta-feira, julho 20, 2006

La chanson des vieux amants

A distância que vai daquilo que somos ao que estamos convencidos que somos é, a maior parte das vezes, muito grande.
A partir deste auto-engano tentamos proceder de acordo com esta ideia que gostamos de fazer acerca de nós, o que nem sempre conseguimos.
Quando o amor acaba, ou o que faz com que ele acabe, é a revelação em toda a sua crueza do que nós realmente somos: homens ou mulheres sem grandeza nem bondade.
Para mim, é um choque sempre. Para os outros também deve ser.

Nesta altura, a relação tem de acabar no rancor, na amargura? Tem de acabar, sequer? Não necessariamente.
Podemos concluir que o ser que tanto amávamos (incluindo pela sua perfeição) não é o ideal.
Mas que é predominantemente desejável, comovente e amável.

Cantava Jacques Brel:
"Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes"

Madrugada

Esgotado, adormeço. Quando acordo, a surpresa de estar vivo: estranho e distante.

quarta-feira, julho 19, 2006

Do amor recusado

O que é sentido como insuportável, no fim de uma relação, por aquele que ainda ama, é que todo o investimento feito, tudo o que escolheu perder, tudo o que sofreu em prol desse amor, não serve nem serviu para absolutamente nada.
Subitamente, toda essa vida de entrega se esvaziou de finalidade e de sentido.

Mas aceitar esta ordem nova na sua vida é, de uma certa forma, aceitar morrer.
Daqui, de não aceitar morrer, nasce a profunda revolta que dirigimos inevitavelmente contra o ser amado, o ódio contra aquele que rejeita o nosso amor, aquele para quem tudo foi lucro enquanto para nós foi perda.
Contra aquele que, no fundo nos traiu, porque com o abandono a que nos vota nos espoliou do destino de uma vida inteira.

Estamos tão intimamente convictos de que uma vida com sentido é um direito nosso inalienável! E não é.

sexta-feira, julho 14, 2006

Estado de Sítio, de Albert Camus

"Diego: Quero fugir, Victoria. Já não sei onde está o dever. Não compreendo.

Victoria: Não me deixes. O dever é estar junto de quem se ama. Mantém-te firme.

Diego: Mas sou demasiado orgulhoso para te amar sem me estimar.

Victoria: Quem te impede de te estimares?

Diego: Tu, que eu vejo sem desfalecimentos.

(...)"




"Coro das mulheres:
Nós somos as guardiãs! Esta história ultrapassa-nos e esperamos que ela tenha o seu fim.
Guardaremos o nosso segredo até ao Inverno, até à hora das liberdades, quando os brados dos homens se tiverem calado e eles voltarem para nós reclamando aquilo que lhes é indispensável: a recordação dos mares livres, o céu deserto do Verão, o perfume eterno do amor.
Aqui estamos, esperando, como folhas mortas no aguaceiro de Setembro. Pairam no ar por um momento, depois o peso da água que transportam fá-las cair por terra.
Também nós estamos agora por terra.
Curvando o dorso, esperando que cessem os gritos de todos os combates, ouvimos no fundo de nós gemer docemente a lenta ressaca dos mares felizes. Quando as amendoeiras nuas se cobrirem de flores de gelo, então reerguer-nos-emos um pouco, sensíveis ao primeiro vento de esperança, em breve aprumadas nessa segunda Primavera.
E aqueles que amamos virão ao nosso encontro e, à medida que avançarem, nós seremos como as pesadas barcas que o fluxo da maré levanta pouco a pouco, viscosas de sal e de água, ricas de cheiros, até flutuarem no mar espesso.
Ah! Levante-se o vento, levante-se o vento..."




"O Coro: Mas encontraremos a esperança ao cabo do nosso caminho? Ou teremos de morrer desesperados?"





(mais n'Os (In)Docentes)

segunda-feira, julho 10, 2006

Conhecer através dos actos

A propósito deste meu post: O não-amor recebi o seguinte comentário:

"Só se sabe como ele é... apreciando o que ele faz! Através dos actos se conhece a pessoa interna, para a externa basta olhar."

Não é sempre verdade.
Porque os actos permitem muitas leituras.
Se nos limitamos a "apreciar o que ele faz" e mais nada, falhamos o conhecimento pela certa, dada a quantidade de possíveis interpretações que se podem fazer.

