quinta-feira, dezembro 31, 2009

2010

Júpiter: "(...) O doloroso segredo dos deuses e dos reis: é que os homens são livres. São livres, Egisto. Tu sabe-lo; eles é que não."

Egisto: "É verdade; se o soubessem deitariam fogo ao meu palácio. Há quinze anos que represento esta comédia para lhes esconder o seu próprio poder."

Sartre, Jean-Paul, As Moscas, Ed. Presença, 1965, p.124.


Há que dizer sempre, em todas as situações: eu não tenho de fazer isto, sou livre!

Eis os meus votos para 2010.

quarta-feira, dezembro 30, 2009

Um dia de saia

Ontem, no cineclube de Olhão, La journée de la jupe, de Jean-Paul Lilienfeld.



Uma professora de francês vê-se, numa aula com alunos muçulmanos, com uma arma nas mãos. Dá a sua aula e, entretanto, vai descobrindo os horrores por que passam os alunos mais fracos (e que os professores nas escolas reais procuram ignorar no seu dia a dia, porque sabem que nada podem fazer).

O filme exagera? Não, em absoluto não. Uma das pessoas com quem fui ver o filme dizia no fim: "Felizmente que aqui em Portugal as coisas ainda não chegaram a este ponto!" Fitei-a com incredulidade. Tirando a componente religiosa que, aqui em Portugal, de facto, não tem grande peso, a verdade é que reencontro tudo o que já vivi em escolas portuguesas (excepto a arma de fogo, porque armas brancas já há muitos anos que elas entram na escola portuguesa).

E ainda há três coisas que eu senti falta no filme: o aluno delinquente de sorriso na boca e olhar frio (tive-o no ano passado); o envio de alunos, agredidos por colegas, para o hospital; e a sodomização de alunos (o filme refere a violação de uma aluna).

A professora é perturbada emocionalmente, como a crítica quis fazer passar? Só no sentido em que qualquer pessoa fica perturbada emocionalmente quando é acossada como ela o foi. Só no sentido em que ela não se deixa paralisar pelo medo e confronta os alunos com a sua violência (deles).

Um aparte: não vou entrar naquele discurso de tantos professores, e que aparecem retratados no filme, de comigo nunca tive problemas, eu, eu até consigo resolver tudo a bem. Vou ser claro: não consigo resolver nada; e, face à extrema violência verbal e física dos alunos, face à minha completa vulnerabilidade e ausência de autoridade (que foi retirada aos professores) eu paraliso de medo e fico incapaz de reagir.

O director diz no filme que o papel dos professores é serem baby-sitters, o que é falso. O papel não oficial dos professores é servirem de almofada para toda a violência adolescente e mantê-la confinada dentro das escolas. Ensinar não é de todo o mais importante (por isso é que a formação dos professores nunca incide sobre os conteúdos).

O filme tocou-me principalmente porque retrata a total impossibilidade de a escola proteger os alunos mais fracos dos delinquentes. Uma das vítimas do filme quer ficar sequestrada para sempre, porque só assim sabe que fica segura; outra das vítimas pretende fugir para a Austrália com a família e acaba, aliás, por matar porque sabe que é a única maneira de proteger a irmã que foi ameaçada.

Estou a ver as coisas de uma forma primária? Estou. E estou porque gente iluminada achou que se educa crianças e jovens sem eles nunca terem de sentir as consequências do que fazem de errado. Com a originalidade portuguesa de só se poderem dar castigos se o castigado concordar - se não concordar, só resta o castigo da suspensão que não é castigo nenhum porque as faltas ficam todas justificadas, o aluno não chumba, nem pode sequer ser avaliado pela matéria a que ele não esteve a assistir: em suma, ensina-se na escola portuguesa que o crime compensa sempre. Sempre.

Post-Scriptum: Mais uma vez, e tipicamente, é a pessoa que tem uma reacção saudável e normal face a uma situação, que é ou devia ser inaceitável e intolerável, que é vista como uma doente, como uma perturbada (outro nome para "louca").

terça-feira, dezembro 29, 2009

Ida ao cinema em Faro

Um BMW enorme, com um casal de velhos lá dentro, mete-se no lugar que esperávamos que vagasse para estacionarmos o nosso carro. Na fila para a compra dos bilhetes, umas jovens, atrás de nós, iam entremeando as suas falas com diversos "f...-se's" e "c...lho's". Quando nos dirigíamos para os nossos lugares, o jovem atrás de mim tinha as botas (em dia de chuva intensa) apoiadas no alto do encosto da minha cadeira... com os pais ao lado.
Ontem. Exactamente assim.

Cada vez vejo menos possibilidades de comunicação com o mundo, tal como ele está a ser construído.

quarta-feira, dezembro 23, 2009

Feliz Natal

O que está dentro do que digo quando digo "Feliz Natal"?

Trata-se de um desejo; ou, talvez, de um pequeno conjunto de desejos.
Pequeno, porque sei que não é preciso muito para uma pessoa ficar feliz: um pouco de alimento e de sol, de amor, um livro, uma paisagem, e pouco mais...

Sim, é isto tudo, no fundo, meus amigos, aquilo que vos desejo para este Natal.


Boas Festas para todos!

terça-feira, dezembro 22, 2009

Balanço

Gosto do mar, da terra, do grande espaço azul do céu. Da Ria, da praia. Das árvores, dos campos, do cheiro, um cheiro forte e profundo exclusivo do Algarve.

E amo. Amo muito. E sou amado, muito bem amado.

Trabalho sem parar. Mas não recebo ordens de ninguém: quando querem alguma coisa, pedem-me. É bom. Como também é bom recuperar a dignidade no trabalho que realizo (ah, tudo o que deixei de ser obrigado a fazer e que ia contra a minha ética pessoal e profissional!) E na forma como os alunos recebem o que eu tenho para ensinar.

Tudo isto é gratuito? Não. Posso dizer que agora sou pobre. Não de sol nem de coração, claro. Mas pobre monetariamente. É o preço; e um preço justo, acrescento.

