sexta-feira, julho 29, 2005

De Rudolf Nureyev (1938-1993)

"O grande bailarino não é aquele que executa com naturalidade o salto mais difícil,
é aquele que torna interessante o passo mais banal".




Bom fim de semana.

Comprar produtos portugueses.

Como? É fácil:

Procurem o código de barras e vejam se ele começa por 560: significa que é fabricado em Portugal. É só!

Assim ajudamo-nos, ajudando. Para mais explicações vão espreitar ao Movimento 560!

quinta-feira, julho 28, 2005

Palavrões e liberdade

Quase nunca os digo.

As pessoas, que à minha volta os utilizam, querem fazer-me crer que sou menos livre do que elas por os não usar.

Suspeito aqui de um engano.
Se eu for livre, claro que dizer palavrões é um sinal dessa liberdade.
Ah, mas o inverso já não é necessariamente verdadeiro: o facto simples de eu ou outro qualquer os dizermos não implica que sejamos ou fiquemos mais livres!

Não digo palavrões porque eles traçam um retrato da realidade mais feio e/ou mais risível (refiro-me aqui a um riso "por baixo" que, na verdade, pouco me interessa).

Por outro lado: a minha decisão de não os dizer, num mundo em que quase todos os dizem, é que pode passar a ser assim um sinal de maior liberdade.

Cito Óscar Lopes: "Ser diferente é ter a oportunidade de ser superior."
Porque não? É certo, não substitui a liberdade, mas pode ser um dos caminhos que a ela vai dar.

terça-feira, julho 26, 2005

"Os portugueses não gostam de si"

Com este título José Gil desenvolve, na Visão de 21 de Julho, mais uma das facetas em que se revela aquela característica dos portugueses: o queixume. Devo confessar que, tal como em "Portugal Hoje, O Medo de Existir", José Gil desfere uma flecha certeira no coração do meu estar com os outros.

Para começar, não posso esquecer que, quando me queixo, estou a aliviar a parte da responsabilidade pessoal que me cabe nos acontecimentos. É cómodo. Mas não é prático, porque não avanço um milímetro na solução dos meus problemas. Embora alivie esta sensação de impotência face à força do mundo que me rodeia e esmaga (que eu penso que me esmaga).

Como sabe quem visita os meus blogs, eu até nem sou de me queixar muito. Mas a ferida essencial está lá: e assim viro habitualmente as baterias contra mim mesmo (sinal disso é por exemplo o post anterior). Portanto nunca chego a gostar suficientemente de mim para procurar o encontro real, físico, concreto com os outros; por exemplo, raramente telefono a amigos, sinto sempre que o risco de ser um aborrecimento para eles é muito grande - procedendo assim eu acabo também por ser responsável pelo facto d'"A população portuguesa não forma[r] uma comunidade nem mesmo uma colectividade solidária." (do artigo referido).

Todos (inclui pessoas, colectividades, estado, país) somos como garrafas nunca completamente cheias. É verdade: eu incluído, diz-me o meu lado racional. Então como vencer esta minha tendência de ver em mim (e se calhar nos outros) sempre o seu lado vazio?

Uma outra/minha voz

Estou a atravessar outra vez um período em que não consigo escrever nada. Como já aconteceu anteriormente, vou partilhar convosco um poema, desta vez de Marin Sorescu (1936-1997):



Simetria


Vagueava,
Quando, de súbito, à minha frente
Se abriram dois caminhos:
Um para a direita
E outro para a esquerda
Segundo todas as regras da simetria.

Parei,
Semi-cerrei os olhos,
Esbocei com os lábios uma dúvida,
Tossiquei,
E segui pelo da direita
(Precisamente pelo que não devia,
Como se provou mais tarde).

Só eu sei o que foi esse caminho,
É escusado dar pormenores.
E depois, à minha frente, abriram-se dois
Precipícios:
Um à direita,
Outro à esquerda.
Lancei-me no da esquerda,
Sem pestanejar, sem tomar balanço,
E catrapumba lá vou eu pelo da esquerda abaixo,
Que, ai de mim, não estava forrado de penas!
Rastejei, disposto a continuar.
Fui rastejando por algum tempo
E de súbito à minha frente
Abriram-se dois grandes caminhos
“Já vão ver” – disse para comigo –
E tomei outra vez o da esquerda,
Para me vingar.
Errado, completamente errado, o da direita era
O verdadeiro, o grande caminho, ao que dizem.
E no primeiro cruzamento
Dei-me de corpo e alma
Ao da direita. Mas também agora
Era o outro que eu devia ter escolhido, o outro...

