domingo, maio 28, 2023

Crianças discriminadas como seres não humanos

 

(Booking.com, página consultada em 20-05-2023)

Vi as fotos que uma amiga publicou de uma quinta no Douro. Fiquei com vontade de dar um mergulho naquela piscina. Procurei pelo nome, "não aceitamos crianças". Foi na mesma semana em que o B. me falou de um lugar incrível que havia no Algarve, "não aceitamos crianças com menos de cinco anos", avisava esta unidade hoteleira. Pensei fazer uma lista de todos estes nomes onde, se não aceitam o meu filho, também não me aceitam a mim. Depois, percebi que isto de ter espaços childfree - livres de crianças - está a alastrar. Há quem faça convites de casamento "só para adultos". Por mais que perceba que as crianças podem ser barulhentas, foram os adultos quem sempre me incomodaram. Fazerem das crianças um filtro na pesquisa de alojamento é muito discutível. Daqui a pouco, temos filtros para encontrar hotéis "gordosfree", "velhosfree", "mulheresfree"...

(Joana Almeida Silva, JN de 27-05-2023)

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Um mundo, qualquer mundo, sem crianças é um mundo onde a morte começa a instalar os seus arraiais. As crianças simbolizam o início, a renovação, a inocência e, acima de tudo, a alegria. Bem tristes devem ser as pessoas que não conseguem ver isto para além das birras e de outros comportamentos. Que são sempre, mas sempre, sempre, muito menos graves do que a selvajaria (ver parágrafo a seguir) de que os adultos são capazes (e que praticam, sim, claro, em todos os lados incluindo nesses lugares que proíbem a presença de crianças).

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Jornal de Notícias de 04-06-2023:


Bárbaro homicídio de criança de três anos à pancada e com torturas (...)

A semana de 14 a 20 de junho em que Jéssica esteve em cativeiro na casa dos homicidas, no Beco do Pinhana, foi de terror para a menina. Agredida de forma brutal, foi-lhe atirado um líquido abrasivo para a cara que a desfigurou e foi usada para tráfico de droga. A autópsia identificou 125 ferimentos no seu corpo (ver texto ao lado). Colocaram-lhe até cocaína à força dentro do corpo.

(...)

Em seis páginas do relatório da autópsia que consta na acusação aos alegados homicidas de Jéssica, o Ministério Público (MP) aponta 125 golpes no corpo da menina, incluindo o derrame de um produto abrasivo na face que lhe removeu por completo a pele do nariz e buço. Só na cabeça, são 25 os golpes, outros 60 nos braços e pernas, 30 no peito, seis no abdómen e cinco na zona genital.

Cristina e os filhos desta, Eduardo (o único em liberdade) e Esmeralda, de acordo com o MP, na semana de 14 a 20 de junho, utilizaram a menina como "mula" de droga e violaram-na, introduzindo-lhe cocaína no ânus, numa viagem entre Leiria e Setúbal.

(...)

Em maio, a menina já tinha sido entregue aos raptores durante dois dias por causa de uma primeira dívida de Inês por um serviço de bruxaria no valor de 100 euros. Ela conseguiu pagar, mas quando Jéssica lhe foi devolvida, estava tão maltratada e ferida, que "apenas se alimentou de líquidos durante uma semana", pode ler-se na acusação. Isso não impediu que, a 14 de junho, Inês a entregasse de novo. Desta vez, não sobreviveu.

Estas unidades hoteleiras receberiam estes adultos sem problemas, mas recusariam admitir a criança...

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Revolta sempre que se fazem generalizações abusivas a partir de uma minoria de casos. Porque a esmagadora maioria das crianças, na esmagadora maioria do tempo, porta-se bem – e eu sei do que falo, pois fui professor durante a maior parte da minha vida profissional (e não foi em escolas de elite!). Revolta, principalmente, que haja hotéis (sim, no Algarve também) que anunciam “Não são permitidas crianças”, como se se tratasse de animais e não de seres humanos.

E acima de tudo, dói que este tipo de discriminação não suscite uma revolta generalizada. Se fosse qualquer outro grupo da população, vulnerável e sem voz, o escândalo seria enorme. Com as crianças, acha-se natural.

quarta-feira, maio 03, 2023

Contra um país injusto, contra um país oprimido pela pobreza

 


Para as pessoas que desconhecem qual o meu posicionamento político (entendido no sentido lato e não de partidos), esclareço aqui o seguinte:

Eu estou sempre do lado dos mais fracos e dos derrotados. E sempre contra os violentos, contra os malvados, e contra os ofensivos e desrespeitosos. Acima de tudo, estou contra os carrascos e seus mandantes, colocando-me irredutivelmente do lado das vítimas. 

Nada disto tem a ver com a religião, porque sou, além de ateu, antiteísta na medida em que considero que a ideia de deuses trouxe mais horrores à humanidade do que benefícios. Portanto, absolutamente nada a ver com religiões.

Assim, nunca estive, estou ou estarei do lado de quem envolve os seus povos em guerras (para mim, dentro das soluções inaceitáveis, a guerra é a mais inaceitável de todas). Por isso, por exemplo, nunca salazarista, nunca putinista.