É este o balanço que faço. Um balanço feliz, sem dúvida.

terça-feira, outubro 06, 2009

1º Salário

Apesar do pouco tempo disponível que tenho, hoje tenho de vir aqui dar notícias da liberdade.
Hoje recebi o meu primeiro salário em liberdade. Hoje recebi a paga pelo trabalho que fiz.
Sem ter sido insultado, sem ter sido desprezado, sem ter sido humilhado.
E sem ter sido das mãos de miseráveis sem escrúpulos e sem vergonha.
Não é muito dinheiro. Mas é infinitamente mais saboroso e digno do que aquele que tenho recebido nos últimos anos.
Para mim é muito importante, claro, a quantidade que recebo. Mas é-me muito, muito mais importante a qualidade dos indivíduos de quem eu o recebo, bem como tudo a que tenho de me sujeitar a fazer e a suportar para o receber.
Cheguei à conclusão que o dinheiro não paga tudo, isto é, não compensa a perda da dignidade nem a da integridade. E sinto-me grato por ter conseguido assumir a minha liberdade e ter recuperado ambas. Com sacrifício. Mas está a valer a pena.

domingo, setembro 27, 2009

Um futuro negro

Confesso-me terrivelmente assustado.

O ladrão de deficientes e dos doentes que são obrigados a ir para o hospital;
para oferecer dinheiro e outras benesses aos bancos;
que fez da inveja, não da ambição, um valor;
que normalizou a mentira, a ponto de ela ser indistinguível da verdade;
que perseguiu os jornalistas que não pôde comprar,
que premiou a incompetência e a desonestidade,
que, enfim, tanto empobreceu Portugal, não só material mas também, e acima de tudo, animicamente...

... ganha as eleições?

Repito para mim vezes sem conta: já não sou professor!, já não me podem tratar como lixo!, já não sou professor!, já não sou professor e estou muito mais livre dele(s). Mas nada disto consegue afastar as sombras negras que inundam o meu espírito.

E se, aos 51 anos de idade, consegui mudar de vida, de trabalho e de cidade, também conseguirei, se isto ficar insuportável, mudar para fora deste país, cada vez mais miserável e de miseráveis!

domingo, setembro 20, 2009

Cidadania



Ontem, no Pátio das Letras em Faro, estive num encontro com a participação de Manuel Vilaverde Cabral e Luísa Schmidt, para a apresentação do livro Cidade & Cidadania.



Ao falar-se de mobilização e participação cívicas, muito maior nas cidades e maior entre a população jovem e feminina, falou-se inevitavelmente da luta dos professores (cuja esmagadora maioria é constituída realmente por mulheres).

Foi dito que os professores tinham ganho essa luta, já que o PS tinha perdido as eleições europeias e já que tinham sido introduzidas alterações ao sistema de avaliação.

Esclareçamos dois pontos:

Primeiro: os professores limitaram-se a uma vitória política parcial. Mas isso só se sabe agora.
Porque, durante quase quatro anos, e apesar da persistência da luta, politicamente, foram somando derrotas atrás de derrotas.
Quando o PS perder as eleições legislativas (e esperemos que as perca já), então os professores poderão falar de uma vitória política. Que só será plena se o novo governo desfizer o desastre em que está hoje mergulhada a escola pública.
De qualquer modo, a nível pessoal, ou profissional, ou de luta por um ideal de escola, a derrota dos professores é praticamente total; e temo que duradoura por muitos e largos anos, tal a profundidade do mal que lhes foi infligido.

Segundo: os professores lutam contra o sistema de avaliação que este governo quer impor, mas porque ele promove a destruição de uma escola pública de qualidade, promotora do sucesso cognitivo, social e emocional dos alunos. Portanto, simplificar o sistema sem o mudar, para os professores isso é o mesmo que nada, não se trata de vitória nenhuma, mas apenas da continuação da derrota por outros meios. É que não é mesmo contra a avaliação que os professores lutam, ao contrário da ideia que o poder quer fazer passar para a opinião pública.

sexta-feira, setembro 18, 2009

O poder dos economistas

As ideias dos economistas influenciam cada vez mais as decisões políticas, cujos efeitos temos depois de suportar e amargar.
Tento entender o porquê deste poder.
Numa sociedade pobre como a nossa, se o meu principal problema é o dinheiro (isto é, a falta dele), então é natural que oiça e dê mais atenção a quem me fala desta minha preocupação. E, assim, os economistas são ouvidos. As suas ideias (certas ou erradas, a maior parte das vezes erradas - não por eles serem particularmente maus, mas apenas porque as suas ideias só são certas em condições ideais e absolutamente irreais) transformam-se em palavras e estas, mais tarde ou mais cedo, em acções.
A verdade é que eles pensam muito em termos de lucro. Ora o lucro, seja qual for o contexto em que se insere, é sempre o lucro de alguns, nunca de todos. É esse o quadro mental em que eles, na sua maioria, se movem. Então se têm esta limitação, porquê dar-lhes o poder de influenciar toda uma sociedade?
Ainda por cima, como na sua maioria são velhos (como eu) é provável que ou estejam subordinados a ideias de economistas já defuntos ou aderiram às mais recentes e selvagens (e, portanto, nunca testadas) para não serem rotulados de atrasados.
Não entendo mesmo o seu poder no dia a dia da política.

domingo, setembro 06, 2009

Os 50

Ontem estive numa festa de aniversário de uma amiga que fazia 50 anos.
Muitas vezes fala-se dos 50 em referência a uma juventude, se não perdida, pelo menos melancolicamente distante. Há de certa forma um tom de quem sente ter uma boa parte da sua alma agarrada a esses anos de juventude cada vez mais mais perdidos.
Claro que, genericamente, sinto o mesmo.
Mas não devia sentir.

Lembro-me de ler, com 14, 15 anos os livros de Ray Bradbury na Colecção Argonauta da minha tia. E de ficar deslumbrado... como aliás ainda hoje fico, quando os releio.
Na altura rendi-me completamente à sabedoria e à simplicidade reveladas por Ray Bradbury e quis desesperadamente vir um dia a ser assim como ele, a ter também essa sabedoria. Soube que ele tinha na altura 50 anos e, então, durante muitos anos, desejei imenso chegar a essa idade.
Já cheguei.

