quarta-feira, junho 21, 2017

Encontro os livros

Adoro ler.
Digo isto e oiço de imediato vozes antigas que saltam:
“O menino não adora nada ler. Adorar só a Deus.”
Pois. Mas e se Deus não me fala e se remete a um silêncio total?

A questão é que me lembro de sempre desejar alcançar a sabedoria. Procurei Deus, mas não o encontrei. Também não tive a sorte de encontrar um mestre que me guiasse nos caminhos da sabedoria. Na realidade, até tenho dúvidas sobre aquela frase da tradição oriental: “Quando o discípulo está pronto, o mestre aparece.” Talvez eu nunca tenha estado pronto, é uma possibilidade.

Ah, mas encontrei os livros! Quando li Oscar Wilde, apercebi-me da chuva de revelações que a palavra escrita pode trazer. Quando li Antoine de Saint-Éxupery, apercebi-me das muitas camadas por que é constituído o texto escrito. Quando li Vergílio Ferreira, apercebi-me de como a nossa vida interior se vai enriquecendo extraordinariamente com cada livro lido. E, quando li Ray Bradbury, decidi que a minha vida seria dedicada a atingir aquela sabedoria que parecia estar por detrás de todas as histórias que ele escrevia.

Era um projeto perfeitamente ao meu alcance. Seria fácil, bastava-me, para isso, entrar em contacto com pessoas mais sábias e mais inteligentes que eu. O problema que me surgiu não foi de todo elas serem poucas, claro. O problema foi essas pessoas provavelmente não terem grande interesse em estarem em contacto comigo, dado que tenho de admitir que elas, tal como eu, desejam estar com pessoas mais sábias e inteligentes do que elas próprias.

É aqui que surgem os livros. Com estes posso estar em contacto íntimo com as pessoas mais sábias e inteligentes do planeta, independentemente de onde elas estiverem e do que estiverem a fazer. Na verdade, há ainda mais, posso “ouvi-las” as vezes que quiser, durante todo o tempo que eu precisar, posso pará-las numa frase e ficar com essa ideia, tentar percebê-la com tempo, dialogar com ela, criar novos pensamentos, novas revelações sobre mim próprio e sobre o mundo. Sentindo sempre uma satisfação profunda nesse processo.

Atingi a sabedoria, como desejava quando era miúdo? Claro que não, hoje sei que a sabedoria não é um ponto de chegada, não é algo que seja possível possuir como quem tem um carro ou uma conta no banco. A sabedoria é um caminho. E esse caminho abre-se à minha frente, com as suas múltiplas possibilidades, através dos livros. Com estes, vou caminhando, fazendo o meu próprio caminho («Caminante, no hay camino, / se hace camino al andar.», diz Antonio Machado). Acima de tudo, com prazer e sem precisar de o fazer sozinho (embora possa eventualmente estar só).

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