quarta-feira, novembro 16, 2016

Do que se não falou ontem no a todos os títulos estimulante debate “O que é o elitismo na cultura?”

(e em que eu teria gostado muito de ouvir a opinião dos presentes)

Poder ou falta de poder das elites culturais. O tema foi sugerido pela moderadora, Anabela Afonso, que convidou os presentes a estabelecerem ligações com a eleição de Trump nos EUA (feito conseguido com um discurso também contra as elites). Será que as elites culturais alguma vez tiveram poder? Duvido. Elas foram acarinhadas, toleradas ou simplesmente rejeitadas pelo poder. Penso que raramente lhes foi permitido participarem desse poder. Claro que décadas ou séculos depois, o que fica é o que foi produzido por essas elites, o que dá a sensação de que elas, na altura, possuíam muito mais poder do que na realidade tinham. Um tema que ficou por explorar mais aprofundadamente.

Elites dentro de elites. Dentro das próprias elites surgem hierarquias, em que as que estão acima olham para as de baixo. Mas tenho dado conta que raramente olham para cima e, por isso, cada nível vê-se a si mesmo como árbitro mais ou menos indiscutível do bom gosto e do bem saber. Um tema auto-reflexivo e, por isso, difícil de analisar e desenvolver, mas útil para pensar sobre o papel e a responsabilidade na cultura, bem como os seus limites.

Efeito benéfico de haver elites. Isto é uma experiência pessoal. Não é possível transmitir o prazer que sinto quando, face a um elemento de uma elite cultural, eu me defronto com a minha ignorância e me é proporcionada a partilha da sua forma de olhar, de saber e de usufruir. Como estou a falar do ponto de vista pessoal, atrevo-me a destacar três de muitos exemplos de contacto que me permitiram e continuam a permitir subir muito acima de mim; e, sem os quais, eu talvez tivesse ficado muito abaixo de mim. Por ordem cronológica: Vergílio Ferreira, Eduardo Prado Coelho e Frederico Lourenço. É assim, sou um fã das elites: tornam-me melhor. Note-se que este tema foi aflorado por vários dos palestrantes, com destaque para o relato de uma experiência no Brasil de que foi testemunha o Prof. Dr. António Branco.


Efeito perigoso de não haver elites. Por mais elevado que seja o nível cultural da população em geral, eu acredito na aspiração humana de mais e melhor. Por isso, o desaparecimento de elites culturais, mesmo que pelas melhores razões, parece-me que pode levar à estagnação e à morte. Sabe-se da biologia que são os meios ambientes mais heterogéneos aqueles que têm melhores capacidades de sobrevivência e de resistência. Sou a favor da heterogeneidade cultural. Em consequência, sou também a favor do estabelecimento de valores culturais (senão vale tudo o mesmo). Onde ambos existem, deverão existir necessariamente elites culturais. Um tema também possivelmente controverso, concordo.


domingo, novembro 13, 2016

Como Trump aliciou a América

Trump foi muito inteligente. Senão, vejamos.

Começou por dar voz ao medo das pessoas que se sentem cada vez mais desamparadas, solitárias e fechadas nas suas casas esvaziadas pelo desemprego, a ver uma televisão que quase só apresenta conteúdos pouco confortantes. Num mundo globalizado de cujo funcionamento compreendem cada vez menos e sobre o qual, segundo lhes é dito, não têm poder algum.

De seguida, transformou esse medo em raiva dirigida a uma variedade de objetos (sistema, imigrantes, muçulmanos, etc.) suficientemente grande para satisfazer todo o tipo de pessoas. Além disso, ele, Trump, estava ali com a possibilidade de lhes dar a voz e o poder que elas sentem que deixaram de ter. Deu, assim, a ilusão de que o desamparo podia deixar de existir.

E, principalmente, Trump ofereceu um sonho: Make America Great Again. As pessoas têm imensa fome de sonhos. Especialmente, de sonhos pelos quais se possam transcender e ir para além das suas vidas tristes, mesquinhas e assustadas. Além disso, com a palavra Again, as pessoas viram-se transformadas em portadoras de uma tradição antiga, de um valor muito maior do que elas próprias. Numa época em que elas sentem, com amargura, que as tradições e os valores que lhes davam sentido às suas vidas se estilhaçaram, Trump veio trazer-lhes a promessa ilusória de um novo alento.

Por fim, ofereceu-se ele próprio para representar, ser estandarte e liderar esse movimento em direção a este sonho.

