Há uns dias escrevi isto a propósito do pai que abandonou os filhos na estrada:
"Gostaria de poder dizer que a culpa é de Sócrates que instituiu um clima de falsidade, de crueldade e de inveja, e erigiu tudo isto a valores do regime.
Gostaria de poder dizer que a culpa é das pessoas que acham que ser-se bom não dá "pica".
Gostaria de poder dizer que a culpa é do dito pai. Mas sobre isto nada sei dizer, porque tudo o que se diga é dizer pouco.
Posso dizer que a culpa é minha por todas as vezes em que fui cruel, ou em que deixei passar em silêncio a crueldade dos outros. Isto, eu sei."
Assisti por vídeo à execução de um criminoso. A razão apresentada para tal acto foi ele estar a ameaçar de morte uma vítima inocente.
Toda a gente mostrou uma desmesurada alegria pelo acto.
Mas eu questiono-me.
A pena de morte foi legalizada em Portugal? Ou já se pode matar para prevenir crimes de morte? Ou seja, sempre que alguém apontar uma arma à cabeça de outra, o assassínio fica automaticamente justificado? Isto sempre sem passar pelos tribunais, claro.
Se eu fosse um dos reféns como estaria a sentir-me agora? Aliviado, sim, sem dúvida. Mas o facto de toda a gente dizer, sem o dizerem explicitamente, que eu fui a causa da morte de um ser humano, isso deixar-me-ia indiferente? Ou agoniado?
E, finalmente, se o executado fosse português, sem cadastro tal como eles, e a execução fosse no Brasil, por um sniper brasileiro, o gáudio geral seria o mesmo (como João Marcelino e Ferreira Fernandes)?
Sinto-me inquieto. Não sei se este é o país com que me identifico. Além disso, estarei alguma vez a salvo no meio deste ódio todo, no meio desta miserável alegria?
Nota: JoãoMarcelino no DN: "(...) Solidarizo-me com a dor deles. (...)" Com a das vítimas? Com a da família das vítimas? Com a da comunidade brasileira em Portugal? Com a dos reféns, por se poderem sentir a causa da execução? Não, não, não e não. A solidariedade (a identificação?) é com os carrascos... A Loucura da Normalidade (Arno Gruen)
1 comentário:
Pedindo antecipadas desculpas pela “invasão” e alguma usurpação de espaço, gostaríamos de deixar o convite para uma visita a este Espaço que irá agitar as águas da Passividade Portuguesa...
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