E obtive essa sabedoria? Acho que uma boa parte dela, sim. Talvez não tenha conseguido manter toda a inocência que, em Ray Bradbury, se lhe encontrava sempre associada. Talvez.
Mas adquiri a sabedoria suficiente para não ter qualquer nostalgia do meu passado. Para ultrapassar o sofrimento dos anos anteriores com a alegria das realizações actuais, bem como dos novos desafios que eu tenho vindo a criar para a minha vida. Para achar que pelas pessoas, pelo mundo e pela liberdade vale bem a pena estar vivo e cada vez mais sábio.

No fundo, estou muito onde sonhei uma vida inteira estar.

terça-feira, setembro 01, 2009

O 1º Dia

O fervor é pensar que, apesar de perdido, o paraíso continua a ser ainda aquilo de que nos lembramos, aquilo que permite que saiamos desta terra, onde aparecemos, sem ter o sentimento, ou a convicção, de que estivemos no inferno.

(Eduardo Lourenço, cit. in JL, nº 1013, p33)

Hoje, aqui, a paragem é obrigatória.
Porque hoje é o primeiro dia verdadeiramente da minha liberdade.

Hoje entrei na situação de licença sem vencimento de longa duração. Acabou-se tudo aquilo que, parafraseando Eduardo Lourenço, me dava o sentimento e a convicção de estar a viver num inferno.

Ao contrário dos últimos anos, entro por Setembro feliz, sem angústia e sem medo.

Inscrito no mestrado. Com emprego num centro de explicações, a fazer o que sei e que gosto realmente de fazer: ensinar.

Bastante mais livre do poder abusador de um governo maldoso e estúpido.

E mesmo que tenha de comer lentilhas, como Diógenes… abençoadas lentilhas!

O fervor é também tudo isto.

sexta-feira, agosto 28, 2009

Um imenso pesar ... e duas histórias!

Sempre que oiço professores a falar, o tema é recorrente: as humilhações que lhes foram infligidas ao longo destes últimos anos. E não falo das que foram infligidas à classe na sua totalidade, não, falo daquelas de que cada um foi vítima individualmente.
E sinto pena, uma pena imensa destas pessoas esforçadas, mulheres na sua maioria, generosas e lutadoras, não só na escola mas também nas suas casas. Pena pelo seu sofrimento moral e pela sua incapacidade de transformar esse sofrimento numa acção libertadora, mergulhando antes cada uma, a pouco e pouco, num mar de amargura sem esperança nem luz.

A propósito deste assunto, ocorrem-me duas histórias. Duas histórias que representam os dois lados duma mesma moeda, da situação destes(as) professores(as).
Eis a primeira:

O filósofo Aristipo cruzou-se um dia com Diógenes, que estava a comer um prato de lentilhas, e disse-lhe:
- Ai, Diógenes, se aprendesses a ser mais submisso ao imperador não terias de comer essas lentilhas!
Diógenes parou, fitou o seu abastado interlocutor, e respondeu-lhe:
- Ai de ti, Aristipo! Se aprendesses a comer lentilhas tu já não terias nunca mais de ser submisso ao imperador.

O imperador, hoje em dia, toma muitos nomes e muitas formas: ministros, direcções, inspectores... e, talvez, o mais terrível de todos, pela sua anónima implacabilidade: os bancos e as dívidas com que eles escravizam os incautos.

Mas vamos ao outro lado da moeda. Eis a 2ª história:

Uma vez, um profeta chegou a uma cidade e tentou converter os seus habitantes. No princípio, tinha muita gente a ouvi-lo mas, a pouco e pouco, foram-no deixando sozinho a falar. Um dia, alguém lhe perguntou:
- Porque continuas a pregar? Não te dás conta de que já ninguém te ouve?
Ao que o profeta lentamente respondeu:
- No princípio eu pregava na esperança de convencer as pessoas a mudar de vida. Agora, se continuo a pregar, faço-o, mas para que as pessoas não me obriguem a mim a mudar de vida...

Portanto, por outro lado, aquelas mesmas pessoas que eu lamento, elas no fundo também acabam por ser verdadeiramente dignas de admiração por não se deixarem afastar pelos que têm usado o poder para fins funestos...
Assim seja, desde que elas nunca baixem os braços, desde que nunca desistam de lutar!

quinta-feira, agosto 27, 2009

Ensinar...

Revi o filme "A Sombra de um Homem", cujo título original é "The Browning Version", de Anthony Asquith.

É, de longe, o meu filme preferido sobre ser-se professor.

Michael Redgrave desempenha magistralmente o papel de um professor a quem a usura dos anos quase derrotou os sonhos da juventude: o sonho de ser um professor excelente e o de conseguir transmitir a sua paixão pela cultura clássica e, em particular, pela peça Agamémnon de Ésquilo (de que ele próprio fez uma tradução incompleta).

O filme é de uma beleza e de uma inteligência inultrapassáveis, que quase nos mantêm sufocados todo o tempo, a nós que amamos realmente a tarefa e a missão de ensinar.

E este filme fez-me voltar à questão de qual é a minha verdadeira vocação. Questão que, a bem dizer, não se põe: a minha vocação tem sido ao longo dos anos e ainda é a de ensinar, sem dúvida alguma.

De tal tenho sido impedido nos últimos anos (de ensinar, note-se, apesar de eu bem ter tentado); além de que amo demasiado esta missão para deixar que me obriguem a participar no seu abastardamento: por isso, o meu futuro não vai passar de certeza pela escola pública, isso para mim está já fora de questão (só devido a um absoluto desespero é que eu lá voltarei, ou a um mais que improvável volte-face do que lá se está a passar).

Mas ainda não desisti completamente do sonho de... ensinar Matemática!

terça-feira, agosto 04, 2009

Que futuro?

Respondi a um anúncio da Escola Internacional de Vilamoura. Não obtive resposta... ainda? Mas não estou preocupado (embora ache que a escola deveria enviar um mail de resposta aos professores não aceites, espero que faça isso).

Confesso que a ideia do trabalho de professor por enquanto me causa um certo desgosto. Está a ser difícil esquecer-me:
a) do rancor enviesado das pessoas aos professores,
b) dos alunos malcriados e violentos (porque ia todos os dias para a escola com medo do que me pudesse acontecer, a mim e aos meus colegas), e
c) do desprezo com que o governo nos tratava a todos nós professores.
Não sei se isto é estar traumatizado, mas que anda lá perto, anda.

