domingo, dezembro 05, 2010

"Fala Comigo"

A Peste – Associação de Pesquisa Teatral levou à cena o espectáculo “Fala Comigo” com um texto inspirado numa peça de Tennessee Williams. Fui assistir anteontem e vim de lá entusiasmadíssimo. Aqui ficam alguns apontamentos.

Início: As minhas palavras não fazem justiça à excelência do espectáculo. Portanto, peço a quem me ler que tenha sempre presente que o espectáculo é mais e melhor do que o que aqui é dito.

Um. Apesar de o espectáculo dar liberdade para escolhermos o modo como nos queremos posicionar, a fim de podermos usufruir do máximo que tem para dar, ele vai surgindo como se de uma peça musical se tratasse, como se ali em cena estivesse a ser interpretada uma espécie de Fuga.

Dois. Aqui o tema do sexo como género permeia todo o desenrolar da peça. Na verdade, não há categorias, não há masculino e feminino definidos do princípio ao fim, mas antes um continuum que vai desde a masculinidade mais grosseira até à feminilidade mais pura. Independentemente do sexo dos actores que lhes dão corpo e voz.

Três. O texto em si é fabuloso. A interpretação não fica atrás. Percorre todos os cambiantes, desde o mergulho vertiginoso à distância embrutecida; desde a fala arrebatada à exposição depurada. Em todos os casos, o texto brilha no absoluto silêncio que, do princípio ao fim, se instala entre o público.

Quatro. A simplicidade de meios e de recursos, longe de ser um obstáculo à vivência do espectáculo, pelo contrário, permite-lhe um fluir por aquele espaço que os actores partilham connosco e que preenchem soberanamente com o seu corpo e com o seu texto.

Quinto. A peça alimenta-se, entre outras coisas, de contrastes sucessivos, como já referi anteriormente. Aqui quero falar da degradação do ser humano, principalmente associada a um desejo estéril de fuga. Mas quero principalmente falar da “Cantiga de Alevantar”, uma impressionante canção, de resistência, de José Mário Branco. E dos rostos, dos olhares, limpos mas duros e questionadores, dos actores sobre nós os espectadores… à espera, para sempre à espera que nós realizemos, que nós mudemos, que nós preservemos qualquer coisa de claro e luminoso nestes tempos sombrios por onde tanta coisa boa se escoa, se esboroa.

Fim. O final fortíssimo, a fazer jus a toda a peça. Como se os actores e o encenador, eles, nos quisessem dizer, queimando a nossa alma, todos o nossos sentidos: “Não se esqueçam, não se esqueçam do que aqui viram e ouviram”.

Não esqueceremos.
 
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Entrada gratuita. Ainda 5ª e 6ª feira, dias 9 e 10 de Dezembro pelas 21:30, campus de Gambelas da UAlg, no Laboratório de Teatro e Artes Performativas da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais. Reservas pelo telefone 289 800 914 (Horário: segunda a sexta-feira, 9h00-12h30 e 14h00-17h30).


Adenda: Publicado aqui

3 comentários:

Joaquim Moedas Duarte disse...

Que belas palavras! Há entusiasmo, força, comunicação muito forte. Que bom, Rui.Tu és um espectador/actor da vida!
Obrigado!

Rui Diniz Monteiro disse...

Obrigado,Méon!

Infelizmente, ando com tão pouco tempo que nem disponibilidade tenho para escrever coisas de jeito.

Este texto surgiu num momento de grande intensidade emotiva e aqui ficou.

Eu é que tenho de agradecer a tua amizade e paciência comigo.

Atrasadíssimo, aqui fica um grande abraço e votos de um Feliz Natal e um Óptimo Ano Novo!

Anónimo disse...

Rui...é Tenesse Williams!
Uma FORÇA que obriga a ser um ARTISTA quem o reprersenta.
Daí a tua admiração.
bj