terça-feira, junho 10, 2008

Ainda Lawrence Durrell e "Clea"

"(...) e depois a Primavera apressou-se a ceder a este magnífico e último Verão, que chegou aos poucos, como se viesse de alguma latitude longamente esquecida que o Éden tivesse durante muito tempo desfrutado em sonho e maravilhosamente descoberto mais tarde entre os pensamentos dormentes da humanidade. Fundeou entre nós uma nave maravilhosa que lançou ferro diante da cidade e colheu as velas brancas como as asas de uma gaivota. Ah, procuro as metáforas capazes de evocar a felicidade penetrante raramente concedida àqueles que amam; (...)" (241)

(...) Lastimável não ser possível capturar a brilhante plumagem desse Verão, pois na velhice não teremos senão estas parcas recordações para alimentar a nossa nostálgica felicidade. Será a memória capaz de reter os quadros destes dias incomparáveis? Duvido... Na sombra lilás e espessa das velas brancas, debaixo dos sombrios cachos de figos, ao meio-dia, nas rotas lendárias dos desertos, onde progridem as caravanas de especiarias e onde as dunas afiladas sobem aos céus para captar, no seu sono deslumbrado, o palpitar das asas das gaivotas que passam como flocos de espuma? Ou as chicotadas geladas das vagas nos pontões desmantelados das ilhas esquecidas? E o sereno que tomba sobre os portos desertos, onde as velhas balizas árabes apontam os dedos enferrujados? A soma destas coisas há-de certamente subsistir algures. Contudo, ainda não assombraram a memória. Os dias sucediam-se no calendário do desejo, e as noites voltavam-se docemente no sono para repelir as trevas, inundando-nos de novo com a luminosidade real do Sol. Tudo conspirava para esta harmonia serena." (242)

"(...) as vinhas amadurecem docemente para testemunhar que, muito depois de os homens terem cessado de brincar com os instrumentos de morte por meio dos quais exprimem o seu medo de viver, os antigos deuses sombrios continuarão ali, debaixo da terra, ocultos no húmus... Estão indelevelmente enraizados no sonho dos homens. Jamais capitularão!" (301)


No Quarteto de Alexandria, para além da profunda miscigenação entre as paisagens (quentes e insuportavelmente luminosas, mesmo quando nocturnas) e os seres, existe uma permanente preocupação de não cair na vulgaridade, de não apresentar nunca personagens vulgares: eis por onde surge a minha adesão total a esta obra.

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