sexta-feira, julho 30, 2010

A Vida Em Surdina, de David Lodge

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé.


O tema principal é óbvio: a surdez, experimentada pelo autor. Tinha de ser. Há coisas que aqui são descritas que implicam um conhecimento pessoal e íntimo deste tipo de aflição. Mas também a velhice é aqui retratada nos seus múltiplos aspectos.

Sendo assim, o que impede este livro de causar uma depressão ou de se tornar numa leitura penosa? O humor, claro. Com largas doses do self-deprecating humour, de que falo no post anterior.

Não se trata de um humor jocoso, destruidor, mas um humor que nos inclui, tolerante e amigável (raramente chega a ser ácido). Repare-se que David Lodge descreve a procura de uma dignidade para a surdez, empreendimento parcialmente conseguido. E elabora um retrato muito completo de uma humanidade simples, relativamente fraca, mas que procura fazer o melhor sem ceder excessivamente à tentação de fazer o mal. O tom usado é, portanto, de um humor suave, que nos mantém a sorrir ao longo de quase toda a leitura.

Sub-temas aqui presentes, entre outros: a universidade, com os seus professores e alunos cada vez mais problemáticos (nada diferente de Portugal); o sistema de saúde (também igual ao nosso país, o que é um mau sinal...); a morte, nas suas diferentes vertentes (suicídio, eutanásia, assassínio, doença); e destaco uma referência a Auschwitz porque, depois de já tudo parecer ter sido dito, David Lodge consegue ser simples e não repetitivo.

Em suma, um livro que pode parecer de literatura light (ouvi essa apreciação), mas não o é. Trata-se de um livro brilhante, mas escondido atrás de uma modéstia que nasce da simplicidade.

Uma última palavra para a tradução que é muito boa. David Lodge, consciente das dificuldades de tradução deste livro, dedica-o a todos seus tradutores. Tânia Ganho merece-o.

sábado, julho 24, 2010

Os blogues de Pedro Mexia. O Humor.

A minha escolha (1)

Alguém que mal me conhece definiu assim uma série de agruras recentes: «abuso e sujidade». É isso mesmo. Escolho então a liberdade e a higiene. Antes correr riscos do que sentir nojo.

A minha escolha (2)

Antes ter amargos de boca do que ficar com boca de lacaio.



Gosto de tudo o que Pedro Mexia escreve no seu blogue, Lei Seca: textos de crítica (política, poesia, teatro, cinema), textos sobre os costumes (muitas vezes são pretexto para desenvolver uma expressão pessoal), textos memorialísticos, textos de afirmação pessoal como o acima transcrito, etc.


Confesso, no entanto, se bem que com alguma vergonha, que a minha preferência vai para os seus textos de humor. Mas ele não usa qualquer tipo de humor, nem usa outros como objecto desse humor. Ele desenvolve o seu humor tomando-se a si próprio como objecto. Trata-se do "self-deprecating sense of humour", o meu tipo de humor favorito. Acho que Pedro Mexia é o mais brilhante cultor deste tipo de humor em Portugal.

Um exemplo é este aqui, tirado do Lei Seca.

Outro, tirado do livro Fora do Mundo:

Perguntam-me frequentemente porque escrevo tanto sobre assuntos sexuais. Deixem-me responder assim: segundo Wole Soyinka, o grande tema da literatura etíope é a comida.

sexta-feira, julho 23, 2010

Enquanto trabalhei em escolas, passei muito do meu tempo em pé, visto que nunca me sentava na aulas.
Este ano trabalhei num centro de explicações (e em casa a prepará-las) e senti todo o meu estado físico geral a deteriorar-se. Apesar de manter uma actividade física regular. Agora sei porquê.
Parece ser o tempo que permanecemos sentados que está fortemente correlacionado com o risco de morte. A actividade física pode reduzir essa correlação nalguma coisa, mas muito pouco. Não, é o tempo sentado que é determinante... tenho que mudar de trabalho, não quero morrer tão cedo!
Pormenores da investigação aqui.

quinta-feira, julho 22, 2010

A prática da compaixão

In a west London kitchen in March last year, film actor Charlie Cox and his old school friend Ned Gammell were hatching a plan. The pair were members of the Galileans, a group formed in 2005 by 14 friends who decided it was time to turn the daft schemes they were always cooking up in the pub into reality.
(Reader's Digest, Março 2009)

Para além de conseguirem fundos para caridade, uma das coisas que fizeram foi isto, respondendo a um apelo de outra organização de caridade, a Starlight (basicamente, a Starlight procura que crianças com doenças terminais ou gravíssimas possam ver satisfeito o desejo ou o objectivo da sua vida).

