sábado, agosto 12, 2017

Um livro simples

Às vezes, desejamos uma vida mais simples. Comida, casa, saúde, trabalho (com dimensão humana) e uma companhia agradável. Nada de muito exigente, nada de muito esforçado. Será que sentimos este apelo também em relação a um livro?

A minha resposta é sim. Sonho com o livro que me preenchesse o espírito, mas sem complicações de enredo ou de estilo literário. Com o qual pudesse descansar, com o qual pudesse acordar e adormecer sem convulsões de qualquer espécie. Que, nem que fosse por alguns momentos, depurasse a minha existência daqueles escolhos e imperfeições que tantas dificuldades me trazem.

Curiosamente, tenho a vaga noção de que já li esse livro, algures na juventude. Em consequência, descubro mesmo um certo impulso em mim para dizer: Ah, no meu tempo é que havia bons livros! Porém, sei que isso não passa de uma fantasia. Nunca esse livro apareceu debaixo dos meus olhos. E, todavia, não vejo maneira de me impedir de continuar a procurá-lo.

Às vezes passo horas numa biblioteca a viajar por livros. Dedico esse tempo a ler inícios de livros, até que há um que me conforta e me faz sentir bem. Estou sentado naquele momento, não me apetece mais levantar-me, desejo prolongar a sua leitura até ao infinito (enquanto sinto uma levíssima, porque ainda longínqua, angústia de que isto, também Isto terá um fim). No entanto, acho que tal nunca me aconteceu com um livro simples. Ou será que, quando encontro um livro simples, só sinto desagrado?

Por vezes imagino, desejando-o, que um livro simples poderia ser aquele em que o autor até pudesse mentir o que quisesse, mas em que nenhuma das suas personagens dissesse alguma vez uma mentira. Ou ser um poema em que as palavras fossem como pedras leves, lisas e luminosas. A claridade daí resultante poderia fazer-me aceder à simplicidade. A verdade é que já me cruzei com tentativas literárias nesse sentido, porém o resultado não foi nem a claridade nem a simplicidade.

Diz a neurociência que a evolução do cérebro tem funcionado por adição e não por substituição. Assim, o nosso cérebro foi evoluindo pelo acréscimo de novas estruturas às antigas; e que todas elas, no seu conjunto, raramente funcionam harmoniosamente entre si. Logo, talvez este conhecimento me permita concluir que o sonho da simplicidade nunca pode passar disso mesmo. Porque nada do que o nosso cérebro produz pode ser simples. Ah, exceto, quem o saberá alguma vez?, o desejar essa impossível simplicidade.