(Quantas vezes os professores se enganam acerca dos seus alunos, precisamente porque não conseguem a disponibilidade necessária para ir além dos actos!)

A empatia com o outro é aqui a palavra-chave. É ela que nos permite chegar ao ser, é ela que consegue englobar no seu campo de conhecimento não só os actos, mas as palavras, os gestos, os olhares, as atitudes, as emoções do outro.

Separados de fresco / The Break-Up


Pensamos que este filme é uma comédia e, a pouco e pouco, começamos a perceber que se trata realmente de uma história triste.
Quem quiser saber de várias maneiras de como destruir uma relação, encontra aqui algumas ideias.
Eu, que já estou a ficar velho, vivi uma boa quantidade delas.
Por exemplo, fazer o que queremos, mas sem dar hipóteses ao parceiro de também poder fazer alguma coisa que deseje.
Ou pensar que se conquista o amor e a consideração do outro, humilhando-o. Isto é, fazendo-lhe coisas de modo a obrigá-lo a "vir comer à nossa mão".
No fundo, para destruir a relação só há que encará-la como um campo de batalha, como uma luta de vontades (a disfarçar uma luta pelo poder).
Mostramos que temos personalidade e mostramos que somos determinados e teimosos: a mitologia reinante garante-nos o sucesso automático.
Na realidade, ganhamos qualquer coisa.
Não sei é se somos bem sucedidos.
Mas lá que acabamos sós, acabamos.

domingo, julho 09, 2006

De certa maneira, a felicidade

Ele tinha um defeito: não sabia o que fazer com a felicidade.
Alguma serenidade lhe era trazida, no entanto, pela fruição da melancolia.
A chuva, as grandes árvores, as pequenas derrotas, os amores sem continuação, o convívio dos outros, o espaço lá fora, a beleza quase alcançada, a esperança de algo,...

Sartre e Camus

Sartre fica-nos na memória pelas ideias

(voltei a reler As Mãos Sujas, por causa de uma ideia),

Camus pelas ideias e pelas emoções.

Tudo o que em Sartre é apenas cerebral e frio, em Camus é visceral e irredutivelmente humano.

Sartre problematiza, Camus interroga-me e questiona-me.

O que é evidente: Sartre interessa-me, mas Camus apaixona-me.

Da paixão dos outros

Comove-me sempre aquela pessoa que é amada com paixão por outrém.
Por isso, mesmo que crivada de defeitos, não consigo pensar mal dela.
Acho que sou um incurável romântico.

quinta-feira, julho 06, 2006

No amor

1. O corpo: o olhar, o sorriso, a voz, o gesto - isto é, o espírito a atravessar a matéria.
2. O corpo nu: ou seja, a pele, já não apenas (entre)vista, mas sentida e tacteada.
3. O corpo que se possui: a sede infindável do outro.

quarta-feira, julho 05, 2006

Ainda a propósito do post anterior...

... É que me lembrei de uma passagem de "As mãos sujas" de Jean-Paul Sartre:

"Como tu prezas a tua pureza, meu filho! Que medo que tens de sujar as mãos! Pois bem, fica puro! Quem é que aproveitará com isso, e porque é que vens então meter-te connosco? A pureza é uma ideia de faquir e de monge. Vocês, os intelectuais, os anarquistas, utilizam-na como um pretexto para não fazer nada. Não fazer nada, ficar imóvel, apertar os cotovelos ao corpo, usar luvas. Pois eu tenho as mãos sujas. Até aos cotovelos. Mergulhei-as na merda e no sangue. E depois? Imaginas que se pode governar inocentemente?" (Quinto quadro, cena III)

Mas, apesar de tudo, não se pode tentar? Mesmo perdendo em suposta eficácia?

Se calhar, neste mundo, não... e lá voltamos ao mesmo.

terça-feira, julho 04, 2006

A feira das traições

Choca-me a crescente falta de pudor que as pessoas revelam não só a executar, mas também a publicitar todas as pequenas patifarias, traições ou vinganças de que se lembram. Antes nunca dava conta delas. Agora vou sabendo de algumas. E nunca deixa de me espantar que as pessoas achem sempre justificados estes seus actos.

