domingo, novembro 13, 2005

Solidão sexual

Estou a ler o último livro de John Irving, "Until I Find You". Vou ainda na infância do personagem principal. O tema que percorre mais obssessivamente as páginas referentes aos 4 anos passados na escola primária é a educação sexual que ele recebe - ele está numa escola de raparigas e é com elas que se dá essa aprendizagem.
Não pude deixar de pensar que, para mim, a sexualidade foi uma permanente fonte de sofrimento durante uma parte significativa da minha vida: é que durante muitos anos, o meu desejo foi impossível quer de se libertar quer de ser satisfeito. Primeiro por uma atroz ignorância (até quanto à identificação da fonte do sofrimento), depois por uma igualmente atroz timidez!
Por isso, causava-me imensa perplexidade (e dor!) que se glorificasse a vida sexual em termos sempre jubilosos, o que aconteceu muito nos anos que se seguiram ao 25 de Abril (eu tinha 16 anos nesta altura). Não compreendia como é que parecia tão fácil e tão bom tudo aquilo que para mim era tão longínquo e difícil de atingir como os Himalaias! E nunca ouvi ou li uma voz que expressasse as mesmas dificuldades ou o mesmo sofrimento por que eu passei.
Mesmo hoje em dia pouco se encontra expresso ou confessado sobre esta faceta da solidão...
É como se se assumisse que este problema fica resolvido com a masturbação ou com o recurso à prostituição. Ora, não fica: aliás, sou de opinião que não só não fica resolvido como ainda cria mais outros problemas (com a prostituição parece-me óbvio; não apenas por isso, mas também, ela nunca foi uma opção que eu escolhesse para mim).
Este é um assunto a que gostaria de voltar. Principalmente, porque parece cada vez mais eminente o aparecimento da disciplina de Educação Sexual nas escolas. Será lamentável se nela não vier contemplado este tipo de solidão e de sofrimento.

11 comentários:

Sofia disse...

É curioso... Nunca pensei que as coisas pudessem ser vistas desta forma. Como associo o sexo aos afectos, sempre lhe chamei solidão afectiva. Vista pelo lado masculino, divide-se em duas, então. A solidão afectiva e a sexual. É isto?

joaninha disse...

Alô Rui! Gostei de ler este teu artigo e acrescento que é um dos temas que me tem apaixonado desde que o comecei a abordar com os olhos da psicologia. O tema é de muito maior profundidade do que o que possa parecer, e, o Prof. Julio Machado Vaz tem feito inúmeras referencias ao tema, mas penso que por o muito tabu ainda existente, poucas pessoas o abordam com a realidade que merece.
Tenho tentado estudar algumas coisas sobre isso e creio que, os factores de maior importância na solidão sexual, estão relacionados com algumas perturbações de caracter psicológico, que por vezes nem são abordados aos especialistas na matéria, com a naturalidade que os reveste.A dor e a tristeza, a saudade, a angústia e outros, levam a que não se ultrapasse a barreira que impede de se reconhecer que a pulsão sexual é inata (ID) e para se dar lições sobre sexo, há que conhecer todos os mecanismos dos seres vivos, muito em especial dos humanos.
Para já, uma boa semana e uma beijoca

jp(JoanaPestana) disse...

Palavra que já me cansa a contagem celular do tema, como se de cadáver se tratasse. Esmiuçar tudo como rato de laboratório, é retirar-lhe a arte dos sentidos. A em cima de B dá Z, ou não dá H ou I ou V? É tudo técnico e laboratorial. Concordo consigo quando diz que: "Será lamentável se nela não vier contemplado este tipo de solidão e de sofrimento"
Cumprimentos

Anónimo disse...

Olá Rui.
E porque é que tem sempre que ser à volta da solidão e do sofrimento? Porque é que não podemos abordar a expectativa da descoberta do outro, de nós próprios, do romance, do amor? Nem toda a vida tem que ser sofrida, já basta aquilo que não podemos evitar.
Beijinhos

Rui Diniz Monteiro disse...

