quarta-feira, março 23, 2016

Bombas, do céu e da terra - Raquel Varela

«Sou das que acha que um trabalhador que resiste não é igual a um que desiste. Que fazer mal o trabalho em resposta às condições laborais más não é o mesmo que fazer bem e organizar uma greve. Olhar pela janela e parar de trabalhar não é boicote activo e consciente, como gostam os que citam Rancière. Tem valor quem junta as peças, não quem actua só, morto de pena de si próprio. Há desistentes, há mesmo, e há incansáveis, há mesmo; há quem fale muito e há quem olhe a vida com responsabilidade e acção, juntando o ser e o fazer, a palavra e o gesto. Há quem viva deprimido – desculpa contemporânea para tudo – , e quem se faz à vida conquistando o futuro. Não tenho simpatia por auto-vitimização dos mais pobres. Pena têm os patos. Não há desemprego, pobreza, ignorância que perdoe fazer-se explodir matando inocentes. São umas bestas humanas. Mas não compro a propaganda ocidental que passa em horário nobre imagens de corpos em Bruxelas e no mesmo horário nobre jamais, jamais, passou as mesmas imagens de crianças, corpos inocentes esventrados palas bombas ocidentais. As imagens que nos chegam das guerras dos nossos países são sempre uns pilotos cleans, umas luzes nos cockpits e depois uns prédios destruídos e, claro, os «nossos» homens de Estado, impecáveis, com a bandeira azul e amarela atrás, explicando ao povo como levam a democracia ao mundo. Esta guerra não é minha, nem são meus os «nossos» governantes nem choro um segundo pelo destino do Estado Islâmico. Por mim, caíam ambos com a força da civilização dos de baixo, ao som das minhas lágrimas de felicidade. Bombas, do céu ou da terra, são bombas. Se me perguntam o que fazer não sei. Sozinha não sei. Sei que não é com muros e um polícia em cima de cada um de nós que se vai resolver nada; sei que não se pode bloquear os meios de sobrevivência e produção dos povos; sei que o mundo nunca produziu tanto e tanta pobreza. Sei também que temos que voltar a reorganizar o movimento social – e para isso precisamos dos tais, que organizam e não olham pela janela. Mas o resto está por inventar. Não é por não ter a fórmula certa que apoio a errada – nenhum terrorismo de Estado resolverá o estado actual do terrorismo.»

in Raquel Varela

2 comentários:

Gi disse...

Apoiado.
Quem me dera, sabes o quê? Saber ser um líder.

Rui Diniz Monteiro disse...

Quando alguma vez sentires que precisas de ser líder, tenho a certeza de que saberás sê-lo.

Às vezes sonho: e se fosse possível construir um mundo, mais humano e menos animal, onde não houvesse necessidade de líderes em lado algum?