sábado, outubro 01, 2011

Praxes e psicólogos

Já escrevi aqui contra estas práticas aberrantes. Então, espantava-me com as atitudes dos professores face a elas. Hoje, viro-me para os psicólogos: os que o vão ser no futuro e os que ensinam a sê-lo. Na Universidade do Algarve.


Do Meta Código de Ética aprovado pela Assembleia Geral de Atenas em Julho de 1995:

Os psicólogos também se empenham  em ajudar o público a desenvolver opiniões fundamentadas e escolhas no que respeita ao comportamento humano e empenham-se ainda em ajudar o público em geral a melhorar a condição humana individual e em sociedade.


Os psicólogos defendem o respeito apropriado e promovem o desenvolvimento dos direitos fundamentais, dignidade e valor de todas as pessoas. Eles respeitam o direito de (...) auto-determinação e autonomia, consistente com as outras obrigações profissionais do psicólogo e com a lei.


(...) Os psicólogos evitam prejudicar e são responsáveis pelos seus próprios actos e certificam-se, tanto quanto podem, que os seus serviços não são inadequadamente utilizados.


3.1. Respeito pelos Direitos e Dignidade do Ser Humano: (...) c) Evitamento de práticas que sejam o resultado de vieses incorrectos e que possam conduzir a discriminação injusta.


Os alunos do 1º ano (muitos deles longe da suas casas , das suas famílias, vulneráveis e assustados pela nova vida que estão a iniciar) são recebidos e tratados como "bestas" (é assim que são chamados), entram em desespero e terror perante as práticas brutais a que são sujeitos, e chegam a dizer que querem abandonar o ensino universitário por não suportarem mais a maneira como são tratados. E isto às mãos de colegas mais velhos (também do curso de Psicologia)!...

Estes indivíduos, que retiram um óbvio prazer das práticas sádicas que promovem (ainda por cima, certamente, com um conhecimento refinado pelo curso que andam a tirar), estes indivíduos: que tipo de psicólogos se irão tornar?

Porque grande parte de tudo isto é feito às claras, à frente dos olhos de toda a gente, acrescento que sinto uma enorme tristeza pela impotência e incapacidade reveladas pela minha Universidade (que aprendi a amar e a respeitar desde que para lá entrei) em conseguir proteger desta violência os seus alunos mais jovens e mais desamparados


Adenda:
A mim espanta-me que os jovens não percebam o sofrimento que infligem, nem o quanto se rebaixam ao rebaixarem os outros.
Mas, não compreendendo isto, há que arranjar maneiras de moderar a sua acção. E isso parece-me que só será conseguido através da acção de pares (já que os adultos, eu incluído, note-se, se mostram impotentes).
Já por várias vezes tenho sugerido que se deveriam organizar grupos de 2 ou 3 estudantes dos últimos anos que andariam pelo campus com a função de apoiar os alunos do 1º ano que precisassem de ajuda.
Esses grupos, sendo naturalmente constituídos por jovens em desacordo com a forma como as praxes se desenvolvem, não teriam por função entrar em confronto com os praxadores, mas apenas mostrar aos mais novos que eles têm liberdade de escolha, que não são obrigados a suportar tudo o que lhes é feito.
Teriam, assim, um papel moderador e talvez conseguissem prevenir muitos abusos, só pelo efeito da sua presença.

3 comentários:

Vita C disse...

Não sei como é agora. Entre em Psicologia na Universidade de Lisboa em 1998 e as praxes eram, no verdadeiro sentido da palavra, uma forma de integrar os alunos. Lançada a polémica da frase, passo a explicá-la: fomos pintados com creme nivea com corantes, para não irritar a pele, fizemos peddy paper para que quem não fosse de Lisboa passasse a conhecer a cidade (incluindo o antigo espaço Ágora, sempre aberto para os alunos ficarem durante a noite a trabalhar), fizemos grupos de trabalho e, atente-se, podíamos perfeitamente dispensar as praxes. Havia o chamado tribunal de praxe e coisas assim, mas nada de meter medo. Era, repito, uma forma de integração que os caloiros, nos anos seguintes, tentavam transmitir aos que então entravam na faculdade. Recordo-me de ir a outras faculdades no início de outros anos lectivos e, como sempre tive cara de miúda, me quererem praxar. Nunca entendi o porquê das humilhações se pode, porque eu vivi a situação que o prova, fazer da praxe uma efectiva forma de integração.

Rui Diniz Monteiro disse...

Não percebo porque as praxes acabaram por cair nesta violência toda. Quer dizer, avanço com duas hipóteses de razões: 1ª é que o poder corrompe e de facto, os estudantes mais velhos exercem-no sobre os mais novos; 2ª, talvez seja mais difícil, hoje, distinguir o que é brincadeira do que é simples malfeitoria.
Mas, no fim de contas, também partilho consigo a sua perplexidade face a este fenómeno.
Obrigado por partilhar aqui a sua experiência (que mostra que as alternativas são possíveis).

Voice_Of_The_Opressed disse...

Caro Rui sou um ex aluno de Psicologia da ualg, tendo entrado em 2004, ja la vão uns bons anos, deparei-me sempre com o deploravel cenario das praxes e toda a tradição academica que mais nao representa que uma catarse para a descarga de frustrações, e demais problemas mentais, e fui o unico do meu ano, numa turma de 55 alunos que se declarou anti praxe sem ter "provado", felizmente hoje em dia o fenomeno é mais contestado, nao deixe de lutar rui, de facto ja falei com alguns ex colegas e seria interessante realizar uma tertulia, reunião seja o que for para debater as consequencias na formação do caracter e o impacto nas universidades e formação de valores das tradições academicas.