"Eu não me sinto nada velho(a), sei que tenho ainda muito para fazer e viver", ou "Não sinto a idade que tenho", frases comuns, banais em pessoas a partir de uma certa idade.
Eu também as ouço e apercebo-me que, subjacente, está o medo da morte ou de uma doença incapacitante. Não me identifico com isto, aliás nunca as digo. A morte causa-me realmente pavor, mas é a dos outros, não a minha. Por causa da perda que representa essa morte, sinto na carne o que será a falta dessas pessoas, a sua ausência. Agora, a minha...
Na verdade, acho que sei o que poderei sentir quando a minha morte começar a ficar gritantemente próxima.
Nunca tinha vivido sozinho até me separar. Nos primeiros tempos isso não me trouxe qualquer problema porque trabalhava o dia todo na escola (em Loures) e, ao fim da tarde, levava o meu filho à natação ou à música, chegando a casa (na Costa da Caparica) pelas 8 ou 9 da noite. O fim de semana passava-o com a minha família. Não dava para me sentir só, apenas me sentia liberto de um pesadelo.
Mas, na semana entre o Natal e o Ano Novo, o caso passou a ser outro muito diferente: o isolamento total caiu sobre mim. Sem escola, sem o meu filho, os amigos e familiares a trabalharem ou de férias longe (só começaria a namorar alguns tempos depois)... e, ainda por cima adoeço!
Tratou-se de uma simples gripe, mas foi o bastante para eu ser tomado de uma angústia enorme: cheio de febre, a ter de fazer compras e a comida para me alimentar, ter de ir à farmácia para comprar medicamentos, a pensar como conseguiria ir sozinho ao centro de saúde se as coisas piorassem, sem saber a quem podia recorrer numa emergência, tudo isso deu origem a que, num desses dias em particular, fosse invadido por uma sensação verdadeiramente horrível sobre a qual perdi todo o controlo. Soube mais tarde que tinha sido vítima de um ataque de pânico.
Fosse o que fosse, a verdade é que nunca mais esquecerei esse dia terrível por que passei.
Isto para dizer que, na pior das hipóteses, será assim, penso eu, com um pânico e uma solidão semelhantes, que provavelmente me aproximarei da morte. Portanto, apesar de ser ateu e de não acreditar em vidas para além da morte, encaro esta com distância mas também com aceitação.
Agora a morte dos outros, é que não, de todo: não consigo, nem nunca conseguirei encará-la com naturalidade, seja na vida real, nos livros ou nos filmes. Revolta-me sempre a sua existência e apavora-me, profundamente, a sua cegueira e inevitabilidade.
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