quinta-feira, junho 29, 2023

Contra a vitimização e o conformismo em alguns professores

 


Não concordo com os professores que escrevem, ou que dão publicidade a quem escreve, textos saudosistas sobre a Educação, em que o alvo primordial são sempre os estudantes (porque estão mal preparados, porque não vão às aulas, porque são distraídos, porque copiam nos trabalhos, etc., etc.). Não divulgo aqui nenhum desses textos porque precisamente não pretendo dar-lhes publicidade e porque todos sabemos do que falo aqui.

Concordo ainda menos que os professores divulguem publicamente que se conformam com a situação, que se tornaram maus professores, que ensinam menos e pior, que avaliam sem honestidade, etc., etc. Tudo sempre por culpa dos outros, normalmente dos alunos.

Eis as razões da minha discórdia:

  1. Este tipo de textos não atrai a simpatia para os professores de nenhuma parte da população (ao contrário do que dizem esses professores, ninguém fica contente com esta situação). 
    • Alunos? Detestarão ser retratados desta forma. Principalmente, aqueles que não são assim, que são muitos (e não os poucos que aqueles autores relutantemente admitem que apesar de tudo existem).
    • Pais? Nunca! Porque sabem que estes professores estão a defraudar descaradamente o futuro dos seus filhos.
    • O resto da população? Na melhor das hipóteses, encara estes textos (de queixa, de vitimização absurda) com indiferença. Nalguns casos, até poderão atrair a sua pena (o que duvido); no entanto, quem deseja ser objeto da piedade dos outros? Eu não, mas há gente para tudo. Na maior parte das vezes, eu diria que eles estimulam um sentimento de um cada vez maior desprezo pelos professores. 
    • E professores? Acredito que a maioria não se sente retratada por aqueles textos.
  2. Vemos outras classes profissionais (algumas muito, mas mesmo muito mais maltratadas do que os professores) a produzirem e a divulgarem este tipo de textos? Não. Não vemos médicos (nem  enfermeiros, nem técnicos auxiliares de saúde) a dizerem que os doentes saem mal tratados das suas mãos. Não vemos juízes a dizerem que as pessoas saem dos julgamentos como vítimas de decisões injustas. Etc., etc. Porque não o fazem? Porque sabem que, se dissessem este tipo de coisas, lançariam o descrédito total sobre toda a sua classe e estariam a atrair a raiva e o desprezo da população. E eles não são parvos.
  3. A atitude de culpabilização dos outros, nomeadamente dos alunos, reflete uma das opções mais perigosas que os seres humanos podem tomar: a de negarem a responsabilidade pelo que fazem. Sabemos da história o resultado trágico que isto dá. E não corresponde à realidade. Na verdade, se assumirmos a nossa responsabilidade, mesmo naquilo que somos obrigados a fazer, percebemos que temos, ainda assim, uma razoável margem de manobra, de liberdade e de autonomia. Quando decidimos não assumir a responsabilidade, fazemos como os autores daqueles textos: não só traímos a missão para que fomos contratados (e pela qual estamos a receber dinheiro), como pouco fazemos para melhorar a situação de todos no dia-a-dia. Ou seja, tornamo-nos em conformistas do pior tipo: aquele que colabora com o jogo dos opressores e que não tem vergonha de revelar em público a sua condição de conformista (muitas vezes, para atrair mais conformistas para o seu lado). Não precisamos deste tipo de professores. Aliás, a bem dizer eles nem são professores, são pseudoprofessores.
  4. Este tipo de textos saudosistas de uma idade do ouro da educação promove uma ideia totalmente falsa: é que essa idade do ouro nunca existiu. O que existiu sempre, desde a Antiguidade Clássica, foram velhos a queixarem-se de que os jovens não querem aprender, que não querem trabalhar, etc. Os séculos passam, impérios nascem e caem, mas o discurso é sempre o mesmo. Céus, já chateia!
  5. Estes textos promovem uma visão do professor como vítima dos outros. É um mau lugar para escolher estar. Sentir-se vítima faz com que as pessoas percam discernimento e energia para as lutas, essas sim que são muito necessárias travar. Quer a nível individual, no dia-a-dia (servem para mantermos a nossa autoestima); quer a nível coletivo (as únicas que podem dar algum resultado significativo para todos).
  6. Naqueles textos, apresenta-se uma imagem do professor que dá argumentos fortíssimos aos que defendem a sua substituição por filmagens ou por robôs. Na verdade, para fazer aquilo que nesses textos os autores dizem que fazem, para que é que é preciso um professor real? Pelo menos, estas alternativas não se vão andar a queixar. E até acredito que estas tecnologias sejam capazes de fazer um trabalho melhor do que eles… 
  7. Divulgar este tipo de textos dá palco a indivíduos protofascistas, com discursos nostálgicos e reacionários sobre “os bons velhos tempos” a que, segundo eles, é preciso regressar. Além disso, eles transportam muitas vezes esta maneira de pensar para denegrir outras áreas como a da igualdade de direitos e de oportunidades entre todos os seres humanos.
  8. Finalmente, estes textos a culpabilizar os alunos afastam a atenção das pessoas dos verdadeiros culpados: governos e, acima de tudo, uma sociedade implacavelmente capitalista e consumista.

Em suma, os autores deste tipo de textos parecem que estão a ser empáticos e isso pode ser agradável no momento para os professores que se sentem incompreendidos. Porém, na verdade, o que eles estão a fazer é a desmoralizar, a depreciar e a debilitar aqueles professores que têm brio na sua profissão e que o querem manter, não importa quais sejam as circunstâncias adversas que possam encontrar no seu caminho.