Daí que esteja a encarar com verdadeiro entusiasmo é mesmo uma mudança de carreira. Para isso inscrevi-me, e fui admitido, a um Mestrado em Energias Renováveis. É por aqui que eu vou investir todos os meus esforços.

E do mundo da educação, talvez apenas as explicações, numa relação pessoal com aluno a aluno, em que posso finalmente fazer aquilo que eu sei fazer bem e que gosto de fazer: ensinar.

Embora, se mudar de carreira, fique com pena de deixar a Educação. Primeiro, porque com o espírito de serviço público que é ainda o meu, me suscita horror os milhares de euros que o Estado investiu em mim e na minha formação e que vão assim ser deitados à rua. Depois, porque a minha vocação e o meu talento para esta área, capazes de beneficiar tanto o meu país, vai deixar de ser posta a uso. De certa maneira, é triste.

A área para onde pretendo redireccionar a minha vida profissional, energias renováveis, também beneficia o país. Mas agora, a minha preocupação já não é simplesmente o que é melhor para os alunos e para os pais. Não, agora, vai passar a incidir muito no que é que é melhor para mim... Claro, sem nunca deixar de fazer o meu trabalho com toda a competência necessária. Mas é diferente...

domingo, julho 26, 2009

De partida

Uma acção de formação, a arrumação e o empacotamento das minhas coisas, bem como o encerramento das últimas "contas" que tenho na escola e aqui em Lisboa, têm como consequência a falta de disponibilidade para vir aqui.

Mas hoje (que vou ficar sem o computador que vai para o "estaleiro") não posso deixar de dar testemunho da minha partida depois de amanhã, 3ª feira.

É uma vida de 25 anos de ensino que deixo para trás. Há limites para o que nos fazem e para o que nos obrigam a fazer! Mas sobre isto já escrevi muito. Não vou olhar para trás.

Importa agora é a vida nova que me espera, a vida que eu escolhi, a vida que eu vou construir.

Mas não sozinho. Vou viver com uma pessoa maravilhosa, acabando finalmente com uma solidão de 50 anos (há sonhos que se realizam mesmo!).

Volto à Universidade como aluno para consolidar a reorientação que pretendo dar à minha vida.

E vou estar aberto a todas as oportunidades que me surjam de viver coisas boas, de aprender com tudo o que me aconteça e de me envolver em novos e entusiasmantes desafios!

Assim será!

O que os bons professores podem fazer

Escrevi isto hoje n'A Educação do Meu Umbigo, a propósito de uma entrevista da ministra:

Eu sou um bom professor – as notas mais altas obtidas por alunos da minha escola nos exames foram de alunos meus.
Recusei esta avaliação – não entreguei os objectivos individuais, não fui a acções para avaliadores, não fui avaliador e não entreguei a ficha de auto-avaliação.
Não tenho medo de avaliação nenhuma. Simplesmente acho este sistema profundamente lesivo para o ensino relativamente ao ideal de escola pública que tenho.
Sei que o governo não tem razão porque, se a tivesse, não precisaria de mentir como o faz.
Os bons professores são bons em qualquer outro trabalho. Acredito nisto e, por isso, com 51 anos e 24 de ensino, vou-me embora (sem reforma).
Sim, porque há e tem de haver um limite para o que nos fazem e para o que nos obrigam a fazer.

Esclarecimento: As notas referem-se à disciplina de Matemática que leccionei durante muitos anos.

quinta-feira, julho 09, 2009

O despacho

"(...) que a Senhora Subdirectora-Geral, por despacho exarado em 22/06/2009, autorizou a licença sem vencimento de longa duração ao docente Rui M... (...)”


Chegou-me ontem às mãos! Desde 23 de Março que estou à espera, mas chegou!

Lanço os últimos olhares para trás. E que deixo?
Acima de tudo, muitas, muitas humilhações com origem neste governo PS.
Humilhações e também medo de alguns alunos, da sua violência, da sua cobardia, da sua ininteligibilidade.
Amigos, professores e funcionários.
Muitos alunos, excelentes pessoas, alguns maravilhosos comigo, verdadeiros companheiros no trabalho e na aprendizagem; e uns autênticos heróis por não se deixarem arrastar pelos outros!
Um trabalho (professor de Educação Tecnológica) absolutamente nada entusiasmante.

Olho agora para a frente e que vejo?
O início de uma vida com alguém que amo e que partilha comigo os mesmos gostos, necessidades e valores. O primeiro dos quais (ambos estamos de acordo) será / tem sido o cuidar do outro, de nós, da relação.
Depois, a esperança de poder fazer o que realmente gosto e melhor sei: ensinar matemática. Mas também, se tiver de ser, com uma atitude muito positiva sobre aceitar quaisquer novos desafios profissionais que surjam.

O futuro é uma incógnita, está completamente em aberto para eu o construir.

Sou livre.

quinta-feira, julho 02, 2009

Valores

(...) Eu dei um modesto contributo para a comédia, divulgando no ProfAvaliação uma mão cheia de fichas de auto-avaliação preenchidas. Em troca, recebi emails de agradecimento com este teor:"Ramiro! Obrigado pela dica. Isto é que foi fazer copy and paste! Sabes uma coisa? Demorei menos tempo a preencher a FAA do que a escrever o Relatório Crítico"." Na minha escola, optámos por entregar fichas de auto-avaliação praticamente iguais. Foi cá um copianço!" (...)

(In "De comédia a farsa. (...)", Ramiro Marques)

Se os actores da farsa são os outros, a mim não me causa particular problema.
Como são os professores, fico triste: já nem precisamos que nos rebaixem, nós fazêmo-lo sozinhos.
Não entreguei os o.i., não entreguei a ficha de auto-avaliação.
E nem entreguei qualquer justificação. Para mim isso seria ainda admitir que o Governo e o ME podiam ter razão. Não têm e eu desprezo-os.

terça-feira, junho 09, 2009

A derrota de Sócrates

Tive uma infância cinzenta e chuvosa (nasci em 1958). Da sua maior parte, não me recordo nada. Mas lembro-me de me sentir estranho a tudo e como se estivesse sempre à beira do desastre. Ainda hoje. Só que hoje consigo distrair-me mais, consigo disfarçar melhor. Lembrar-me da minha infância é sentir-me sufocado.