Quanto às pessoas que são vítimas destas acções andam, depois, completamente enganadas sobre o que se passou. Constroem um mundo de ilusões ao procurarem descobrir um sentido para aquilo que lhes aconteceu. Só que tal não é possível porque, onde a falsidade e a traição são generalizadas, deixa de haver um sentido global. Passa então a haver apenas sentidos locais, específicos e particulares a cada indivíduo. E aí tudo se baralha.

Neste ambiente, esforço-me com desespero e angústia por manter uma conduta impoluta (o que nem sempre consigo), por não me envolver em nenhuma tramóia, por procurar chegar ao fim do dia e conseguir que os meus actos tenham sido, se nem sempre impecavelmente dignos, pelo menos minimamente honrosos.

Digo bem: com desespero e angústia. Porque este em que vivo não é de todo o meu mundo. E é, de todas as maneiras, um mundo bem solitário...

segunda-feira, julho 03, 2006

O não-amor

Ela diz: Só os actos é que contam. As palavras e as prendas materiais pouco significado têm ao pé das acções. Por isso, estou a deixar de te amar.
Ele responde: Então também vou avaliar o teu amor por tudo o que de errado fizeste, ou que simplesmente não fizeste, independentemente do que me tenhas dito.

Assim se constrói o afastamento, o fim do amor.
Porque, no fundo
(e tirando casos limite de violência),
é sempre horrível amar o outro pelo que ele fez e não pelo que ele é.



Decoryah, Once

I never thought my voice was weak
lost in the ruins of agony
They told me I was the one
who veiled the stars and the sun

I am trembling and I bleed
Only silence could see my pain and agony

I never thought I ought to run
I never seen the things you've done
I never wanted to feel growing misery

I never thought my life was weak
sunk in the rivers of agony
They told me I am not the one
who shines like the bursting Sun

I see voices rising from silence

domingo, julho 02, 2006

O namoro e a morte

Conhecem-se. Seduzem-se. Às vezes à custa de destruição e de sofrimento de outros. Apesar disso, tudo funciona como uma espécie de jogo. Às vezes aproximam-se, às vezes afastam-se. Mas nada parece definitivo.
Até que um dia há uma fractura em que a morte se introduz. A leveza anterior acabou, tudo se tornou sério de repente. O amor, o futuro, a solidão, deixaram de ser possibilidades hipotéticas.
E eis a paixão que volta. Só que já fora do tempo. Inútil, pois perdeu o corpo com o qual se poderia corresponder. Apenas a memória vive, dolorosa.
Por fim, apenas a dor. Que nunca, mas nunca desaparece. Apenas se distancia.

Das vitórias no futebol

Coisa singular, esta do futebol!

Nem Portugal, nem os portugueses ganham o que quer que seja com as vitórias (nem, já agora, com as derrotas) da Selecção.

(E não me venham com a história da auto-estima: já tivemos exemplos da ineficácia desse tipo de coisas - Expo 98, Euro 2004, etc - para a dita auto-estima. É que esta só cresce se for devido a conquistas nossas, não às de outros.)

Os únicos que ganham com essa vitórias são os próprios jogadores e o treinador, dado que elas lhes permitem prémios fabulosos e contratos ainda mais milionários do que os que já têm. Além de um reconhecimento que, nem por ser efémero, deixa de ser sumamente agradável.

(Principalmente, quando se chega ao extremo de lhes chamar heróis... Heróis!? Será que já perdemos de todo o sentido das proporções?)

Daí que, ao olhar para os milhares de portugueses que se entregam a estes delírios de alegria, não posso deixar de me comover.

Porque olho para estas pessoas que pagam os tais ordenados e prémios milionários a esses jogadores (e a mais uns abutres do futebol), cujo futuro está a ser destruído pelas actuais chefias deste país (ausência de reformas, mais horas de trabalho, menos apoios sociais, perseguições por serem competentes e não terem "amigos" bem colocados, etc, etc) e que, apesar disso, aderem sem reservas a uma felicidade e a uma alegria enormes. Por feitos de cujos lucros nem uma delas vai beneficiar minimamente, como já disse atrás.

Acho isto estúpido. Mas comovente.

(Eu alegro-me com o treinador e com os jogadores que construíram estas vitórias, claro.
Não deixo nunca de lamentar os que perdem, em particular esta Inglaterra que contribuiu de forma assinalável para que a equipa portuguesa jogasse da forma admirável como o fez.
E admiro sem reservas o Ricardo, a sua discrição e o seu brilhantismo!)