Agora a merenda estava quase no fim,
Na minha mão o cajado envelhecera,
Já não dava rebentos
Para eu descansar à sombra
Quando me domina o desespero.
Os ossos gastaram-se nas pedras,
Rangem e praguejam contra mim
Que perseverei no erro...
E olhem: agora à minha frente abrem-se
Dois céus:
Um à direita, outro à esquerda.


(ed. Quetzal)

sexta-feira, julho 22, 2005

Sonho de uma leitura sem fim

Lemos um livro tão dolorosamente belo que assalta o nosso espírito e o nosso corpo até ao mais fundo de nós mesmos.
De tal modo que, à medida que nos aproximamos do fim, vamos atrasando a sua leitura, pomos outros livros de permeio, para que, página após página, possamos estar o máximo de tempo possível naquele estado mágico, puro e terrestre em que o livro nos lançou.
Aconteceu-me já atrasar tanto que nunca cheguei à última página.
Tenho à minha frente um desses livros: Os Poneis Selvagens de Michel Déon. É um livro antigo que me chama com uma memória doce da juventude.
Vou (re?)lê-lo.

quinta-feira, julho 21, 2005

Vergílio Ferreira - Até ao Fim

Leitores, mas especialmente para quem Vergílio Ferreira é um escritor amado:

Por favor, vão ler o excelente texto "Limites da perfeição" publicado ontem no blog da literatura por João Paulo Sousa.
Sobre Até ao Fim, mas não só.

(Sabem que há um dvd sobre V.F.?)

O Escritor Famoso: Anúncio

Até às 24 horas do dia 22 de Julho todos os visitantes do Divas & Contrabaixos "poderão eleger o seu texto preferido, relativo ao escritor famoso que um dia apareceu na blogosfera e se pôs a passear de blog em blog". Se ainda não leram os textos, aproveitem que encontram-nos lá todos. De que estão à espera?

quarta-feira, julho 20, 2005

Vergílio Ferreira



A nossa adesão a um escritor faz-se por motivos elevados e baixos, por motivos evidentes e ocultos.

Este é o "meu" escritor.

Quais os motivos que o fizeram meu? Apenas sei, de um saber traduzido em palavras, os motivos evidentes. Dos outros apenas sei obscuramente, não poderei falar deles.

Entre os elevados:

Deu-me palavras e ideias para nomear o meu sentir e fazê-lo comparecer diante de mim e dos outros.

Ensinou-me os mundos que se escondem dentro das palavras. Ensinou-me também a possibilidade de cada um de nós poder encher uma palavra com infinitos mundos.

Mostrou-me como se pode assumir a beleza da nossa condição humana, mesmo nas suas facetas menos nobres.

Enfim, mostrou-me e continua a mostrar-me a insuportável beleza do real, bem como da legenda que fica desse real.

Entre os baixos:
Fez-me saber que eu não estava só na minha aflição de ser e de estar em relação com os outros. Principalmente no amor em relação às mulheres, para as quais em toda a minha vida eu nunca estive "à altura".

Tudo o que atrás escrevi refere-se aos romances, que são para mim o sinal vivo da sua arte maior. Os ensaios e os diários são também duma riqueza extraordinária, porém não tocaram nem convocaram a totalidade do meu ser como o fizeram os seus romances.

Só falta dizer uma coisa: de Vergílio Ferreira não tenho em mim um romance preferido. Porque cada um deles vive por si, nimbado de uma luz incomparável e imorredoira (mas para dar a ler a um(a) amigo(a) querido(a) escolheria Na Tua Face).

domingo, julho 17, 2005

Escrevo o...

"(...) marulhar da sombra sempre acesa
e fria?"

