sexta-feira, dezembro 08, 2017

Sabedoria sem Certezas

«(...) exibindo a suficiência intolerável e desesperadamente densa que nada a não ser a frequência da ciência pode dar à obtusidade do comum dos mortais.»
Joseph Conrad, O Agente Secreto

Às vezes, fico convencido que sei algo com total segurança. É durante pouco tempo, porque percebo bem que é uma ilusão. Habitualmente, tenho a plena consciência da imensidão da minha ignorância. Mas, às vezes não.

Porque é que isso acontece? Em parte, porque confio no que estou a sentir; e sentir que estou certo funciona como uma garantia para a verdade. No entanto, basta-me recordar as vezes, imensas vezes anteriores em que senti o mesmo e estava redondamente enganado, para ganhar um pouco de humildade.

Por vezes, a minha experiência particular confirma a informação que colhi. Daí até concluir que ela é generalizável a toda a gente e que, por isso, tem de ser verdadeira, o salto é muito pequeno; e, quando estou mais distraído, dou-o.

Mas também tendo a sobrevalorizar o que sei pela sua novidade – tenho este preconceito a favor do que é novo; mas realmente novo, não do que é um antigo serôdio reciclado e com roupas novas a disfarçar.

Depois, o estudo que fiz do assunto faz-me acreditar que fiquei a saber a última palavra acerca dele. Ou ainda as leituras que fiz. Por exemplo, os artigos de divulgação científica que apresentam as matérias de uma forma simplificada e facilmente compreensível dão-me a ilusão de que fiquei a dominar o tema.

Ora, mesmo que eu tivesse feito um estudo exaustivo, o que obviamente não é possível (a menos que eu dedique a minha vida apenas a esse assunto e consiga ir acompanhando mais ou menos o que se vai publicando sobre ele), sabemos que a ciência avança, oscilando entre o erro e a sua correção: o que é hoje verdade pode não o ser amanhã. Portanto, nem mesmo na ciência se pode confiar totalmente para obter certezas.

Se é assim, então porque recorro à ciência? Porque ela é o melhor método que a humanidade encontrou para descobrir e provar que determinada teoria, científica ou não, é falsa. Sim, quero mesmo dizer falsa, não verdadeira. É fácil provar que uma teoria é verdadeira, enquanto ninguém encontrar algo que a invalide.

Assim, aquilo que a ciência não consegue demonstrar como falso vai sendo, então, provisoriamente considerado como verdadeiro – a ênfase aqui é no “provisoriamente”, não no “verdadeiro”. Então, disto permito-me ter uma razoável certeza: até ao momento, não existe outra maneira melhor, mais objetiva (não dependente de idiossincrasias pessoais), mais sistemática, mais rigorosa e mais vigiada de conseguirmos aproximarmo-nos da verdade.

Finalmente, creio que o meu autoconvencimento vem também da necessidade de segurança das pessoas que as leva a quererem ouvir certezas simples, monolíticas e infalíveis, e não divagações sobre um campo de dúvidas fragmentadas, sempre relativamente pouco iluminado. Existe aqui uma pressão subtil para que eu verbalize certezas; de todo o modo, isso não serve de justificação para o fazer.

Porque o sábio não é aquele que sabe o que diz, mas é aquele que sabe como e quando o dizer (ou não), independentemente do que os outros (e às vezes ele próprio!) desejam.

Escola de Atenas, Rafael, 1511