domingo, setembro 16, 2012

E depois da manifestação?

Estive na manifestação contra a Guerra no Iraque (com milhares de pessoas em Portugal e mais uns milhões de pessoas por todo o mundo).
Estive nas megamanifestações dos professores.
E noutras. Sabemos a resposta que obtiveram por parte do poder.


Fazer manifestações dá-nos a ilusão de que fizemos alguma coisa. Mas não fizemos nada, a não ser mostrar que “não estamos a gostar”. Daí até conseguirmos demonstrar que “não aceitamos” vai uma distância considerável. E exige de nós bastante mais do que a participação numa simples manifestação (por mais convictamente zangada e/ou cívica que ela se revele).

Uma manifestação pode ter algum efeito numa democracia plena. Há muito que não estamos a viver numa democracia plena.
Para enfrentar com sucesso o poder instalado (do qual o poder político é, na maior parte das vezes, apenas um mero testa-de-ferro) outros meios são necessários.

No regime em que estamos a viver, só nos restam dois tipos de meios: a luta armada (foi assim que o 25 de Abril foi feito, com as armas a liderarem a iniciativa) ou a resistência não-violenta, que eu prefiro (e que nada tem de passiva, note-se!), embora implique grandes sacrifícios pessoais e familiares.

Não há melhor exemplo que a clássica história dos acontecimentos que se iniciaram com Rosa Parks, em 1955, no Sul dos EUA. Tendo pago o seu bilhete num autocarro, mandaram-na levantar-se do seu lugar para que um branco se sentasse. Ela recusou. Foi presa.
Foi anunciado um boicote aos autocarros pela comunidade negra. Esse boicote durou 381 dias, tendo a maior parte das pessoas feito o sacrifício de andar sempre a pé. Mas a lei que permitia estas iniquidades mudou. A empresa teve de escolher entre a falência ou a justiça. Optou pela última.

É que esta linguagem (a que põe em causa os seus lucros) é a que os empresários, banqueiros, financeiros e economistas, cuja ganância tem levado as famílias e o país à ruína, entendem.

E nós? Perceberemos o que temos de fazer? E quereremos fazê-lo?

sábado, setembro 08, 2012

Revelações de um discurso ao país



Quem tenha estado atento ao discurso do primeiro-ministro ontem, e não deixe que considerações pessoais interfiram no seu julgamento, ter-se-á apercebido que nas cerca de 2200 palavras que o constituem não se encontra uma única ideia que confira um sentido à vida actual dos portugueses.

Penso que se pode tirar quase tudo às pessoas, mas há duas coisas que não: a dignidade e o sonho.

Quanto à dignidade, os nossos governantes, banqueiros e muitos patrões vivem como se ela não existisse, nem para si próprios nem para os outros: é uma deficiência, uma incapacidade congénita, pelo que é difícil culpabilizá-los por isso. Adiante.

No discurso do primeiro-ministro evidencia-se a completa ausência de um sonho, de um ideal para Portugal. É grave e explica a violência com que esse discurso está a ser recebido por todo o país. É que o que move as pessoas não é o dinheiro (e muito menos o dinheiro dos outros) mas sim o sonho. Já Sebastião da Gama escrevia há muitos anos, com a imensa sabedoria de um coração puro, que “Pelo sonho é que vamos”. Roubem às pessoas os seus sonhos individuais e colectivos e o resultado será, no mínimo, imprevisível porque as pessoas se sentirão espoliadas no mais fundo de si.

Este discurso, em vez de motivar os portugueses para um esforço colectivo, revela várias coisas que incitam antes à revolta das pessoas bem formadas.

Primeiro, revela que o ideal indiscutível proposto por Abraham Lincoln, “que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra”, desapareceu até do horizonte do actual governo. Hoje, a preocupação revelada pelo primeiro-ministro neste discurso é de apenas obedecer às ordens do poder financeiro, interno (beneficiando empresas e bancos) e externo (a famigerada troika), assumindo-se assim como um mero testa-de-ferro de outros poderes que não o do povo que o elegeu.

Segundo, para o primeiro-ministro os pobres não existem. Só assim se explica que o sofrimento e a morte de tantos pobres (lembre-se por exemplo o aumento de mortes por gripe sem nenhuma razão por detrás que não o ter-se impedido o acesso à saúde aos mais desprotegidos) possa não constituir um problema para ele e nem sequer tenha sido considerado: no discurso, referem-se apenas aqueles que trabalham e aqueles a quem o seu trabalho foi roubado, mais ninguém (os pensionistas e reformados são referidos de passagem apenas para lhes lembrar o que lhes continuará a ser tirado).

Gandhi dizia que o critério para determinar se uma lei era boa ou má consistia em perguntar: esta lei beneficia os mais pobres de entre os pobres? Se sim, a lei era boa; se não, era má.

Para o primeiro-ministro os pobres não são de todo a sua prioridade. O culto assumido é apenas o do dinheiro.