(José Augusto Seabra)




















(James Porto)

Eugénio de Andrade

Nota prévia:

Gosto de ler ou de dar a ler um autor apenas depois de algum silêncio ter descido sobre ele ou sobre a sua última obra.
Há demasiadas palavras, elogios, críticas, imagens, demasiado ruído enfim. É necessário um espaço largo e puro para o (re)ler.

Aqui fica um poema de Eugénio de Andrade. E também eu me calo agora.


APRENDIZAGEM DA POESIA

Durou muitos anos, aquele verão.
Cresciamos sem pressa com o trigo
e as abelhas. Com o sol
corríamos para a água, à noite
num verso de Shakespeare ou
na nossa boca uma estrela dançava.
Aprendíamos a amar, aprendíamos
a morrer. A todos os sentidos
pedíamos para escutar o rumor,
não do mundo, que ninguém abarca,
apenas da brancura de uma folha
e outra folha ainda de papel.

(Os Lugares do Lume)

sexta-feira, julho 15, 2005

Elogios

Sabem sempre bem os elogios. Mas como eu tenho aquela grande autoconfiança que já todos conhecem, quando os recebo lembro-me muitas vezes deste episódio que se conta ter sido passado com George Bernard Shaw:

Ele foi ver uma peça sua e depois enviou um telegrama à actriz principal dizendo "Admirável!".
Esta respondeu: "Não merecedora de tal elogio".
Bernard Shaw, num acesso repentino de mau humor, retorquiu (sempre por telegrama): "Referia-me à peça"
Resposta da actriz: "Eu também"!

quinta-feira, julho 14, 2005

O escritor famoso

Eis mais um blog por onde passou o escritor famoso. Eu soube dele aqui e depois aqui.


Tinha comprado todos os seus livros.
Via-o muitas vezes a almoçar na cantina e imaginou-se a pedir-lhe um autógrafo, uma audácia que nunca conseguiu pôr em prática.
Uma vez viu vários exemplares dum romance dele, muito amado, a monte com muitos outros e em saldo. Doeu-lhe.
Comprou-os todos, foi oferecendo aos amigos e ficou com o último como recordação.
Decidiu-se a escrever-lhe a contar o que tinha feito e a comunicar-lhe a imensa gratidão que sentia por ele ter escrito tantos livros inesquecíveis.
Em resposta recebeu um cartão com meia dúzia de linhas, palavras neutras e quase indecifráveis.
Não soube se devia responder, dada a frieza. Pensou: é um escritor famoso, porque havia de perder tempo com uma pessoa banal?
Continuou a comprar todos os seus livros.
Anos depois vê num uma referência maravilhada e bela a este episódio.
Chorou por dentro.

Post dedicado à R. e à M.

Fico fascinado quando estou com uma pessoa (normalmente são mulheres) ingénua, pura, boa, franca e que sorri permanentemente para a vida. É muito raro encontrá-las. Nos últimos anos eu tive a sorte de conhecer duas, com quem aliás estive anteontem e hoje.
E tive de pensar porquê este meu fascínio, já que estas pessoas são habitualmente consideradas pouco interessantes. Acho que descobri. Por duas razões.
Porque elas mantêm mais acesa a chama de tudo o que de bom vem da infância.
Porque elas, nesta sociedade, são as únicas e verdadeiras Sobreviventes: não abdicam do que são nem o escondem, e continuam vivas... sempre a sorrir!

quarta-feira, julho 13, 2005

Um dos meus grandes prazeres de Verão

Nas horas mais quentes ou mais solitárias saborear fatias sumarentas de melancia fresca, banhando os olhos na sua cor indescritível!

domingo, julho 10, 2005

Jesus

Não posso dizer que sou cristão, não acredito em Deus. Intelectualmente, sou muito mais um budista.

Mas acredito em Jesus, e acredito porque ele propôs uma coisa de tal modo revolucionária e contra o espírito de todos os tempos (a própria Igreja durante muitos séculos mostrou-se incapaz de o seguir) que tem de ter existido.

Ele introduziu a ideia do perdão.

Que tão ausente está do Antigo Testamento.

Por exemplo, sempre me impressionou Deus não ter permitido a Moisés, mesmo depois de toda uma vida dedicada ao seu serviço, pisar a Terra Santa. E por uma falta menor que eu já esqueci completamente! Isto para não falar dos castigos aos pecadores, aos seus filhos e aos filhos dos seus filhos!!

