Júpiter: "(...) O doloroso segredo dos deuses e dos reis: é que os homens são livres. São livres, Egisto. Tu sabe-lo; eles é que não."
Egisto: "É verdade; se o soubessem deitariam fogo ao meu palácio. Há quinze anos que represento esta comédia para lhes esconder o seu próprio poder."
Sartre, Jean-Paul, As Moscas, Ed. Presença, 1965, p.124.
Há que dizer sempre, em todas as situações: eu não tenho de fazer isto, sou livre!
Eis os meus votos para 2010.
A vida. Tão pouco e tão tanto. (...) E todavia eu sei que "isto" nasceu para o silêncio sem fim... (Vergílio Ferreira)
quinta-feira, dezembro 31, 2009
quarta-feira, dezembro 30, 2009
Um dia de saia
Ontem, no cineclube de Olhão, La journée de la jupe, de Jean-Paul Lilienfeld.
Uma professora de francês vê-se, numa aula com alunos muçulmanos, com uma arma nas mãos. Dá a sua aula e, entretanto, vai descobrindo os horrores por que passam os alunos mais fracos (e que os professores nas escolas reais procuram ignorar no seu dia a dia, porque sabem que nada podem fazer).
O filme exagera? Não, em absoluto não. Uma das pessoas com quem fui ver o filme dizia no fim: "Felizmente que aqui em Portugal as coisas ainda não chegaram a este ponto!" Fitei-a com incredulidade. Tirando a componente religiosa que, aqui em Portugal, de facto, não tem grande peso, a verdade é que reencontro tudo o que já vivi em escolas portuguesas (excepto a arma de fogo, porque armas brancas já há muitos anos que elas entram na escola portuguesa).
E ainda há três coisas que eu senti falta no filme: o aluno delinquente de sorriso na boca e olhar frio (tive-o no ano passado); o envio de alunos, agredidos por colegas, para o hospital; e a sodomização de alunos (o filme refere a violação de uma aluna).
A professora é perturbada emocionalmente, como a crítica quis fazer passar? Só no sentido em que qualquer pessoa fica perturbada emocionalmente quando é acossada como ela o foi. Só no sentido em que ela não se deixa paralisar pelo medo e confronta os alunos com a sua violência (deles).
Um aparte: não vou entrar naquele discurso de tantos professores, e que aparecem retratados no filme, de comigo nunca tive problemas, eu, eu até consigo resolver tudo a bem. Vou ser claro: não consigo resolver nada; e, face à extrema violência verbal e física dos alunos, face à minha completa vulnerabilidade e ausência de autoridade (que foi retirada aos professores) eu paraliso de medo e fico incapaz de reagir.
O director diz no filme que o papel dos professores é serem baby-sitters, o que é falso. O papel não oficial dos professores é servirem de almofada para toda a violência adolescente e mantê-la confinada dentro das escolas. Ensinar não é de todo o mais importante (por isso é que a formação dos professores nunca incide sobre os conteúdos).
O filme tocou-me principalmente porque retrata a total impossibilidade de a escola proteger os alunos mais fracos dos delinquentes. Uma das vítimas do filme quer ficar sequestrada para sempre, porque só assim sabe que fica segura; outra das vítimas pretende fugir para a Austrália com a família e acaba, aliás, por matar porque sabe que é a única maneira de proteger a irmã que foi ameaçada.
Estou a ver as coisas de uma forma primária? Estou. E estou porque gente iluminada achou que se educa crianças e jovens sem eles nunca terem de sentir as consequências do que fazem de errado. Com a originalidade portuguesa de só se poderem dar castigos se o castigado concordar - se não concordar, só resta o castigo da suspensão que não é castigo nenhum porque as faltas ficam todas justificadas, o aluno não chumba, nem pode sequer ser avaliado pela matéria a que ele não esteve a assistir: em suma, ensina-se na escola portuguesa que o crime compensa sempre. Sempre.
Post-Scriptum: Mais uma vez, e tipicamente, é a pessoa que tem uma reacção saudável e normal face a uma situação, que é ou devia ser inaceitável e intolerável, que é vista como uma doente, como uma perturbada (outro nome para "louca").
Uma professora de francês vê-se, numa aula com alunos muçulmanos, com uma arma nas mãos. Dá a sua aula e, entretanto, vai descobrindo os horrores por que passam os alunos mais fracos (e que os professores nas escolas reais procuram ignorar no seu dia a dia, porque sabem que nada podem fazer).
O filme exagera? Não, em absoluto não. Uma das pessoas com quem fui ver o filme dizia no fim: "Felizmente que aqui em Portugal as coisas ainda não chegaram a este ponto!" Fitei-a com incredulidade. Tirando a componente religiosa que, aqui em Portugal, de facto, não tem grande peso, a verdade é que reencontro tudo o que já vivi em escolas portuguesas (excepto a arma de fogo, porque armas brancas já há muitos anos que elas entram na escola portuguesa).
E ainda há três coisas que eu senti falta no filme: o aluno delinquente de sorriso na boca e olhar frio (tive-o no ano passado); o envio de alunos, agredidos por colegas, para o hospital; e a sodomização de alunos (o filme refere a violação de uma aluna).
A professora é perturbada emocionalmente, como a crítica quis fazer passar? Só no sentido em que qualquer pessoa fica perturbada emocionalmente quando é acossada como ela o foi. Só no sentido em que ela não se deixa paralisar pelo medo e confronta os alunos com a sua violência (deles).