Compreendemos que é difícil resistir. Apesar de sabermos (e de ele saber!) que não se pode voltar para trás. Mais: que não queremos voltar para trás!


sexta-feira, novembro 11, 2016

Democracia… ou não?

(…) Também não sou democrata. Acho que a política é assunto demasiado sério para que o voto de um cretino possa valer o mesmo que o voto de um cidadão esclarecido. (…)” (comentário de um respeitável comentador do Facebook).

Três aspetos.

Primeiro, eu sou democrata. Mas não vivo numa democracia real.

Vivo num país da alegada “União Europeia” onde quem manda nos países são uns todo-poderosos que nunca foram eleitos por ninguém e que não são responsabilizados pelo que fazem (a nível mais local, a única exceção é a Islândia). E vivo num país onde se considera normal ser-se eleito com um programa que, após as eleições, é pura e simplesmente deitado ao lixo.

Quanto a mim, este regime é, na sua essência, profundamente anti-democrático. Note-se que não penso que se trate aqui de uma ditadura, apenas de uma não-democracia (o que não é pouco, por que a interrogação que se segue é: estamos a caminhar para que tipo de regime?).

Em segundo lugar, admitamos que um governo possa ser escolhido só por “cidadãos esclarecidos”. A “million dollar question” é: quem os escolhe a eles? Olhando para a história, o que se pode ver é que “cretinos” escolhem cretinos, corruptos escolhem corruptos, extremistas escolhem extremistas, etc. Mais uma vez, por favor: quem escolhe os “cidadãos esclarecidos” com direito a voto? Na minha opinião, ou não há resposta, ou esta, admitamo-lo, será, no mínimo, preocupante.

Em terceiro lugar, acredito num fenómeno estatístico, que é a regressão à média: numa série de acontecimentos, os resultados tendem a aproximar-se da média. Por exemplo, se eu lançar uma moeda 5 vezes ao ar, na melhor das hipóteses pode dar 3 vezes cara e 2 vezes coroa (probabilidades de 60% e 40% respetivamente). Porém, é facílimo sair 4 vezes cara e 1 vez coroa (80% e 20&, respetivamente). Ou seja, é facílimo o desequilíbrio pronunciado.

Mas se for lançada 1000 vezes, é bem mais difícil acontecerem estas percentagens. Digamos que poderão sair, por exemplo, 480 vezes cara e 520 vezes coroa, e aí temos uma aproximação à média: 48% e 52% respetivamente, já muito próximos dos 50%. Ou seja, é mais difícil o desequilíbrio.


Então, eu prefiro que haja muita gente a votar porque, apesar dos “cretinos”, os resultados tenderão para uma média, mesmo que de vez em quando alguns deles sejam extremos.

Leonard Cohen

«I´m very touched by the attention that you payed to my music over all these years. I’m growing older everyday, but you’ve kept my songs young, and I thank you for that.» (Live 1985)

(...) Now I look for her always
I'm lost in this calling
I'm tied to the threads of some prayer
Saying, When will she summon me
When will she come to me
What must I do to prepare
When she bends to my longing
Like a willow, like a fountain
She stands in the luminous air
And the night comes on
And it's very calm
I lie in her arms and she says, When I'm gone
I'll be yours, yours for a song (...)

(Night Comes On... 10/11/2016)


quarta-feira, novembro 09, 2016

O que podemos fazer

Ao saberem que Trump ganhou, muitos milhões de pessoas passaram o dia de hoje em profunda aflição. Por si, pelos seus ou por outros.
A vida tem altos e baixos e podemos estar a viver um baixo que irá arrastar atrás de si ainda mais baixos.

O que podemos fazer? A minha resposta é:
Sendo sensíveis ao sofrimento dos mais fracos e dos mais injustiçados, começarmos a preocupar-nos verdadeiramente em os proteger.
Comprometermo-nos, por intenções e atos, a equilibrar a crueldade que sobre eles possa cair. 
Apoiarmo-nos uns aos outros e fazermos do nosso espaço de influência um lugar de refúgio, de paz e de esperança para todos na vida do dia-a-dia.
Para que, à nossa volta, todos, mas todos mesmo, possamos encontrar acolhimento, ajuda, consolo e forças para enfrentar o que quer que aí venha.


Isto está perfeitamente ao nosso alcance conseguir. Ninguém nos pode impedir de o fazer.