domingo, janeiro 29, 2006

Um verso...

... com que acordei hoje de manhã:

"A amada é bem a infância que vem ter comigo"

Uma busca na net. Um encontro com Ruy Belo no site nEscritas de Margarida Lopes e Paula Matos.


O elogio da Amada

Ei-la que vem ubérrima numerosa escolhida
secreta cheia de pensamentos isenta de cuidados
Vem sentada na nova primavera
cercada de sorrisos no regaço lírios
olhos feitos de sombra de vento de momento
alheia a estes dias que eu nunca consigo
Morde-lhe o tempo na face as raízes do riso
começa para além dela a ser longe
A amada é bem a infância que vem ter comigo
Há pássaros antigos nos límpidos caminhos
e mortes como antes nunca mais
Ei-la já que se estende ampla como uma pátria
no limiar da nossa indiferença
Os nossos átrios são para os seus pés solitários
Já todos nós esquecemos a casa dos pais
ela enche de dias as nossas mãos vazias
A dor é nela até que Deus começa
eu bem lhe sinto o calcanhar do amor
Que importa sermos de uma só manhã e não haver em volta
árvore mais açoitada pelos diversos ventos?
Que importa partirmos num desmoronar de poentes?
Mais triste mesmo a vida onde outros passarão
multiplicando-lhe a ausência que importa
se onde pomos os pés é primavera?


Dedicatória in Aquele Grande Rio Eufrates

domingo, janeiro 22, 2006

Fernando Namora


"Há dias em que a melancolia chove dentro de nós com num pátio interior, atapetado de jornais velhos. Não se ouve, não se sente - mas rebrilha na sujidade densa."

Retalhos da Vida de um Médico

sábado, janeiro 21, 2006

Escrever

(pequenos recortes que fui guardando ao longo dos anos e que agora, com as arrumações, vou encontrando)

De novo Gilles Deleuze:

"Não escrevo contra alguém ou alguma coisa.
Para mim escrever é um gesto absolutamente positivo: é dizer o que se admira e não combater o que se detesta.
Escrever para denunciar é o mais baixo nível de escrever.
Em contrapartida, é verdade que escrever implica que há qualquer coisa que não está bem no estado da questão que se deseja tratar.
Que se não está satisfeito.
Direi assim: escrevo contra a ideia feita.
Escreve-se sempre contra as ideias feitas."

Ou seja, contra o esquecimento e contra a distracção. Pelo menos, para mim.

Denunciar é um nível baixo de escrita, na minha opinião, apenas quando se torna num tique daquele que escreve. Daí eu fazer da denúncia um uso parcimonioso.

domingo, janeiro 15, 2006

O texto que "merece existir"

"Creio que um livro, se merece existir, pode ser apresentado sob três aspectos rápidos. Só se escreve um livro digno se

1) se pensa que os livros sobre o mesmo tema ou tema próximo caíram todos numa espécie de erro global (função polémica do livro);

2) se pensa que alguma coisa de essencial foi esquecida sobre o assunto (função inventiva);

3) nos consideramos capazes de criar um novo conceito (função criativa).

E, claro, isto é um mínimo: um erro, um esquecimento, um conceito..."

(Gilles Deleuze a Arnaud Villani)


Ponho a hipótese de estes critérios também se poderem aplicar à escrita nos blogs.
Sempre que morre alguém que me é próximo, para além de sentir a dor da perda, fico mudo com tudo o que se perde com essa morte, afectos, saberes, intervenções.
No filme Blade Runner, Roy Batty (Rutger Hauer), um andróide à beira de morrer, diz a Rick Deckard (Harrison Ford):
(cliquem para ouvir)
"I've seen things you people wouldn't believe...
Attack ships on fire off the shoulder of Orion...
I watched c-beams glitter in the dark near the Tannhauser Gate...
All those moments will be lost in time like tears in the rain...
Time to die."
Tenho imensas saudades de aqui escrever (e de passear pela blogosfera)!
Estou tão cheio de trabalho na escola que até já tenho dificuldade em conseguir pensar, sentir e falar de outros assuntos. Como se tivesse que regressar, com dificuldade, de uma terra distante...