Tive uma infância cinzenta e chuvosa (nasci em 1958). Da sua maior parte, não me recordo nada. Mas lembro-me de me sentir estranho a tudo e como se estivesse sempre à beira do desastre. Ainda hoje. Só que hoje consigo distrair-me mais, consigo disfarçar melhor. Lembrar-me da minha infância é sentir-me sufocado.
Serve esta introdução para dizer que, quando penso em política no Portugal de Sócrates, em formas de intervir na sociedade, sou tomado por uma sensação de irremediável impotência, ou seja, de impossibilidade de mudar o que quer que seja que o poder não deseja ver mudado. Tal como na infância.
É certo que esta sensação de sufoco começou a ser criada no tempo de Barroso quando, depois da gigantesca manifestação contra a invasão do Iraque, ele seguiu em frente sem ligar nenhuma, levando atrás de si a generalidade dos meios de comunicação. E com os resultados que se sabem (milhares e milhares de vidas destruídas).
Mas Sócrates levou esta forma totalitária de fazer política a extremos inimagináveis (enfim, inimagináveis para aqueles que desconhecem o salazarismo e o nazismo): ele impôs um torno férreo a toda a livre iniciativa das pessoas que desejam dar seguimento aos seus ideais em colaboração com todas as pessoas da sociedade.
Cada vez mais as pessoas desistem da contestação e da participação cívica, sabem que ela ínútil e que funciona como se pura e simplesmente não existisse. Acredito que é assim que a juventude desistiu da luta por uma sociedade mais justa. Aliás, não desistiu: desapareceu!
Qundo penso na derrota de Sócrates, o que aspiro é a uma sociedade enfim liberta e capaz de respirar outra vez o ar puro da liberdade de movimentos, uma sociedade que se emancipa de uma infância imposta e opressiva. Que acredita na sua capacidade de se renovar com o consenso o mais alargado e responsável possíveis. Assim seja!
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