Um aparte: não vou entrar naquele discurso de tantos professores, e que aparecem retratados no filme, de comigo nunca tive problemas, eu, eu até consigo resolver tudo a bem. Vou ser claro: não consigo resolver nada; e, face à extrema violência verbal e física dos alunos, face à minha completa vulnerabilidade e ausência de autoridade (que foi retirada aos professores) eu paraliso de medo e fico incapaz de reagir.
O director diz no filme que o papel dos professores é serem baby-sitters, o que é falso. O papel não oficial dos professores é servirem de almofada para toda a violência adolescente e mantê-la confinada dentro das escolas. Ensinar não é de todo o mais importante (por isso é que a formação dos professores nunca incide sobre os conteúdos).
O filme tocou-me principalmente porque retrata a total impossibilidade de a escola proteger os alunos mais fracos dos delinquentes. Uma das vítimas do filme quer ficar sequestrada para sempre, porque só assim sabe que fica segura; outra das vítimas pretende fugir para a Austrália com a família e acaba, aliás, por matar porque sabe que é a única maneira de proteger a irmã que foi ameaçada.
Estou a ver as coisas de uma forma primária? Estou. E estou porque gente iluminada achou que se educa crianças e jovens sem eles nunca terem de sentir as consequências do que fazem de errado. Com a originalidade portuguesa de só se poderem dar castigos se o castigado concordar - se não concordar, só resta o castigo da suspensão que não é castigo nenhum porque as faltas ficam todas justificadas, o aluno não chumba, nem pode sequer ser avaliado pela matéria a que ele não esteve a assistir: em suma, ensina-se na escola portuguesa que o crime compensa sempre. Sempre.
Post-Scriptum: Mais uma vez, e tipicamente, é a pessoa que tem uma reacção saudável e normal face a uma situação, que é ou devia ser inaceitável e intolerável, que é vista como uma doente, como uma perturbada (outro nome para "louca").
terça-feira, dezembro 29, 2009
Ida ao cinema em Faro
Um BMW enorme, com um casal de velhos lá dentro, mete-se no lugar que esperávamos que vagasse para estacionarmos o nosso carro. Na fila para a compra dos bilhetes, umas jovens, atrás de nós, iam entremeando as suas falas com diversos "f...-se's" e "c...lho's". Quando nos dirigíamos para os nossos lugares, o jovem atrás de mim tinha as botas (em dia de chuva intensa) apoiadas no alto do encosto da minha cadeira... com os pais ao lado.
Ontem. Exactamente assim.
Cada vez vejo menos possibilidades de comunicação com o mundo, tal como ele está a ser construído.
Ontem. Exactamente assim.
Cada vez vejo menos possibilidades de comunicação com o mundo, tal como ele está a ser construído.
quarta-feira, dezembro 23, 2009
Feliz Natal
O que está dentro do que digo quando digo "Feliz Natal"?
Trata-se de um desejo; ou, talvez, de um pequeno conjunto de desejos.
Pequeno, porque sei que não é preciso muito para uma pessoa ficar feliz: um pouco de alimento e de sol, de amor, um livro, uma paisagem, e pouco mais...
Sim, é isto tudo, no fundo, meus amigos, aquilo que vos desejo para este Natal.
Boas Festas para todos!
Trata-se de um desejo; ou, talvez, de um pequeno conjunto de desejos.
Pequeno, porque sei que não é preciso muito para uma pessoa ficar feliz: um pouco de alimento e de sol, de amor, um livro, uma paisagem, e pouco mais...
Sim, é isto tudo, no fundo, meus amigos, aquilo que vos desejo para este Natal.
Boas Festas para todos!
terça-feira, dezembro 22, 2009
Balanço
Gosto do mar, da terra, do grande espaço azul do céu. Da Ria, da praia. Das árvores, dos campos, do cheiro, um cheiro forte e profundo exclusivo do Algarve.
E amo. Amo muito. E sou amado, muito bem amado.
Trabalho sem parar. Mas não recebo ordens de ninguém: quando querem alguma coisa, pedem-me. É bom. Como também é bom recuperar a dignidade no trabalho que realizo (ah, tudo o que deixei de ser obrigado a fazer e que ia contra a minha ética pessoal e profissional!) E na forma como os alunos recebem o que eu tenho para ensinar.
Tudo isto é gratuito? Não. Posso dizer que agora sou pobre. Não de sol nem de coração, claro. Mas pobre monetariamente. É o preço; e um preço justo, acrescento.
É este o balanço que faço. Um balanço feliz, sem dúvida.
E amo. Amo muito. E sou amado, muito bem amado.
Trabalho sem parar. Mas não recebo ordens de ninguém: quando querem alguma coisa, pedem-me. É bom. Como também é bom recuperar a dignidade no trabalho que realizo (ah, tudo o que deixei de ser obrigado a fazer e que ia contra a minha ética pessoal e profissional!) E na forma como os alunos recebem o que eu tenho para ensinar.
Tudo isto é gratuito? Não. Posso dizer que agora sou pobre. Não de sol nem de coração, claro. Mas pobre monetariamente. É o preço; e um preço justo, acrescento.
É este o balanço que faço. Um balanço feliz, sem dúvida.
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