Começamos com um gráfico publicado em R. Wilkinson and K. Pickett (2009). The Spirit Level: Why Greater Equality Makes Societies Stronger. London: Bloomsbury Press.
Por aqui vê-se que, nos países onde há menos desigualdade de rendimentos (ou seja, onde os rendimentos se encontram melhor distribuídos), há menos problemas sociais e de saúde. Sem surpresa, vemos como as sociais-democracias do Norte da Europa estão bem situadas.
Um pouco surpreendentemente, vemos que Portugal é o pior a seguir aos Estados Unidos: estamos muito mais próximos do capitalismo dos E.U.A. do que da social-democracia do Norte da Europa. Mais problemas sociais e de saúde significam, evidentemente, uma vida muito pior para as crianças (que não têm meios para superar por si sós esses problemas).
Notemos que este gráfico foi elaborado com dados de antes do crash financeiro de 2008/9, de antes da “Troika”, de antes da pandemia, de antes da Guerra da Ucrânia, e de antes da inflação atual.
Três interrogações se impõem.
Primeira. Porque não seguimos o exemplo das sociais-democracias do Norte da Europa? Não teríamos que inventar nada, trata-se de imitar apenas; então, porque não fazemos algo de tão simples? Vamos ver que é porque não há vontade política.
Segunda. Será porque não criamos riqueza? E, portanto, simplesmente não há dinheiro para distribuir? Vamos mostrar que há.
Terceira. Depois de todos os acontecimentos acima invocados (crash, etc.), será que estaremos em pior situação do que antes de 2009? Vamos descobrir, sem surpresa, que a resposta é um rotundo sim: sim, estamos muitíssimo pior.
Consultemos o Ranking da Felicidade baseado na média dos três anos, de 2020 a 2022, divulgado ontem pelo World Happiness Report 2023:
Aqui, já ficámos pior que os E.U.A. E não surpreende excessivamente que Portugal tenha caído da 34ª para a 56ª posição.
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Vamos, então, ver o que se passa nos E.U.A.
No "The Wall Street Journal", em 2 de março de 2023, é dada esta notícia:
Os lucros dos bancos caíram 6% no ano passado [2022], uma vez que a guerra, a inflação e as taxas [de juro] mais altas prejudicaram os resultados.
E em Portugal? Já sabemos que, de acordo com os maiores responsáveis do país, nós somos muito vulneráveis a crises na Europa e nos E.U.A. Portanto, aqui não haverá surpresas, certamente que estaremos piores do que eles. Ou não...?
No Jornal de Notícias de 11-03-2023:
Os cinco maiores bancos que operam em Portugal tiveram lucros de 2583 milhões de euros em 2022, mais 71% do que em 2021, quando o valor agregado foi de 1511,7 milhões de euros. Em média, somaram sete milhões de euros de lucros por dia.
- O Montepio quintuplicou,
- o Novo Banco triplicou,
- o Santander duplicou,
- o Millennium BCP ficou-se pelos 50,3%,
- a CGD cresceu 44,5%
- e o BPI não foi além de uns míseros 19%.
Como terão os nossos bancos conseguido? Teremos GÉNIOS na nossa banca? Infelizmente, talvez não,…
Bom, assim também eu...
Mas talvez estejamos a ser injustos. Afinal, os bancos precisam mesmo disto porque não tiveram ajuda de ninguém para ultrapassar as consequências da sua irresponsabilidade e da sua incompetência nos últimos anos... Ou tiveram?
A Banca custou ao Estado 22 mil milhões de euros entre 2008 e 2021.
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Esta quantia é tão gigantesca (22.000.000.000 euros) que não fazemos ideia do que ela representa. Façamos, enão, um exercício simples.
Um carrinho de supermercado cheio de produtos básicos talvez custe hoje em dia cerca de 100 euros. Logo, aqueles 22 mil milhões dariam para 220 milhões de carrinhos de supermercado.