Serve esta introdução para dizer que, quando penso em política no Portugal de Sócrates, em formas de intervir na sociedade, sou tomado por uma sensação de irremediável impotência, ou seja, de impossibilidade de mudar o que quer que seja que o poder não deseja ver mudado. Tal como na infância.

É certo que esta sensação de sufoco começou a ser criada no tempo de Barroso quando, depois da gigantesca manifestação contra a invasão do Iraque, ele seguiu em frente sem ligar nenhuma, levando atrás de si a generalidade dos meios de comunicação. E com os resultados que se sabem (milhares e milhares de vidas destruídas).

Mas Sócrates levou esta forma totalitária de fazer política a extremos inimagináveis (enfim, inimagináveis para aqueles que desconhecem o salazarismo e o nazismo): ele impôs um torno férreo a toda a livre iniciativa das pessoas que desejam dar seguimento aos seus ideais em colaboração com todas as pessoas da sociedade.

Cada vez mais as pessoas desistem da contestação e da participação cívica, sabem que ela ínútil e que funciona como se pura e simplesmente não existisse. Acredito que é assim que a juventude desistiu da luta por uma sociedade mais justa. Aliás, não desistiu: desapareceu!

Qundo penso na derrota de Sócrates, o que aspiro é a uma sociedade enfim liberta e capaz de respirar outra vez o ar puro da liberdade de movimentos, uma sociedade que se emancipa de uma infância imposta e opressiva. Que acredita na sua capacidade de se renovar com o consenso o mais alargado e responsável possíveis. Assim seja!

terça-feira, maio 26, 2009

Não desisto

É claro que persistir no mesmo tipo de contestação (manifestações) ou optar por versões apagadas (greve só ao 1º bloco), só pode trazer desânimo, que é o que o Governo quer e os sindicatos tudo têm feito para conseguir.

Mas, por outro lado, lá diz o povo: "Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura"!

Isto anima-me a não baixar os braços: hoje fui um dos 2 que na minha escola fizeram greve

(escola com vários sindicalistas de peso, mas em que não apareceu um único aviso ou cartaz da greve);

e no dia 30 serei um dos que sejam quantos forem vão à manifestação.


"Se não há caminhos, há que caminhar" (S. João da Cruz)

segunda-feira, maio 25, 2009

Índice de Democracia

Em 2007, The Economist publicou os resultados da sua investigação sobre o estado da democracia relativo a 2006 em 167 países do mundo: Portugal ocupou o 19º lugar.

Em 2008, segundo The Economist, Portugal passou a ocupar o 25º lugar.

Os professores, entre outros (muito poucos) combateram a tentativa de sufoco. Registe-se.

Nostalgia

Estou a ler Aprendizagem Cooperativa e Inclusão (edição do autor, Lisboa, 2006), um livro de Francisco Alberto Ramos Leitão.

Recordo-me de como trabalhei e pugnei por uma escola que desse uma resposta emancipatória a todos os aunos que a frequentassem. Apercebo-me bem de quão larga e profunda é a destruição deste tipo de escola promovida pelo Governo, em virtude do desprezo total e profundo que sente pelas pessoas das crianças e dos jovens e, consequentemente, pelo seu desenvolvimento pessoal e social.

Por outro lado, ao defraudar as expectativas dos professores, ao roubá-los, ao desprezar o seu saber e a sua experiência, ao esgotá-los com trabalho embrutecedor, o Governo tem vindo a acabar com o clima de uma Escola Pública verdadeiramente Inclusiva.

A acrescentar a tudo isto, o sistema de avaliação que quer impor, que promove a competição mais rasteira, vai enfim acabar de vez com a Escola Pública para todos. A Escola de sucesso constrói-se com uma Educação de qualidade só conseguida com a cooperação entre os educadores, nunca com a competição entre eles (como quase todos os países europeus já descobriram).

Voltando ao livro de Francisco Leitão: aqui se apresentam, se explicam e se justificam os dados da investigação que apontam para a maximização do sucesso através do trabalho cooperativo, quer entre alunos, quer entre professores. Também se descreve como se consegue promover na prática um clima de cooperação entre todos (inclusivamente, num dos anexos, propõe-se uma forma de trabalhar com os alunos a gestão de conflitos, um saber essencial para que o trabalho cooperativo se traduza num máximo de boas aprendizagens).

Leio e estou a ouvir uma voz quente, amiga e sempre lúcida, a tentar fazer-nos acreditar que as nuvens negras desta época sombria não irão afogar as crianças e os jovens de hoje num mar de mediocridade auto-complacente e suicidária.

sexta-feira, maio 15, 2009

Formação contínua

Porque é que sou obrigado a frequentar acções de formação que não preciso e em que, ainda por cima, tenho de pagar?

Porque é que a formação que realmente me faz falta para eu poder melhorar científica e tecnicamente, dada por entidades idóneas, é aceite e reconhecida pelos meus colegas e superiores hierárquicos, mas não é reconhecida pelo Governo e, portanto, não me serve para nada em termos de carreira?

Eu sei a resposta: porque a gatunagem que decide estas coisas, não satisfeita em já me ter roubado milhares de euros, é uma mafia que continua a querer sugar-me até onde puder.

Ou até onde eu a deixar.

sábado, maio 09, 2009

Amantes feios

(...) «O que é que Léo achou de mim? Achou-me ao seu gosto. A minha explicação para isso é que também ele era malfeito. Tinha tido varíola em pequeno e ficara com as marcas. Era nitidamente mais feio que um anamita normal, mas vestia-se com muito gosto.»

Tanto pior que fosse malfeito. Tanto pior para as costureirinhas e para os corações sensíveis (a cujo grupo eu pertencia) que fantasiaram a propósito da beleza sensual do amante, a sua pele de seda, as suas mãos experientes, o seu corpo perfeito. O amante é feio e malfeito. (...)