É este tipo de poder que eu realmente admiro. Não o que se obtém pela política, não o dos chefes nos empregos, não o do dinheiro. É este: poder fazer algo pelos outros e fazê-lo.
Não me refiro simplesmente ao voluntariado que, aliás, admiro muito (e que eu próprio já fiz). Refiro-me a pessoas que sabem com clareza o que está mal, ou deficiente, na nossa sociedade e tomam a iniciativa de fazer alguma coisa para o remediar.

Penso que isto é marca mais do protestantismo. É-o, creio que seguramente, do cristianismo. Lembro-me de ter lido algures o Dalai Lama a dizer que o budismo, com toda a sua ética fundada na compaixão, tinha muito a aprender com o cristianismo: onde era precisa ajuda, concreta e presencial, viam-se muitos mais cristãos que budistas.

Em Portugal, temos entre outros, Fernando Nobre que começou pelos Médicos Sem Fronteiras e depois fundou a AMI.

quarta-feira, julho 21, 2010

A "revisão constitucional" de Passos Coelho

Querer mexer nos poderes do presidente da república resulta, claro, da óbvia constatação da absoluta nulidade que tem constituído a actuação de Cavaco Silva. Como são ambos do psd, isto devia ser um problema que deviam resolver em privado e não na praça pública.

Gandhi dizia que o único critério válido para se avaliar da qualidade de uma lei era saber se ela beneficiava os mais pobres de entre os pobres.

Porque é que ao ouvir Passos Coelho estou novamente a ouvir velhas, velhas e podres mentalidades? E fico com a sensação que, mais uma vez e sem surpresa, o alvo são sempre os mais fracos e desprotegidos - aliás, Passos Coelho não fala de outros para limitar as despesas do Estado. Porque não se ouve uma medida que limite o poder dos mais fortes sobre os mais fracos, ou que dê mais defesas a quem está mais desprotegido e mais pobre.

O jovem Passos Coelho, e com ele a maior parte dos jovens deste país, não passam todos de uns velhos disfarçados. Que miséria!...

terça-feira, julho 20, 2010

Sobre o mal - Obama


Disse Obama (antes de ser eleito):

Evil does exist. I think we see evil all the time. We see evil in Darfur. We see evil, sadly, on the streets of our cities. We see evil in parents who viciously abuse their children.

Eu não sei se é verdade que o mal exista. Que ele surge à nossa frente, sob muitas formas diferentes, disso não tenho dúvida nenhuma. A minha experiência directa com o mal é antiga e prolongou-se até ao ano passado. Eu, na escola, estive face a face com o mal por várias vezes, tanto da parte de alunos (chegando a incluir agressões, por vezes quase mortais, a alunos mais fracos) como de pais (incluindo até ameaças de morte aos filhos).

And it has to be confronted. It has to be confronted squarely.

Eu tento, mas devo confessar que não consigo... quer dizer, ainda não consigo lá muito bem. Há na violência dos outros algo que, se eu estiver sozinho (isto é, se eu não tiver o apoio da lei e da instituição atrás de mim, como acontece na escola), me paralisa e me faz sofrer profundamente: já experimentei reagir com meios não violentos (foram os que me deram mais força para continuar a resistir); já experimentei reagir com ameaças de violência (tenho de admitir a contragosto e tristemente que foram as mais eficazes); já experimentei ignorar (é a pior de todas as hipóteses).
Hoje em dia reconheço que não consigo vencer a violência dos outros sem usar de violência pessoal. Porém, esta é-me estruturalmente quase uma impossibilidade...

One of the things that I strongly believe is that we are not going to, as individuals, be able to erase evil from the world. That is God’s task. But we can be soldiers in that process, and we can confront it when we see it. The one thing that is very important is for us to have some humility in how we approach the issue of confronting evil, because a lot of evil has been perpetrated based on the claim that we were trying to confront evil.

Sim, soldados, simples soldados no campo de batalha, completamente sós perante si próprios, sem vitórias mesmo quando "vencedores". Com a humildade de que Obama fala. A mais não consigo aspirar.

quinta-feira, julho 15, 2010

O que sabemos dos outros


Aos 13 anos de idade, Ben Saunders recebeu o seguinte relatório escolar: "Ben lacks sufficient impetus to achieve anything worthwhile."

13 anos depois ele era o 4º indivíduo no mundo a esquiar sozinho, sem qualquer ajuda exterior, até atingir o Pólo Norte; e o mais novo deles todos (em 10 anos).

Actualmente, além das suas actividades desportivas, ele é Embaixador do The Prince's Trust e do Global Angels, bem como Vice-Presidente Honorário da Geographical Association, etc, etc.


A questão aqui é que fazemos julgamentos às vezes com demasiada facilidade, o que podemos considerar normal e necessário para a nossa sobrevivência no dia a dia. O problema é que caímos logo a seguir na condenação, e isto já não é tão realista e pode conduzir a erros cómicos como o acima referido.

