Não sabia como é vasto, árido e escarpado o país que o viajante da vida tem de atravessar para poder aceitar a realidade. É uma ilusão pensar que a mocidade seja feliz, uma ilusão daqueles que a perderam. Os jovens sabem que são miseráveis, pois alimentam os falsos ideais que lhes foram incutidos e todas as vezes que entram em contato com o real sentem-se magoados e contundidos. Dir-se-ia serem vítimas de uma conspiração. Os livros que lêem, livros ideais pela necessidade de seleção, e a conversa dos mais velhos, que olham para o passado através da nuvem rosada do esquecimento, preparam-nos para uma vida irreal. São obrigados a descobrir por si próprios que tudo o que leram e tudo o que lhes ensinaram é mentira, mentira, pura mentira. Cada nova descoberta é mais um prego que lhes fixa o corpo à cruz da vida. (…) (p. 111)
Esta foi mesmo a minha vivência (nasci em 1958 e na biblioteca do meu pai estavam muitos livros cuja leitura me era proibida).
Hoje, penso que é diferente. Porque, desde crianças, todos têm acesso aos aspetos mais sórdidos e doentios da realidade e da fantasia do mundo (no entanto, não esqueçamos que tudo o que possamos ler, livros realistas ou não, tudo é sempre irreal porque 1) é a perspetiva singular de quem está a escrever; e 2) as palavras não espelham a realidade nunca).
Quem fica ou ficou melhor? Não sei responder. Mas avento a hipótese de que a sociedade, essa, fica pior. Pois parece-me que uma sociedade evolui principalmente devido àqueles que não aceitam as deformidades que ela revela, isto é, àqueles que (muito provavelmente com a leitura que dá mais espaço à reflexão) criaram dentro de si um ideal e que não se resignam.
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