(Adler, Laure, Marguerite Duras - Uma biografia, Quetzal Editores, 1999)

Ora, farto estou eu de histórias em que os protagonistas são sempre fisicamente atraentes (ou que ficam como tal depois de um adequado período de “patinho feio”)!
Desejo mesmo um livro ou um filme em que as personagens vivam um amor arrebatado e deslumbrante, mas que sejam feias e malfeitas, realmente feias sem qualquer apelo (porque, por exemplo, há as que, sendo feias, são, no entanto, encantadoras).
Ou em que pelo menos uma delas fosse mesmo feia.
E isso não fosse sinónimo de malvadez, ou de qualquer forma menos boa de carácter.
Personagens secundárias já vão surgindo assim, embora aparecendo sempre menores e mais ou menos patéticas.
Como seria, então? Como pegaria o(a) autor(a) no assunto nestas condições? Que emoções faria ele despertar em mim (excluindo naturalmente as da piedade e as suas variações)?

quarta-feira, maio 06, 2009

O voo dos moscardos

Recebi hoje o suplemento do Escola Informação do SPGL sobre as suas eleições internas.
Vejo entre os elementos das listas indivíduos(as) que, para além de entregaram os objectivos individuais, até se movimentaram no sentido de sabotar posições de não entrega por parte dos restantes professores.
Espanta-me que estes (e outros de outros sindicatos que também fizeram o mesmo) não tenham vergonha.
Tenho eu.
Por eles.
Por nós.

terça-feira, maio 05, 2009

Conversar

My trips are always packed with a lot of business meetings.

That’s why when I’m flying I like to unwind. One good way to relax is to strike up a conversation with seatmates. I don’t like to talk the entire flight, but sometimes casual conversations allow me to meet, for a brief while, people who are truly making a difference in the world.

Admiro as pessoas que sabem iniciar e manter uma conversação leve, útil, mutuamente satisfatória; pessoas que estabelecem um entendimento, um rapport imediato com quer que seja que lhes atraia o interesse ou a simpatia. Conheço bem uma pessoa assim... e nunca páro de me maravilhar!

Dada a minhas dificuldades de contacto, disfarço a minha falta de habilidade procurando ser um bom ouvinte e fazer perguntas interessantes. Mas trata-se de um esforço e jamais me passaria pela cabeça relaxar conversando!...

A propósito, a história acima, como talvez fosse de esperar, é bem simpática e inesperada e, por isso, ponho aqui o link (soube dela via GoodShit).

domingo, maio 03, 2009

Os intelectuais e a coragem de lutar

Num mundo ideal, as convicções e os princípios deveriam ser por si sós molas suficientemente fortes para combater a tirania e e a injustiça. E isso por vezes acontece, só que com poucos. Quando chega a hora dos arruaceiros (e chega sempre a hora deles, tal o fascínio que exercem) tudo se desmorona e o medo impera, o que é exactamente o que os arruaceiros desejam e pretendem (por isso é que são brutos e fazem ameaças).

O que é surpreendente e brilhante no caso dos professores é que começaram por nada fazer quando foram roubados ou quando lhes tornaram quase impossível realizar o seu trabalho de forma adequada; isto porque lhes disseram, e eles acreditaram, que o país precisava desse sacrifício da sua parte. Mas, tendo surgido a parte da violência inútil e sem qualquer sentido (note-se que, na maior parte dos países europeus a avaliação dos professores, que não a das escolas, ou não existe ou é extremamente simples e não conta para a progressão na carreira), e ao fim de quatro anos de guerra, ainda há um número elevadíssimo de professores que não desfaleceu. Sem contar que os que desfaleceram só o fizeram ao fim de um prolongadíssimo tempo de resistência que se conta por anos.

Sabemos que normalmente os inteletuais são cobardes. Vejam-se quase todos os que se têm encolhido no seu silêncio pequenino(1) e deixaram os professores sozinhos na sua luta e tentativa de participação cívica, até mesmo nos casos em que se pôs em jogo a vida e o futuro das crianças mais desprotegidas como é o caso das que têm dificuldades e necessidades especiais.

Mas os professores que, apesar das tentativas desenfreadas que têm vindo a ser tomadas para os proletarizar, ainda se podem assumir como trabalhadores intelectuais, e têm vindo a mostrar que a cultura e a humanidade podem ajudar de facto a conferir forças e coragem para lutar contra a barbárie (tanto das maneiras como das ideias).

(1) Com as excepções gratas, entre outros, de Joaquim Manuel Magalhães, de Santana Castilho e de Ramiro Marques.

sábado, maio 02, 2009

O que esperamos dos intelectuais?

Que pensem, que discutam, que criem.

Eu e muitos outros (é que não temos tempo, nem contactos, nem inteligência suficientes para o fazer) esperamos que nos dêem ideias de entre as quais possamos escolher aquelas de que nos vamos apropriar para fazermos delas as nossas bandeiras e os nossos ideais por que lutar.

Portanto, a frase mais estéril e traidora da sua responsabilidade que um intelectual pode proferir é: “Não há alternativas.” Porque, ainda por cima, é uma rematada mentira! Existem sempre alternativas!

As consequências de andarem a espalhar esta ideia vêem-se na juventude de hoje: acreditaram nesta vigarice que lhes transmitiram e tornaram-se numa geração de conformistas.

Ora, uma sociedade que não evolui para melhor, como a actual, está doente. Ela só evolui para melhor com a renovação das gerações, a qual deve necessariamente implicar uma renovação de ideais e de lutas. Só assim podemos sacudir este marasmo deprimente e nauseado em que vivemos hoje em dia.

Suspeito que pertenço a uma geração que traiu realmente o futuro: roubou aos jovens a esperança num mundo melhor e a convicção de que vale a pena lutar por ele.

Não vale a pena diabolizar este Governo por ter demonstrado a irrelevância da participação cívica dos cidadãos nas decisões que envolvem toda uma sociedade e o seu futuro. Porque fomos todos nós que lhe conferimos poder e o deixámos abusar dele.

Não podemos esperar, aliás, dos políticos que tragam novas ideias. Eles são executivos, não criativos. O problema é que, quando os políticos não têm ideias, os tiranos saltam para a primeira linha, agarram o poder e abusam dele.

Eis porque precisamos de intelectuais que façam verdadeiramente jus ao seu estatuto.

segunda-feira, abril 13, 2009

O que é que isto interessa?

