Adoro ler.
Digo isto e oiço de imediato vozes
antigas que saltam:
“O menino não adora nada ler.
Adorar só a Deus.”
Pois. Mas e se Deus não me fala e
se remete a um silêncio total?
A questão é que me lembro de sempre
desejar alcançar a sabedoria. Procurei Deus, mas não o encontrei. Também não
tive a sorte de encontrar um mestre que me guiasse nos caminhos da sabedoria. Na
realidade, até tenho dúvidas sobre aquela frase da tradição oriental: “Quando o
discípulo está pronto, o mestre aparece.” Talvez eu nunca tenha estado pronto,
é uma possibilidade.
Ah, mas encontrei os livros! Quando
li Oscar Wilde, apercebi-me da chuva de revelações que a palavra escrita pode
trazer. Quando li Antoine de Saint-Éxupery, apercebi-me das muitas camadas por
que é constituído o texto escrito. Quando li Vergílio Ferreira, apercebi-me de como
a nossa vida interior se vai enriquecendo extraordinariamente com cada livro
lido. E, quando li Ray Bradbury, decidi que a minha vida seria dedicada a
atingir aquela sabedoria que parecia estar por detrás de todas as histórias que
ele escrevia.
Era um projeto perfeitamente ao meu alcance. Seria fácil, bastava-me, para isso, entrar em contacto com pessoas mais sábias e mais inteligentes que eu. O problema que me surgiu não foi de todo elas serem poucas, claro. O problema foi essas pessoas provavelmente não terem grande interesse em estarem em contacto comigo, dado que tenho de admitir que elas, tal como eu, desejam estar com pessoas mais sábias e inteligentes do que elas próprias.
É aqui que surgem os livros. Com
estes posso estar em contacto íntimo com as pessoas mais sábias e inteligentes
do planeta, independentemente de onde elas estiverem e do que estiverem a
fazer. Na verdade, há ainda mais, posso “ouvi-las” as vezes que quiser, durante
todo o tempo que eu precisar, posso pará-las numa frase e ficar com essa ideia,
tentar percebê-la com tempo, dialogar com ela, criar novos pensamentos, novas
revelações sobre mim próprio e sobre o mundo. Sentindo sempre uma satisfação profunda nesse processo.
Atingi a sabedoria, como desejava
quando era miúdo? Claro que não, hoje sei que a sabedoria não é um ponto de
chegada, não é algo que seja possível possuir como quem tem um carro ou uma
conta no banco. A sabedoria é um caminho. E esse caminho abre-se à minha
frente, com as suas múltiplas possibilidades, através dos livros. Com estes,
vou caminhando, fazendo o meu próprio caminho («Caminante, no hay camino, / se
hace camino al andar.», diz Antonio Machado). Acima de tudo, com prazer e sem precisar de
o fazer sozinho (embora possa eventualmente estar só).
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