Não, minha cara Sofia, não é isso... Primeiro, repara que eu refiro-me especificamente ao desejo sexual cuja satisfação pode passar ou não pelo afecto... tanto no "lado masculino" como no feminino, como penso que deves saber.
Segundo, hoje (na minha juventude ela era perfeitamente clara) é difícil de compreender como é possível separar afecto de relações sexuais... mas o crescimento dos números e da variedade de oferta mercantil para a satisfação do desejo sexual (para ambos os sexos, não apenas para o masculino, embora este ocupe uma posição dominante) revela que essa separação é uma realidade muito mais omnipresente do que gostaríamos de admitir. E interrogo-me sobre o que é que leva estas pessoas, muitas delas com família, não solitárias, a esta solidão sexual. E isso leva-me a interrogar-me sobre como viveram a sua sexualidade na sua juventude. Atrevo-me a responder que viveram mal.

Rui Diniz Monteiro disse...

Cara Bazuca, eu agora NÃO estou só! Além disso, na vida, não são muito mais interessantes e fecundas as questões do que as respostas?
Sabes, sou professor e a minha vivência difícil enquanto criança e jovem faz com que o contacto com crianças e jovens infelizes e sozinhos (mesmo aqueles que procuram aparentar o contrário e que tanto atormentam os mais tímidos) me aperte o coração. Ao pôr aqui a minha vivência é para eles que estou a chamar a atenção, não para mim.

Rui Diniz Monteiro disse...

Olá, Joaninha, obrigado pelo teu comentário.
Um aspecto desse tabu que sempre me causou uma certa perplexidade: o não se admitir que a sexualidade é algo de suficientemente perturbador (principalmente na nossa sociedade do espectáculo) para empurrar muitos jovens para a solidão.
Além de não haverem (ou não se publicitarem, será?) estudos sobre os clientes da indústria da satisfação do desejo sexual ou, para ser mais abrangente, da compensação da solidão sexual.
Tenho pena de desconhecer as intervenções do prof. Júlio Machado Vaz sobre estes temas.
Bj

Vitor Mota disse...

Realmente concordo que, para além de sermos seres pensantes, emocionais e espirituais, somos também seres sexuais (eu, que me casei há pouco, que o diga!)
No entanto acho que, grande parte do sofrimento sexual existente nos jovens é causado pela cultura/mentalidade de que a sexualidade não pode ser reprimida e portanto todos os impulsos sexuais devem ser satisfeitos senão, se é anormal ou outra coisa.
Acho que seria muito vantajoso considerar e valorizar a posição de que a abstinência sexual nos jovens é uma opção saudável e que pode evitar muitos problemas nos seus futuros relacionamentos.

Rui Diniz Monteiro disse...

JP, eu agora, como adulto, posso falar de arte. Mas quando era mais jovem eu nem sequer sabia do que falar nesta área... e, portanto, não falava nada.
Os meus colegas/amigos falavam, mas aquilo de que falavam e o modo como falavam sempre me chocou.
Infelizmente ainda hoje encontro muito desse modo de falar nos miúdos (eu lido com jovens dos 11 ao 16 anos).
Eu acredito que talvez não seja mau dar-lhes conhecimento de outros modos de falar e, portanto, de outros modos de ver o mundo da vida sexual... e afectiva, claro!
Obrigado pelo seu comentário.

Rui Diniz Monteiro disse...

Ana Psília, ah, mas como tu muito bem sabes, a solidão e o sofrimento existem.
Ou seja, há quem desconheça essas facetas positivas de que tu falas, quem não as saiba criar e desenvolver, ou que nem sequer as saiba apreciar.
Fazer de conta que tais pessoas não existem não constitui ajuda nenhuma para elas. Principalmente se forem jovens.
Daí o meu post.
Bj

Rui Diniz Monteiro disse...

Meu caro Vítor, agradeço sinceramente o teres vindo aqui trazer essa questão.
É que eu em jovem sofri muito com a abstinência sexual, portanto tenho dificuldade em a aceitar.
Do ponto de vista do que passei, pergunto-me se quando se fala de abstinência sexual em seres sexuais não é o mesmo que falar de abstinência intelectual em seres pensantes, ou de abstinência emocional em seres emocionais, ou seja, dum absurdo? E dum absurdo que traz muito sofrimento?
Gostaria mesmo de ver esclarecida esta questão, porque quase todas as religiões professam a abstinência sexual e eu sei do imenso capital de sabedoria que elas encerram, mas nunca consegui entender ou aceitar esta sua posição face às relações sexuais.
Um abraço amigo.