Discute-se, com acrimónia e entusiasmo, se há o direito de dizer às funcionárias da loja do cidadão de Faro como é que se devem apresentar vestidas ao público. Fico perplexo.
Na verdade, se elas tivessem de trabalhar mais 2 ou 3 horas por dia, sem receberem horas extraordinárias, prejudicando a sua vida familiar e a educação dos seus filhos, como acontece com tanta gente, bom, isso já não seria assunto com interesse para trazer a uma discussão! No entanto, parece-me razoável pensar que este assunto é amplamente mais importante e com consequências muito mais graves para as pessoas e para a sociedade no seu todo. Ah, mas com isto não temos espectáculo, logo...

"(...) O essencial é invisível aos olhos" (Antoine de Saint-Exupéry, O Principezinho, Cap. XXI)
Esta frase tem hoje em dia um sentido tristemente irónico. Porque aquilo de que valeria mesmo a pena falar e discutir está invisível e, por isso, não se consegue que seja matéria para debate e troca de ideias, permanecendo assim cada vez mais na sua invisibilidade. E, infelizmente, a existir menos que a roupa das funcionárias da loja de Faro!...

terça-feira, abril 07, 2009

Acabou-se!

A engrenagem já não contará comigo por muito mais tempo: entreguei um pedido de licença sem vencimento de longa duração. Ou seja, vou-me embora. Espero que para sempre.

Um aluno de um CEF pontapeou a cabeça de um colega enviando-o para o hospital em estado crítico. A pena máxima que a escola pôde aplicar consistiu em 10 dias de suspensão (já se sabe, com faltas justificadas): não havia o mesmo CEF numa escola da área de residência dele, pelo que a transferência estava fora de causa.
Outro aluno, por, entre outros actos violentos (e várias penas de suspensão), ter agredido uma professora na cabeça, foi punido com transferência de escola: passam-se as semanas e nada de assinatura do director regional, pelo que ele continua na escola (imagine-se como) e diz: "Posso fazer o que quiser, o que é que me pode acontecer de pior?"

Estive no ensino 24 anos por vocação, talento, paixão e alegria. Eu gosto muito de ensinar, que é uma coisa que hoje em dia faço pouco. O que faço é reforçar a máquina destruidora que este Governo pôs em marcha. Devo dizer, pois, que saio com alegria também: já não mais humilhações violentas, nem trabalhos inúteis e esgotantes, nem sapos engolidos, nem ausências de respeito e de consideração, nem ameaças ou ataques à minha integridade física e mental.
E não mais me sentirei responsável por alimentar este imenso desastre que é hoje a Educação em Portugal no ensino público.

sábado, fevereiro 28, 2009

Ser Professor até ao fim

Sabemos hoje que Hitler nada teria conseguido sem a colaboração dos funcionários públicos.
Temos assim o pequeno funcionário, peça de uma imensa engrenagem (peça porque perfeitamente substituível), na qual cada injustiça era apresentada como um sacrifício necessário para a Alemanha sair da crise (em que cada injustiça não era vista como tal pela opinião publicada na altura, note-se).
Com a táctica dos pequenos passos a enredarem-se uns pelos outros, mais o recurso ao medo, os nazis conseguiram que as pessoas fizessem o que não aceitariam fazer em condições normais.
E, nestas condições, poucos desses funcionários conseguiram ser suficientemente lúcidos e corajosos para se oporem ao sistema ou para dele sairem.

O problema que aqui se me põe para já é este:
Como conseguir distinguir a linha que separa o que é ainda eticamente aceitável, do que configura já a prática de um crime?

Ou:
Como saber aquilo que os nossos descendentes vão identificar claramente como um crime, votando-nos a nós, que dele participámos e o alimentámos, à condenação e ao desprezo?

Mas no estado actual da Educação no nosso país este problema de identificação põe-se?
Na minha opinião, não, realmente não.
Porque sei, cada vez com mais convicção, que já está a ser cometido por este governo um Crime de proporções incalculáveis sobre esta geração de jovens e sobre o futuro deste país.

(Só o facto de o sistema não ter meios para pôr cobro aos que impedem os alunos mais pobres e mais trabalhadores de poderem estar em segurança na escola e de aí poderem aprender, para mim já é crime bastante)

Então, nestas condições, como deve actuar este "pequeno funcionário" que é o professor da escola pública?
Eu sei.

Primeiro, recusar-se a colaborar em tudo o que estiver ao seu alcance, desde que não prejudique ainda mais os alunos.
O que já é bastante.
Mas a verdade é que, no fim, não há outra alternativa, nada mais lhe resta fazer senão sair desta engrenagem, numa recusa, agora total, de alimentar este Crime, ou de sequer fazer parte dele.

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

Objectivos Individuais (3)

Era até ao dia 10. Não entreguei: eu e mais meia dúzia de professores.

Três coisas me impressionaram até ao momento.

Uma, o medo que domina actualmente tantos professores. Numa democracia alegadamente europeia. É certo que alguns utilizam o pretexto do medo para disfarçar a sua ganância, ou a sua comodidade, ou simplesmente a sua demissão de pensar pela sua própria cabeça. Mas a maioria sente inegavelmente medo. Medo. Bem como vergonha por sentirem medo, por se submeterem a ele, por enfim quebrarem perante o poder que, por todos os meios, tem tentado diminui-los e destruir-lhes a sua fibra moral. Professores, titulares, professores no último escalão e até sindicalistas: todos.

Outra, a completa ausência dos jovens. Eles são a garantia da evolução das sociedades, são eles que asseguram a sua renovação mantendo-as, portanto, vivas. São eles que, desde sempre, se colocaram na primeira linha da contestação à tirania e à prepotência. Onde estão eles? Estarão paralisados pelo medo? Estarão apáticos? Será que criámos uma geração de conformistas?

Finalmente, o esquecimento. Hoje vejo as pessoas a rirem-se, a conversarem. Como se nada tivesse acontecido, como se nada se tivesse passado. Cento e tal professores agem em perfeita contradição com aquilo que acreditam (acreditaram?). Desistem de lutar na primeira acção positiva que podiam empreender, submetem-se a um poder grosseiro e boçal. E fingem que nada aconteceu? Transformam tudo isto num simples incidente negligenciável?

terça-feira, fevereiro 03, 2009

Contra a avaliação

Razões por que estou contra:

1 - Porque acho a competição danosa para a educação (tal como o acham a esmagadora maioria dos países europeus, incluindo a Filândia). Pense-se nos pais: é bom estarem em competição ou é melhor a colaboração quando se trata de educar os seus filhos?