Há 1,9 milhões de pobres permanentes (mesmo com a ajuda do Estado)
Então, teríamos para cada um dos pobres (considerados individualmente, criança, adulto, idoso, não como família) que continuam pobres mesmo depois dos apoios sociais, 116 carrinhos de supermercado, se aplicássemos aquele dinheiro a ajudá-los.
Assim, já começamos a ter uma ideia da dimensão daquela quantia descomunal que tiraram dos nossos bolsos para passá-la para os bancos.
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Aqui surge uma nova interrogação:
Não estaria na altura de os bancos começarem a agradecer e a retribuír esta nossa extraordinária generosidade? Por exemplo, remunerando melhor os depósitos e baixando o custo global do crédito?
Não, não, não, NÃO, NUNCA!!! NEM PENSAR!!!
Vítor Bento, presidente da Associação Portuguesa de Bancos, explica-nos com simplicidade porquê, no Expresso Economia de 11-11-2022:
Curioso ainda um presidente desta associação não saber o que é um lucro excessivo, aquilo que um Zé da Esquina qualquer sabe. Na verdade, é impressionante como, no nosso país, pessoas ignorantes conseguem chegar a cargos de topo como este!
Ou então, uma explicação alternativa, é Ricardo Petrella que tem razão, numa entrevista na Economia Pura, nº11, pp.18-19) em relação às escolas de Gestão que ensinam (mal!) estas pessoas?
Não vemos diferença entre as escolas militares e as escolas de gestão. Foi por isso que propus há muito o encerramento das escolas de gestão, de “management business administration”. Estas escolas não ensinam. O que fazem é ensinar a matar. Formam matadores, conquistadores, winners. Não ensinam a gerir uma empresa.
A verdade é que estes cursos de Gestão já atraem estudantes com valores mais elevados naquilo que na Psicologia se chama de Tríade Obscura (Dark Triad): narcisismo, maquiavelismo e psicopatia (Vedel, A., & Thomsen, D. K. (2017). The Dark Triad across academic majors. Personality and Individual Differences, 116, 86-91.). O que explica de um Vítor Bento e de outros.
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Infelizmente, não são só os bancos a não ter nem ética nem humanidade.
Ou no Jornal de Notícias de 11-03-2023:
No comércio a retalho, os portugueses são todos os dias roubados. Aos preços de produtos de primeira necessidade são impostas escandalosas margens de lucro. Segundo a ASAE "no retalho, registámos margens médias de lucro bruto, referentes ao ano de 2022, entre: 20% e 30% (açúcar branco, óleo alimentar, dourada); 30% e 40% (conservas de atum, azeite, couve-coração); 40% e 50% (ovos, laranja, cenoura, febras de porco); e mais de 50% (cebola)". Este roubo prossegue em 2023.
Ou no Observador de 25-01-2023:
A Sonae MC, dona dos hipermercados Modelo Continente, fechou 2022 com um volume de negócios de 5.978 milhões de euros, o que traduz uma subida de 11,5% face aos 5.362 milhões registados em 2021. É o valor mais elevado de sempre.
Ou no Jornal i de 10-11-2022:
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Cada vez se torna mais premente a interrogação: Quem é mais afetado por isto? Ou seja, quem é que tem menos capacidade para fazer frente a estas dificuldades?
Como nos diz Gonçalo M. Tavares, na sua coluna no Jornal de Notícias de 12-03-2023:
Mas há mais:
Desigualdade salarial nas grandes empresas quase duplicou. Remuneração dos gestores subiu 47% em 10 anos, a dos trabalhadores recuou 0,7%.
CEO do PSI ganham 36 vezes mais do que os seus trabalhadores. Pedro Soares dos Santos, da Jerónimo Martins, tem o maior fosso salarial, ganha 186 vezes o salário médio bruto dos trabalhadores da Jerónimo Martins. Na Sonae, o salário de 82 trabalhadores não cobre o de Cláudia Azevedo. Moura Martins ganhava na Mota-Engil 49 vezes mais do que trabalhadores. Miguel Stilwell faturou €1,8 milhões, cerca de 42 salários médios da EDP. No BCP é preciso somar 34 salários médios para atingir o de Miguel Maya.
