sábado, outubro 13, 2012

Pequena resposta a uma crítica injusta à escola pública

Respigo uns comentários no facebook de alguém a propósito da superioridade das escolas privadas (e que, provavelmente, são subscritas por algumas, espero que poucas, outras pessoas):
Entre as várias diferenças estão: Se na escola privada o professor dá sinais de não perceber muito bem o que anda ali a fazer é convidado a sair, na pública é convidado a ficar. No público os professores aproveitam os artigos todos. No privado não há artigos há trabalho.
O público só não copia os bons exemplos porque não quer ...
Também não é pelo número de alunos que as privadas funcionam melhor ... veja-se o Colégio de Vilamoura com 800 alunos e é um exemplo nacional ... às portas de Loulé... até promovo uma visita guiada com as direcções das escolas públicas que quiserem ... não sei se há quem queira claro!

Caro senhor, aproveito este espaço para lhe dizer com todo o respeito:

O senhor está enganado, terrivelmente enganado. Provavelmente, é vítima da propaganda que quer acabar com a escola pública.


O senhor vem falar de como cuidar de um campo de flores e eu vou falar-lhe de professores num quase teatro de guerra cuja tarefa primordial é sobreviver e tentar salvar da barbárie o maior número possível de crianças e jovens.

Na verdade, a ignorância que o senhor revela ao falar dos professores da escola pública é tão desproporcionada que não me posso calar. E explico-lhe porquê.

Primeiro, porque se os seus filhos e a sua família ainda conseguem andar nas ruas em relativa segurança é porque a escola pública e os seus docentes e funcionários recebem e tentam também educar reais e potenciais delinquentes.

Segundo, porque o senhor não sabe o que é ter o seu carro incendiado; não sabe o que é ser insultado e ameaçado diariamente, física e psiquicamente; não sabe o que é chegar a levar uns valentes pontapés e bofetadas; não sabe o que é ter alunos seus (que podiam ser os seus filhos) a serem enviados para o hospital, uns em coma, outros nem tanto, perante a impotência dos professores; não sabe o que é chamar em desespero a polícia e esta não poder vir porque está ocupada noutras escolas com acontecimentos similares. Que fique registado que isto é apenas uma pequena amostra de acontecimentos que foram testemunhados por mim.

E já agora, deixe-me que lhe diga que o senhor também não sabe, não pode saber, o que é sentir o orgulho de ter alunos com Necessidades Educativas Especiais em quase todas as turmas, miúdos e miúdas, muitos dos quais são expulsos ou cuja entrada é recusada por escolas privadas. Sim, repito, por escolas privadas.

Apesar de eu ter conseguido sair desse inferno (sem nada nas mãos e tendo que começar toda uma nova vida), nunca deixarei de estar ao lado dessas centenas e milhares de professores (na verdade, professoras na sua maioria), a fazerem diariamente das tripas coração e a trabalharem nestas martirizadas escolas públicas, sabendo esses professores que jamais obterão da sociedade o reconhecimento, e muito menos a gratidão, que merecem.

Tendo, ainda por cima, de ouvir pessoas, como o senhor, que estão convencidas de que sabem tudo e que na verdade pouco ou nada sabem do que criticam.

domingo, setembro 16, 2012

E depois da manifestação?

Estive na manifestação contra a Guerra no Iraque (com milhares de pessoas em Portugal e mais uns milhões de pessoas por todo o mundo).
Estive nas megamanifestações dos professores.
E noutras. Sabemos a resposta que obtiveram por parte do poder.


Fazer manifestações dá-nos a ilusão de que fizemos alguma coisa. Mas não fizemos nada, a não ser mostrar que “não estamos a gostar”. Daí até conseguirmos demonstrar que “não aceitamos” vai uma distância considerável. E exige de nós bastante mais do que a participação numa simples manifestação (por mais convictamente zangada e/ou cívica que ela se revele).

Uma manifestação pode ter algum efeito numa democracia plena. Há muito que não estamos a viver numa democracia plena.
Para enfrentar com sucesso o poder instalado (do qual o poder político é, na maior parte das vezes, apenas um mero testa-de-ferro) outros meios são necessários.

No regime em que estamos a viver, só nos restam dois tipos de meios: a luta armada (foi assim que o 25 de Abril foi feito, com as armas a liderarem a iniciativa) ou a resistência não-violenta, que eu prefiro (e que nada tem de passiva, note-se!), embora implique grandes sacrifícios pessoais e familiares.

Não há melhor exemplo que a clássica história dos acontecimentos que se iniciaram com Rosa Parks, em 1955, no Sul dos EUA. Tendo pago o seu bilhete num autocarro, mandaram-na levantar-se do seu lugar para que um branco se sentasse. Ela recusou. Foi presa.
Foi anunciado um boicote aos autocarros pela comunidade negra. Esse boicote durou 381 dias, tendo a maior parte das pessoas feito o sacrifício de andar sempre a pé. Mas a lei que permitia estas iniquidades mudou. A empresa teve de escolher entre a falência ou a justiça. Optou pela última.

