Como dizia Vergílio Ferreira, não
basta ler, é sempre preciso ler um pouco mais (Conta-Corrente 3, 22 de
Dezembro de 1980). A minha sugestão de leitura para Ricardo Robles e Catarina Martins é Huis-Clos,
de Jean-Paul Sartre (À Porta Fechada, na tradução portuguesa de
Virgínia e Jacinto Ramos, Livros Cotovia, 2013). Assim, perceberiam melhor o
que lhes está a acontecer. Mas eu vou dar uma ajuda.
Nesta peça de teatro, Garcin está
no inferno depois de, num contexto de guerra e sendo um pacifista, ter
resolvido fugir para outro país (México) para fundar um jornal pacifista e não
permitir que a sua voz fosse silenciada. Foi apanhado, julgado e fuzilado, e a
opinião generalizada entre os vivos é a de que ele fugiu e foi, portanto, um
cobarde. Este é o dilema de Garcin e do qual só ele pode decidir (apesar de
pedir aos outros que o façam por ele): foi ou não realmente um cobarde?
Ele analisa as razões que o levaram
a fugir, mas «O ato lá estava. Eu… Eu parti no comboio, aí está uma coisa
certa.» (p. 45). Os outros «Pensam: Garcin é um cobarde. Eis o que decidiram os
meus companheiros. Daqui a seis meses dirão: cobarde como Garcin.» (p. 46)
Ricardo e Catarina não entendem qua
a opinião pública, mais até do que a publicada, já decidiu também. Além de
pensar como Inês:
«Sonhaste trinta anos que eras corajoso e passavas por cima de mil fraquezas, porque aos heróis tudo é permitido. Como isso era cómodo! Depois, na hora do perigo, encostaram-te à parede e… apanhaste o comboio para o México. (…) Só os atos decidem aquilo que quisemos. (…) Ah! Como tu agora vais pagar! És um cobarde, Garcin, um cobarde, porque eu quero que sejas um cobarde. Eu quero, ouves, eu quero! E no entanto vê como sou fraca, um sopro; não sou nada para lá do olhar que te vê, para lá deste pensamento incolor que te pensa. (…)» (p. 51)
Infelizmente, ao que indicam as
suas declarações, Ricardo Robles acabará, se é que não o fez já, por concluir,
como Garcin: «[No inferno] Não são precisas grelhas [para tortura]: o inferno
são os Outros.» (p. 53)
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