Ao mesmo tempo que, no Porto Canal, se lê:
Metade da população portuguesa recebe um salário abaixo dos 1050 euros brutos. (...) Além disso, as mulheres ainda não chegam a esse valor, uma vez que em 2021 metade das mulheres recebia apenas cerca de 987 euros por mês.
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O dinheiro não nasce das árvores, nem cai do céu. Para uns ganharem, alguém tem de perder, como acabámos de ver. Mas, em concreto, quanta miséria se criou e se mantém, em particular entre as crianças, por causa desta situação?
Por acaso, até podemos responder a esta pergunta - no Barómetro da DECO PROTESTE (15-03-3023):
Cerca de três quartos (74%) das famílias enfrentam, mensalmente, dificuldades financeiras, sendo que 8% se encontram em situação crítica: têm dificuldade em pagar todas as despesas ditas essenciais (mobilidade, alimentação, saúde, habitação, lazer e educação).
Aliás, segundo Luísa Loura, diretora da Pordata, em 2020:
Sem os apoios sociais, 4, 4 milhões são pobres ou têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza [554 euros mensais], o que passa para 1,9 milhões após as transferências sociais", explica Luísa Loura, diretora da Pordata.
Confirmado pelo primeiro-ministro na Assembleia da República.
Sobre as crianças, também podemos ter a resposta, vinda da própria ministra Ana Mendes Godinho do atual Governo. No Jornal de Notícias de 24-01-2023:
Em Gaia existem 4492 crianças em situação de pobreza extrema, afirmou a ministra do Trabalho e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho (...) sublinhando que a nível nacional o número ascende às "170 mil".
Saliento que não se trata de pobreza simplesmente, é «pobreza extrema»!
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Aqui, começa a impor-se uma nova pergunta: Qual o nome da ideologia que favorece uma situação como esta? A resposta é clara: Capitalismo (em todo o seu esplendor, diga-se de passagem!).
E quais as causas desta situação no nosso país? Na verdade, como disse atrás, só tínhamos que imitar as sociais-democracias do Norte! Porque riqueza produzimos e temos, como se viu. Porque não o fazemos?
Várias respostas surgem: a corrupção, a ganância, alguma desinformação, o desprezo dos dirigentes pela população em geral, etc. Ao que a população portuguesa vai respondendo, mas com um certo conformismo resignado (penso que se trata ainda de sombras longas do fascismo que não desapareceram).
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Mas não é só aqui que as crianças estão mal. Ainda esta semana, se soube que…
“Já tivemos crianças de 11 anos aqui” - O alerta é dado pela equipa da maior urgência de pedopsiquiatria do país: no Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa, são cada vez mais os jovens que tentam suicidar-se. Os números duplicaram em quatro anos, segundo Gonçalo Cordeiro Ferreira, o diretor da Pediatria Médica da unidade.
A violência nas escolas está a atingir proporções alarmantes, sendo que muito do bullying não chega sequer ao conhecimento dos professores, pais ou autoridades. Só aqueles em que o maltratado necessita de tratamento hospitalar. (...) Há evidências claras de que as escolas estão sobrecarregadas, o que leva a um mal-estar constante e se traduz num aumento de casos de bullying, automutilação e até tentativas de suicídio.
(…) acidentes rodoviários são a principal causa de morte entre os cinco e os 29 anos, (…) “A nossa geração mais jovem, se já não está a ir para o estrangeiro, está a morrer nas nossas estradas. (…)”
A invalidade de metadados (…) já destruiu dezenas de casos de pornografia infantil, tanto durante a investigação como na fase de julgamento. Quem o diz é Pedro Verdelho, director do Gabinete de Cibercrime, que coordena a actividade do Ministério Público na área da cibercriminalidade.
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Mas já chega de más notícias (e houve muitas que eliminei!). Vamos acabar com uma boa notícia: a Delta Cafés aderiu à campanha "Nem Mais Uma Palmada"!