É que esta linguagem (a que põe em causa os seus lucros) é a que os empresários, banqueiros, financeiros e economistas, cuja ganância tem levado as famílias e o país à ruína, entendem.

E nós? Perceberemos o que temos de fazer? E quereremos fazê-lo?

sábado, setembro 08, 2012

Revelações de um discurso ao país



Quem tenha estado atento ao discurso do primeiro-ministro ontem, e não deixe que considerações pessoais interfiram no seu julgamento, ter-se-á apercebido que nas cerca de 2200 palavras que o constituem não se encontra uma única ideia que confira um sentido à vida actual dos portugueses.

Penso que se pode tirar quase tudo às pessoas, mas há duas coisas que não: a dignidade e o sonho.

Quanto à dignidade, os nossos governantes, banqueiros e muitos patrões vivem como se ela não existisse, nem para si próprios nem para os outros: é uma deficiência, uma incapacidade congénita, pelo que é difícil culpabilizá-los por isso. Adiante.

No discurso do primeiro-ministro evidencia-se a completa ausência de um sonho, de um ideal para Portugal. É grave e explica a violência com que esse discurso está a ser recebido por todo o país. É que o que move as pessoas não é o dinheiro (e muito menos o dinheiro dos outros) mas sim o sonho. Já Sebastião da Gama escrevia há muitos anos, com a imensa sabedoria de um coração puro, que “Pelo sonho é que vamos”. Roubem às pessoas os seus sonhos individuais e colectivos e o resultado será, no mínimo, imprevisível porque as pessoas se sentirão espoliadas no mais fundo de si.

Este discurso, em vez de motivar os portugueses para um esforço colectivo, revela várias coisas que incitam antes à revolta das pessoas bem formadas.

Primeiro, revela que o ideal indiscutível proposto por Abraham Lincoln, “que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra”, desapareceu até do horizonte do actual governo. Hoje, a preocupação revelada pelo primeiro-ministro neste discurso é de apenas obedecer às ordens do poder financeiro, interno (beneficiando empresas e bancos) e externo (a famigerada troika), assumindo-se assim como um mero testa-de-ferro de outros poderes que não o do povo que o elegeu.

Segundo, para o primeiro-ministro os pobres não existem. Só assim se explica que o sofrimento e a morte de tantos pobres (lembre-se por exemplo o aumento de mortes por gripe sem nenhuma razão por detrás que não o ter-se impedido o acesso à saúde aos mais desprotegidos) possa não constituir um problema para ele e nem sequer tenha sido considerado: no discurso, referem-se apenas aqueles que trabalham e aqueles a quem o seu trabalho foi roubado, mais ninguém (os pensionistas e reformados são referidos de passagem apenas para lhes lembrar o que lhes continuará a ser tirado).

Gandhi dizia que o critério para determinar se uma lei era boa ou má consistia em perguntar: esta lei beneficia os mais pobres de entre os pobres? Se sim, a lei era boa; se não, era má.

Para o primeiro-ministro os pobres não são de todo a sua prioridade. O culto assumido é apenas o do dinheiro.

quinta-feira, agosto 30, 2012

Em direcção a uma vida simples



O que o Presidente do Uruguai nos sugere é uma coisa que está ao alcance de todos nós: sermos conduzidos pela aspiração apenas a uma vida simples. Que não deixe, no entanto,  de ser digna.
Digna aos nossos olhos, não por comparação com os outros. Digna para não termos de nos envergonhar perante o olhar dos nossos filhos, um olhar marcado pela fome, pela miséria, pela destuição do seu direito à felicidade. Daí que a pobreza fique excluída destas considerações.
Mas uma vida frugal, sim. O que o Presidente do Uruguai nos sugere é que não é consumindo que eu exerço o meu direito à felicidade, que eu chego a ser inteiro e livre. Não é por ter coisas e dinheiro e poder.
Voltemos então à noção de uma vida simples: uma vida em que o ser se sobreponha ao ter, uma vida em que o homem e a mulher não vendam aos bancos a sua liberdade e o respeito por si próprios.

domingo, janeiro 01, 2012

Votos para o ano de 2012

Quero incluir aqui o discurso que Leonard Cohen proferiu por ter recebido o Prémio Príncipe das Astúrias, a 21 de Outubro de 2011.
Porque desejo que o ano de 2012 nos traga esses lugares e proteja essas pessoas em que a poesia se encontra com o que de mais alto existe na natureza humana, tal como aqui exemplifica Leonard Cohen com as suas palavras e com a sua atitude. Onde a cortesia, a humildade, o reconhecimento e a verdadeira grandeza brilham de forma inesquecível.



Como disse Lou Reed noutro contexto, "We´re so lucky to be alive at the same time Leonard Cohen is!"