Recordemos que
«Em Gaia existem 4492 crianças em situação de pobreza extrema, afirmou a ministra do Trabalho e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho (...) sublinhando que a nível nacional o número ascende às "170 mil".» (JN, 24.01.2023)
Saliento que não é pobreza, é «pobreza extrema». Vejamos o que nos diz Inês Cardoso, Diretora do JN, 12.02.2023:
«Segundo dados da OCDE, em média em Portugal são necessárias cinco gerações para que crianças nascidas em famílias com dificuldades económicas alcancem o rendimento médio. As estatísticas das nossas universidades mostram bem as desigualdades sociais e a representatividade de jovens oriundos de meios desfavorecidos é ainda mais frágil nos chamados cursos de topo. Quase 75% dos estudantes de Medicina são filhos de pais que concluíram o Ensino Superior.
Em teoria, a escola é o melhor elevador social que conhecemos e aprendemos a acreditar num sistema que premeia o mérito, em que todos podem progredir com o seu trabalho. O que se comprova em sucessivos estudos é que essa progressão é lenta e o ensino tende a perpetuar diferenças sociais. Criar um contingente prioritário para alunos que beneficiam do escalão A de ação social, no acesso ao Ensino Superior, é por isso uma medida essencial para acelerar as mudanças e tentar reparar as avarias do elevador.
Haverá sempre quem diga, como já expressou o ex-ministro Nuno Crato, que "facilitar artificialmente a vida escolar dos jovens com dificuldades económicas não os beneficia". Em teoria, deveríamos ter recursos e medidas de apoio para os ajudar a entrar pela porta normal. Acontece que esses recursos não existem ou são manifestamente insuficientes. E acresce que mesmo com a maior eficácia da escola estes estudantes nunca estarão em pé de igualdade com os colegas.
Não se trata apenas de pensar em explicações e outros instrumentos que ajudam a atingir resultados. Há todo um mundo fora da escola que contribui para as aprendizagens ou, pelo contrário, as condiciona - com poder aquisitivo vêm livros, espetáculos, tecnologia, viagens e outras experiências que abrem horizontes e influenciam de forma difícil de determinar aquilo que se absorve na escola.
Como acontece com outros contingentes especiais, beneficiar deles não é um privilégio. É partir de um ponto no qual se está em desvantagem. Os contingentes existem para dar oportunidades a quem está habituado a não as ter. Não se dá nada sem mérito. Pelo contrário, corrige-se o facto de o mérito não bastar. Até ao dia, esperamos, em que a equidade não seja uma miragem e as vias especiais possam ser dispensadas.»
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