Não admira que Jesus tivesse que ser crucificado! Num certo sentido, defendendo o perdão e o amor ao próximo como pilar central da sua doutrina (depois do amor a Deus) ele renega assim o Deus Pai vingativo e mesquinho do Antigo Testamento.

E dá o exemplo: perante a mulher adúltera que, à luz da lei daquela altura, tinha cometido um crime, e que o admitia, ele perdoa-lhe e manda-a em paz.

Para mim não há em nenhuma religião, nem na budista (apesar da compaixão), algo de tão comovedor e belo como esta ideia de perdão total e absoluto.

Que tivemos a felicidade de conhecer graças a Jesus.

sábado, julho 09, 2005

Viver sem destruir é uma tarefa hérculea

Razão têm os budistas ao aconselharem-nos a começar por tentarmos evitar fazer o mal; e só quando isso está mais ou menos controlado, então preocuparmo-nos em fazer o bem.

Comentários

O que é que procuro ao escrever num blog?

À partida diria que procuro acertar contas comigo mesmo.
Depois, acordar o espírito em mim e dar-lhe voz.
Mas não só.

Os blogs são um artefacto predominantemente feminino. Não se dirigem a nada nem a ninguém. Mas esperam receber. Porque vivem e lutam pela esperança de serem lidos. Para mim, como o óvulo que espera ser fecundado.
Por isso, sinto que os Comentários são uma parte da identidade do blog. Sou absolutamente a favor de Comentários.
Nenhum discurso é uma catedral; mas com os Comentários há a esperança de o discurso se desenvolver segundo as linhas de uma catedral.
É este o desafio que me coloco quando visito outros blogs: usá-los para construir ideias melhores ou para celebrar ideias perfeitas.

Tento ser honesto comigo mesmo: cá no fundo desejo também encontrar outras vozes, uma voz, talvez um rosto e um olhar com o qual me reveja melhor do que aquilo que sou. E acreditar nesse olhar.

sexta-feira, julho 08, 2005

Londres, 7 de Julho de 2005

Porquê?
Para quê?

Solidariedade com todas as vítimas e seus familiares e amigos.

(...)

Todos temos uma carga grande de sofrimento que é inerente à condição humana: da doença, da morte, da velhice, da solidão, ...
Mais outra carga que advém da inépcia e da imperfeição, nossa e dos outros.
Assim já há tanto sofrimento que nunca entendi os que planeiam e põem em prática formas de aumentar ainda mais esse sofrimento nos outros, desde aquele que bate na mulher e nos filhos até ao que faz rebentar bombas no meio de populações indefesas, seja com aviões seja com engenhos artesanais.

A estupidez disto tudo...

quarta-feira, julho 06, 2005

"um dizer ainda puro"

imagino que sobre nós virá um céu
de espuma e que, de sol em sol,
uma nova língua nos fará dizer
o que a poeira da nossa boca adiada
soterrou já para lá da mão possível
onde cinzentos abandonamos a flor.

dizes: põe nos meus os teus dedos
e passemos os séculos sem rosto,
apaguemos de nossas casas o barulho
do tempo que ardeu sem luz.
sim, cria comigo esse silêncio
que nos faz nus e em nós acende
o lume das árvores de fruto.

diz-me que há ainda versos por escrever,
que sobra no mundo um dizer ainda puro.


in "um mover de mão", Vasco Gato, Assírio & Alvim, 2000



Em vez de elogiar:
na escuridão este poema indicou-me um caminho.

Odeia o pecado, não o pecador

Porquê?
Porque o que faço de negativo, mas principalmente o efeito negativo do que faço, a maior parte das vezes pouco tem a ver com a intenção que me anima.
Quando se zangam comigo, com a minha pessoa, sinto então que me é feita uma enorme injustiça.
Os outros devem sentir o mesmo.
Não tem sentido zangar-me com eles.

O fim do amor

Creio que o fim de um amor se anuncia por dois sinais:
- quando o sonho de uma vida mais perfeita com o outro começa a ser inverosímil;
- quando começamos a recear, e não só a desejar, um encontro (nem que seja para ir ao café) com o outro.