2 - Porque acho eticamente abominável e profundamente desmoralizador a existência de quotas para professores muito bons ou excelentes. É matar a vontade e o respeito por se tentar fazer o melhor.

3 - Porque despreza os que cumprem as suas obrigações, só não penalizando os classificados com Bom ou mais.

4 - Porque é um desastre para o país e para o seu futuro uma avaliação baseada nos resultados dos alunos (que foi abandonada temporariamente e com justificações apenas de simplificação burocrática). É como premiar os fiscais de obras pelo número de obras aprovadas, ou polícias pela ausência de multa: é um absurdo estúpido.

5 - Porque me recuso a pactuar com manobras indecentes e inescrupulosas por parte do governo: ameaças, chantagens, intimidação aos mais fracos e desprotegidos, atribuição de privilégios especiais a certos grupos de professores (mostrando assim o quão pouco acreditam no próprio modelo que dizem defender).

6 - Porque decidi recusar-me a condicionar as minhas escolhas éticas ao medo do que eles me possam fazer. Deste modo, livremente, posso desobedecer a ordens que só causam mal, o que representa agora uma tarefa de carácter cívico e de cidadania que transcende a mera esfera pessoal. Ainda por cima, sei que o Governo fica impotente se ninguém lhe obedecer - é uma luta que, ao contrário de muitas outras, tem o sucesso garantido... desde que não se obedeça ao medo.

domingo, fevereiro 01, 2009

Objectivos Individuais (2)

A partir do momento em que decidi não entregar os o.i., tornou-se-me irrelevante saber se somos muitos ou poucos.

Eu decidi agir não me submetendo ao medo e à prepotência, ou seja, decidi ser livre e coerente com a minha consciência. Em suma, decidi ser totalmente responsável pelos meus actos nesta matéria: não aceitar donos.

E como eu me sinto bem comigo mesmo por ter tomado esta decisão!

Não o esqueço: somos 120 000! Muitos podem ter medo, vacilar, desistir, etc, mas eu sei que eles não concordam com nada do que este m.e. lhes manda fazer com o sentido de destruir a Escola Pública. Isso me basta para não me sentir sozinho.

Felizmente também sei que há muitos professores que acreditam o suficiente em si próprios e no seu próprio julgamento para não cederem.

Ah, e estar em tal companhia é bom, é mesmo muito bom!


Nota: estou no 8º escalão e, provavelmente, daqui nunca sairei.

sexta-feira, janeiro 23, 2009

Greve da Fome

Na reflexão do dia 13 propus como acção a desenvolver (para a qual eu e outros colegas se disponibilizaram de imediato) uma Greve da Fome. Começaria por ser faseada, quer geograficamente (por zonas), quer temporalmente (por exemplo, primeiro durante as 7 horas do período diário de trabalho, depois durante um dia, etc).

Esta acção apresenta vantagens extraordinárias:
- Os alunos não são significativamente prejudicados pois não ficam sem aulas, ou sem avaliação, e as escolas não fecham.
- O impacto emocional sobre a sociedade é extremamente forte, nem sequer precisando os níveis de adesão serem muito elevados.
- A repercussão internacional seria imensa, aumentando a visibilidade para o absurdo das propostas do Governo e para o seu autoritarismo.
- Nós, professores, não perderíamos dinheiro (ultrapassando assim uma dificuldade grande para muitos colegas).

Acredito inclusivamente que até o simples anúncio, por parte dos sindicatos, de um Greve da Fome como um modo de luta a ser seriamente considerado já teria, por si só, um efeito devastador para este Governo em ano de eleições.

segunda-feira, janeiro 12, 2009

Objectivos Individuais

Decidi não entregar os objectivos individuais.

Votei PS porque achei que o PSD, e todos os outros, teriam de aprender que aquele tipo de campanha que fizeram contra Sócrates é eticamente abominável. Pela mesma razão tomo agora esta atitude. O PS, e todos os outros, têm de entender que ameaças e chantagens (e subornos disfarçados) são atitudes impróprias de governantes em democracia. Assim, a minha recusa já não é apenas uma simples questão de dignidade profissional, mas passou a ser também uma questão de responsabilidade cívica perante a minha consciência e perante os meus alunos, pais e sociedade portuguesa em geral.

Os nossos governantes afirmam repetidamente que não actuam em obediência à pressão de outros, que não negoceiam, isto é, que não mudam de atitude face a chantagens. Concordo com eles. É seguindo exactamente o seu exemplo que me recuso a, sob ameaças e chantagens de variada espécie, entregar os objectivos individuais.

Não se trata aqui de fazer grandes coisas, de estar com heroísmos, trata-se de fazer simplesmente uma coisa pequena, que está perfeitamente ao meu alcance, e que faço para não corromper a fidelidade à minha consciência. E havendo muitos, as coisas pequenas, individuais, tornam-se colectivas e grandes.

segunda-feira, janeiro 05, 2009

Envelhecer

"Somewhere Towards the End", de Diana Athill.

Um relato em primeira mão de como não é nada agradável envelhecer. Não li, mas sobre o livro há mais informações aqui (Michael Dirda, no Washington Post).(*)


As minhas marcas de envelhecimento.

As más:
o cansaço (físico e psicológico)
a incapacidade de recuperar ou de recuperar rapidamente
a distância que cresce em relação aos jovens (em particular, um maior retraimento face à sua violência e agressividade perante a vida)
a dificuldade de encantamento face a livros, filmes, etc
o tempo que se esvai cada vez mais rapidamente

As boas:
cada vez se tem menos a perder
capacidade de compreender cada vez mais, para condenar cada vez menos...
... mas a condenação, quando vem, mergulha no ódio e no assassínio (talvez isto não seja bom)

Outras que me lembre irei acrescentando.

Termino, citando o final do interessantíssimo artigo atrás referido:

Certainly no amount of mendacity or whining will change the facts: The end of life is hard. With luck and adequate health, you might be able to enjoy a few simple pleasures for a while longer. But that's about it. And be grateful for even the smallest of such favors. Time is not on your side. (Michael Dirda)

(*) Via GoodShit