Porque nós podemos constatar a realização de uma acção por outra pessoa com alguma fiabilidade. Mas quando fazemos apreciações sobre o seu íntimo realmente não sabemos do que estamos a falar e há toda a probabilidade de estarmos a dizer uma asneira.

quarta-feira, julho 14, 2010

Let´s start again

I like the way the Anglo Saxons say: "Let's start again." In Fance, they go into denial. It is so unexciting, the same systems, the same people from the beginning to the end. (Arki Busson)

Até 31 de Setembro posso dizer que volto à escola para, no ano lectivo de 2011/2012, recomeçar a dar aulas.

Mas estou cada vez mais e mais longe disso: depois de sair pelo meu próprio pé, voltar a ser tratado com total desconsideração pelo governo, receber dele ordens estúpidas e criminosas, ter de desobedecer para, após o inevitável processo disciplinar, ser posto na rua? Não.

Viver em liberdade, ser criador e dono dos meus próprios caminhos, enfim, começar uma nova vida - este, sim, é o meu programa para os próximos anos.

segunda-feira, julho 12, 2010

Ser melhor

Houve um tempo em que se pensou que a ausência de frustração e a recusa de impor interditos à educação dos mais novos seriam os grandes meios para educar em liberdade. Não é verdade. Ao fazê-lo recusámos a possibilidade de os mais jovens crescerem afirmando a sua identidade, face à imperfeição que os constrangia. Em vez disso, demos-lhes (continuamos a dar) o vazio, apenas preenchido por milhões de palavras e de imagens que nada significam pois não representam substância nenhuma.

Acredito que, em face disto, a nossa cultura está a estagnar e a diluir-se nesse enorme vazio em que mergulhámos os jovens. Eu sei que parece que há uma grande actividade cultural, mas são fogos fátuos, porque nada do que é dito, escrito ou feito parece ter consequências ou perdurar no tempo ou no espaço. Nem pode ter porque toda a actividade cultural que pretenda manter viva a cultura terá de se realizar pela subversão, pelo questionamento. E estes conseguem-se, não pela destruição do que existe, não (apenas) pela construção da diferença, mas sim pela invenção e pela criação do melhor.

Penso, portanto, que tem de de se tentar conseguir melhor, de se tentar ser melhor, porque só assim a cultura evolui e se fortalece. A educação de hoje não apela, não espera, não exige o melhor: não admira assim que a cópia esteja a espalhar-se por todos os sectores da sociedade, desde o mais obscuro aluno de uma qualquer escola até ao mais reputado comentador com coluna de opinião num qualquer meio de comunicação social. Queremos ser como os outros, ou, mais raramente, queremos ser o contrário dos outros, o que vem a dar no mesmo. Seja o que for, queremos é todos parecer, não desejamos ser o que nós somos realmente. Nem desejamos saber como podemos aí ser únicos, portanto, os melhores. E, se estiver na nossa mão, não deixamos que alguém queira isso. Tornámo-nos, por consequência, inférteis: onde estão os grandes pensadores, os grandes criadores de ideias fecundas de futuro? Existirão algures? Ou foram eliminados, dissolvidos por esta educação asfixiante e estéril?

Hoje, ao contrário do que querem fazer crer às crianças e jovens, é bem mais difícil criar o nosso próprio lugar de crescimento para atingirmos o melhor de nós próprios (mas é mais fácil do que em épocas passadas). Está-se só nesse esforço. À nossa volta tudo nos empurra para a miséria e para a mediocridade (não admira que continuemos a ter um quinto da população na pobreza). A verdade é que não vale a pena voltarmo-nos para o mundo, para a sociedade a pedir ajuda: ela nunca chegará.

Em suma, só connosco próprios podemos contar para criar esse lugar onde possamos conquistar a excelência do nosso ser.
E conseguir alguma coisa de valor, para nós e para a nossa sociedade.

domingo, julho 04, 2010

Desconhecido Nesta Morada, de Kathrine Kressmann Taylor

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé.


Dois amigos alemães, a viver nos EUA, um judeu e o outro não. Este volta à Alemanha em 1932 com a família. Torna-se nazi. Por omissão comete um crime contra um familiar do seu amigo judeu. Segue-se uma vingança terrível.

Um livro curto e simples. Escrito sob a forma de cartas trocadas entre os dois. A autora pretendia denunciar o nazismo, isto em 1938 e perante uma América indiferente ao que se passava na Europa.

O livro permite múltiplas leituras. Mas todas tristes. O ser humano é capaz de todas as traições: em relação a si próprio, aos amigos, ao amor, whatever.

Leio estes livros à procura de uma explicação que me faça "ver" como podem pessoas normais, inteligentes e cultas aderir a estas ondas de ódio apadrinhadas e estimuladas por alguns governos.