Além disso, não sou um fanático nem do cada um por si, nem da subjugação ao coletivo. Embora simpatize com as formas moderadas de ambas as posições: gosto de ter liberdade para fazer o que quero, ao mesmo tempo que acredito que devo alguns esforços e sacrifícios em prol do bem comum (do qual beneficio e, portanto, que tenho o dever de retribuir pelo menos em parte).

E só sou contra os fortes (incluindo os ricos) quando abusam do seu poder e da sua riqueza, lançando os outros na miséria.

Vejamos como isso acontece.


Recordemos como o Estado (isto é, todos nós) tem gasto muito mais do que isto com os bancos todos os anos:

“A Banca custou ao Estado 22 mil milhões de euros entre 2008 e 2021.”

22.000.000.000 € / 13 anos = 1.692.307.692€ por ano

Ou seja, cerca de 1700 milhões de euros por ano. Desta vez, foram “só” 459 milhões de euros! Mas o suficiente para fazer duplicar, note-se, duplicar o défice!

Claro que isto ajuda a que os bancos


O que dá mais de 10 milhões de lucros... por dia! À custa de famílias que vão perdendo as suas casas porque as prestações aumentaram brutalmente, chegando em muitos casos a mais do que duplicar em poucos meses!

Como eu gostaria de ouvir os partidos de direita a reagirem contra isto! Mas só os ouvimos a bramar contra o Rendimento Social de Inserção (RSI). Vamos comparar.

Nos últimos anos, o Estado tem gasto com o RSI, por ano, entre 300 e 400 milhões de euros. Mas a beneficiar perto de 200 mil pessoas e 100 mil famílias em dificuldades. Em vez da meia dúzia de bancos e de banqueiros com ordenados milionários.

Mas o problema não está só nos bancos…


Para dar estes dividendos (e isto só no PSI, isto é, nas empresas com mais de 1000 milhões euros de capitalização), nem consigo imaginar quantos terão sido os lucros!

Na verdade, não somos um país pobre, somos um país que está a ser claramente empobrecido pelos mais poderosos e mais ricos! 

Uma das formas que eles usam para empobrecer o país é pagando salários baixos e promovendo a precariedade.

Segundo o estudo Faces da pobreza em Portugal (2021), da Fundação Francisco Manuel dos Santos (p.19.), 32,9% (um terço) dos pobres em Portugal são trabalhadores. Isto é, são pessoas que com o que ganham não conseguem deixar de ser pobres, de tal maneira são mal pagos.

E, para quem acha que os pobres são uns malandros que não trabalham, será útil ver, segundo o mesmo estudo, os perfis da pobreza em Portugal:

1. «Trabalhadores»: 32,9%;

2. «Precários»: 26,6%;

O que é um “precário”? É

Uma pessoa que está numa relação laboral, no contexto da qual não consegue aceder a uma série de direitos que estariam afetos a essa relação laboral, por exemplo, a estabilidade, a remuneração garantida e periódica, o acesso a uma indemnização quando deixa de estar vinculada e o acesso a um sistema de saúde.

32,9 + 26,6 = 59,5%. Ou seja, mais de metade dos pobres trabalha!

3. «Reformados»: 27,5%;

4. «Desempregados»: 13%.

Portanto, os desempregados pobres que não trabalham e, eventualmente, talvez pudessem fazê-lo (digo talvez, porque aqui se incluem os doentes, os incapacitados, os que temporariamente estão sem trabalho, os analfabetos digitais, etc.), são pouco mais de 10% do número total de pobres.

Repare-se que, segundo o jornal online ECO,

A taxa de desemprego nunca foi tão baixa (5,8%) nem o número de pessoas empregadas foi tão elevado (4,9 milhões numa população ativa de 5,2 milhões pessoas).

Ou seja, apenas cerca de 300 mil pessoas estão atualmente desempregadas. Parece ótimo, não é verdade?

No entanto, segundo Luísa Loura, diretora da Pordata, e António Costa, primeiro-ministro de Portugal, sem apoios sociais, 4, 4 milhões de pessoas são pobres (têm rendimentos abaixo do limiar da pobreza - 554 euros mensais); passando para 1,9 milhões após as transferências sociais.

Como ficam as crianças neste panorama? Podemos imaginar, mas não é preciso, os números estão aí:

Segundo o Diário de Notícias

Cerca de uma em cada quatro crianças portuguesas com menos de 18 anos (22,9%) vivia, em 2021, em situação de pobreza ou exclusão social. (Eurostat)

E, segundo a ministra do Trabalho e da Segurança Social, Ana Mendes Godinho, o número de crianças em pobreza extrema, a nível nacional, é de 170 mil.

Lembremos que, há pouco mais de 2 anos, a Unicef alertou para os níveis crescentes da pobreza infantil em Portugal. Portugal era, a par de Itália e da Grécia, um dos países onde havia uma maior relação entre a pobreza infantil e a escassez de investimento em prestações familiares. Num relatório em que a Unicef admitiu que nos próximos cinco anos estes números deveriam aumentar.

É este o país que queremos? Onde até a vida e o bem-estar das crianças é completamente desprezado pelo grande capital? Eu não quero.

E termino, dizendo com Albert Camus: