Vamos supor por uns momentos que António Costa (AC) não é estúpido.
Um homem que saiu do Governo de Sócrates antes dos escândalos que o abalaram (passando estranhamente de ministro para presidente de câmara, é certo que de Lisboa); que negociou brilhantemente para unir a esquerda a fim de governar (note-se, depois de ter perdido as eleições), algo que nunca antes tinha sido conseguido por ninguém; que manipulou sempre o Parlamento para que ele nunca fizesse algo radicalmente contra a sua vontade (lembro o aumento dos professores em que AC levou o PSD a recuar atabalhoadamente; ou quando fez com que o PSD propusesse e aprovasse uma regra que evitou a sua ida frequente à Assembleia da República); que tem vindo a anular o peso dos partidos à sua esquerda no eleitorado; que “secou” a oposição por parte do PSD; etc.
Bom, proponho que um homem destes pode ser considerado sem favor um génio político (que é o que eu acho que ele realmente é – e a História há de lhe fazer justiça).
Sendo assim, várias interrogações se me levantam:
Porque é que Passos Coelho deu, por exemplo, a vice-presidência do seu governo ao partido à sua direita e AC nunca deu um lugar que fosse no seu governo a nenhum dos partidos à sua esquerda (por exemplo, os ministérios da Cultura ou do Ambiente; ou uma Secretaria de Estado da Cidadania e a Igualdade, ou do Património Cultural)?
Porque é que, nos últimos meses, AC se recusou terminantemente a remodelar o governo, mesmo sabendo que essa era a vontade da maioria dos eleitores portugueses?
Porque é que, desde as últimas eleições legislativas (em que ele não teve a maioria absoluta que desejava), ele tem vindo a insultar cirurgicamente o principal líder da oposição e o Bloco de Esquerda, e a humilhar o PCP, alienando a sua boa vontade?
Porque é que ele foi intransigente e não aceitou o suficiente do PCP e BE (cujas propostas me pareceram muito razoáveis - principalmente justas -, nada radicais, até oportunas dado que temos este ano um pouco de folga orçamental para as aplicar) de modo a eles poderem salvar a sua face ao abster-se? Colocando as suas cartas de forma a deixar o PCP e o BE numa "no-win situation": o que quer que eles fizessem, ficariam a perder (e, nomeadamente, a perder votos, como se tem vindo a verificar nos últimos anos)? E, pelo contrário, passou sempre a mensagem de que a intransigência estava do lado do BE e do PCP, quando todos sabemos que para haver teimosia tem de haver dois teimosos, não basta um só?
Para finalizar: como é que este génio político, mestre de negociações impossíveis, fracassa totalmente na aprovação do Orçamento, chegando ao ponto de não ter, no Parlamento, nenhum partido além do seu a votá-lo favoravelmente?
A resposta é: não foi um fracasso! Obedeceu antes a uma estratégia cuidadosamente pensada, planeada e executada, para chegarmos a eleições antecipadas onde os partidos à esquerda são vistos como os “maus da fita” (quando não lhes foi dada hipótese nenhuma de proceder de modo diferente) e os partidos à direita estão envolvidos em lutas fratricidas. Ou seja, o cenário ideal para alcançar a tão desejada maioria absoluta.
Cereja em cima do bolo: quer ganhe, quer perca as eleições (cenário absolutamente improvável), AC ganha sempre porque, se perder, a culpa terá sido sempre dos outros e não sua.
Há apenas uma carta que ele não controla totalmente, que é o Presidente da República. Daqui pode vir uma surpresa que estrague o planeado (eleições, contra um BE e um PCP enfraquecidos, e com o PSD em lutas intestinas). Mas atendendo a que Marcelo tem contas antigas a ajustar com o PSD (e tem-no feito sempre), pode ser que nada aconteça de surpreendente. Mas nunca se sabe...
O certo é que António Costa é um homem muito inteligente, que ouve os outros (é inverosímil acreditar que tudo isto venha só da cabeça dele, deve ter "think tanks" que o aconselham, e ele ouve-os realmente, muito provavelmente sem seguir acriticamente tudo o que eles lhe dizem) e que é um autêntico mestre de xadrez (que antecipa muitas jogadas à frente e sabe bem aproveitar-se da ingenuidade e dos passos em falso dos adversários).