«(...) exibindo a suficiência intolerável e desesperadamente densa que nada a não ser a frequência da ciência pode dar à obtusidade do comum dos mortais.»
Às vezes, fico convencido que sei algo com total segurança. É durante pouco tempo, porque percebo bem que é uma ilusão. Habitualmente, tenho a plena consciência da imensidão da minha ignorância. Mas, às vezes não.
Joseph Conrad, O Agente Secreto
Às vezes, fico convencido que sei algo com total segurança. É durante pouco tempo, porque percebo bem que é uma ilusão. Habitualmente, tenho a plena consciência da imensidão da minha ignorância. Mas, às vezes não.
Porque é que isso acontece? Em parte, porque confio no que
estou a sentir; e sentir que estou certo funciona como uma garantia para a
verdade. No entanto, basta-me recordar as vezes, imensas vezes anteriores em
que senti o mesmo e estava redondamente enganado, para ganhar um pouco de
humildade.
Por vezes, a minha experiência particular confirma a
informação que colhi. Daí até concluir que ela é generalizável a toda a gente e
que, por isso, tem de ser verdadeira, o salto é muito pequeno; e, quando estou mais
distraído, dou-o.
Mas também tendo a sobrevalorizar o que sei pela sua
novidade – tenho este preconceito a favor do que é novo; mas realmente novo,
não do que é um antigo serôdio reciclado e com roupas novas a disfarçar.
Depois, o estudo que fiz do assunto faz-me acreditar que
fiquei a saber a última palavra acerca dele. Ou ainda as leituras que fiz. Por
exemplo, os artigos de divulgação científica que apresentam as matérias de uma
forma simplificada e facilmente compreensível dão-me a ilusão de que fiquei a
dominar o tema.
Ora, mesmo que eu tivesse feito um estudo exaustivo, o que
obviamente não é possível (a menos que eu dedique a minha vida apenas a esse
assunto e consiga ir acompanhando mais ou menos o que se vai publicando sobre
ele), sabemos que a ciência avança, oscilando entre o erro e a sua correção: o que é hoje verdade pode não o ser amanhã.
Portanto, nem mesmo na ciência se pode confiar totalmente para obter certezas.
Se é assim, então porque recorro à ciência? Porque ela é o
melhor método que a humanidade encontrou para descobrir e provar que
determinada teoria, científica ou não, é falsa. Sim, quero mesmo dizer falsa, não
verdadeira. É fácil provar que uma teoria é verdadeira, enquanto ninguém
encontrar algo que a invalide.
Assim, aquilo que a ciência não consegue
demonstrar como falso vai sendo, então, provisoriamente considerado como
verdadeiro – a ênfase aqui é no “provisoriamente”, não no “verdadeiro”. Então,
disto permito-me ter uma razoável certeza: até ao momento, não existe outra
maneira melhor, mais objetiva (não dependente de idiossincrasias pessoais), mais
sistemática, mais rigorosa e mais vigiada de conseguirmos aproximarmo-nos da
verdade.
Finalmente, creio que o meu autoconvencimento vem também da
necessidade de segurança das pessoas que as leva a quererem ouvir certezas simples,
monolíticas e infalíveis, e não divagações sobre um campo de dúvidas
fragmentadas, sempre relativamente pouco iluminado. Existe aqui uma pressão
subtil para que eu verbalize certezas; de todo o modo, isso não serve de justificação
para o fazer.
Porque o sábio não é aquele que sabe o que diz, mas é aquele
que sabe como e quando o dizer (ou não), independentemente do que os outros (e
às vezes ele próprio!) desejam.
Escola de Atenas, Rafael, 1511