Cerca de um mês antes da prova de aferição os meus alunos fizeram durante várias aulas, e na sala de aula, um trabalho de grupo; seguiu-se uma aula em que o trabalho foi discutido e corrigido perante todos.
Naquela prova saiu uma pergunta que eu tinha incluído no trabalho de grupo, mas com um âmbito muito mais alargado e mais complicado.
Tenho duas turmas de 9º ano, uma boa e outra mais fraca, 23+25 = 48 alunos. Quantos responderam ou responderam correctamente à pergunta da prova? Nenhum!!
Temos aqui um problema grave, como estão a ver.
Não culpo o professor porque eu sou o professor e eu sei que "dei" aquela matéria seguindo o cânone actual das Ciências da Educação (o qual, aliás, considero correcto e do qual sou defensor)
Não culpo os alunos porque é absurdo culpar 100% dos alunos do que quer que seja.
Não, o problema é mais vasto e penso que não se restringe à prestação pessoal do indivíduo A ou B, seja ele aluno ou professor.
Portanto, que temos um problema , eu sei que temos. Não sei é onde, e confesso que nem sequer sei muito bem qual é o problema (porque alguns saber a resposta sabiam; ora, não se lembraram, não compreenderam a pergunta, ou o quê? Eles também não me souberam responder).
Na minha busca lanço uma hipótese (quem se lembrar de mais, por favor acrescente aqui nos “comments”):
Actualmente o cérebro dos miúdos não tem tempo para assimilar e para interiorizar o conhecimento, ou seja, não tem tempo para transformar o conhecimento em saber.
Quando o cérebro pode começar a fazer este trabalho novas vagas de estímulos e de informação (da escola e de fora da escola) lhe vão chegando, acabando tudo numa avalanche da qual se a pessoa sair com vida, isto é, com sanidade mental, já não será mau.
Então o cérebro (se isto for biológico) ou eles mesmos (se for psicológico) “desligam”.
A vida. Tão pouco e tão tanto. (...) E todavia eu sei que "isto" nasceu para o silêncio sem fim... (Vergílio Ferreira)
domingo, maio 30, 2004
segunda-feira, maio 24, 2004
Faz vertigens pensar:
Abro a torneira, sinto a água a correr... e há milhões de pessoas que não têm acesso a água potável nenhuma.
Acordo o meu filho, vejo o seu primeiro sorriso da manhã... e há milhões de pessoas que não vêem nada disto porque morrem 2 milhões de crianças todos os dias apenas por não terem sido imunizadas com vacinas.
Saio de casa... e há milhões de pessoas que não saem de casa nenhuma porque não a têm nem nunca a vão ter.
Tomo um café, pago 0,80€... e há milhões de pessoas que é com este dinheiro que vão ter de sobreviver hoje o dia todo.
Páro aqui... mas a morte continua desvairada lá fora.
Acordo o meu filho, vejo o seu primeiro sorriso da manhã... e há milhões de pessoas que não vêem nada disto porque morrem 2 milhões de crianças todos os dias apenas por não terem sido imunizadas com vacinas.
Saio de casa... e há milhões de pessoas que não saem de casa nenhuma porque não a têm nem nunca a vão ter.
Tomo um café, pago 0,80€... e há milhões de pessoas que é com este dinheiro que vão ter de sobreviver hoje o dia todo.
Páro aqui... mas a morte continua desvairada lá fora.
sexta-feira, maio 21, 2004
Causas do stress nos professores
"(...) apenas 16 por cento da população mostra níveis elevados ou muito elevados de bem-estar social quando o que está em causa é a crença positiva na natureza humana e a confiança nos outros.
Recorde-se, a propósito, que os portugueses estão entre os mais desconfiados da Europa. Quase um quarto dos inquiridos avaliou o seu nível de confiança nas pessoas entre 0 e 2, numa escala que vai até 10 valores." (Público, 19/5/2004, p.32)
Eu sempre achei que a maior causa de stress entre os professores não eram as condições de trabalho, nem o salário, nem a indisciplina, nem nada dessas coisas, mas sim a relação com os colegas que está muito longe de ser de confiança, como a multiplicidade de sindicatos existentes no sector o revela.
Numa sociedade em que ainda imperam as estratégias da intimidação, da distanciação em relação ao sofrimento dos outros, em que o Estado cada vez mais “desprotege” as pessoas que mais precisam de protecção, a falta de suporte emocional a que estamos tão sujeitos neste país (e para o qual também cada um de nós contribui) só pode dar como resultado os resultados indicados acima, mais a solidão e o sofrimento consequente que não cabem em nenhuma estatística.
Recorde-se, a propósito, que os portugueses estão entre os mais desconfiados da Europa. Quase um quarto dos inquiridos avaliou o seu nível de confiança nas pessoas entre 0 e 2, numa escala que vai até 10 valores." (Público, 19/5/2004, p.32)
Eu sempre achei que a maior causa de stress entre os professores não eram as condições de trabalho, nem o salário, nem a indisciplina, nem nada dessas coisas, mas sim a relação com os colegas que está muito longe de ser de confiança, como a multiplicidade de sindicatos existentes no sector o revela.
Numa sociedade em que ainda imperam as estratégias da intimidação, da distanciação em relação ao sofrimento dos outros, em que o Estado cada vez mais “desprotege” as pessoas que mais precisam de protecção, a falta de suporte emocional a que estamos tão sujeitos neste país (e para o qual também cada um de nós contribui) só pode dar como resultado os resultados indicados acima, mais a solidão e o sofrimento consequente que não cabem em nenhuma estatística.
domingo, maio 16, 2004
Uma pergunta à infância
A quem se choca com a absoluta satisfação que os soldados americanos revelam nas fotos das torturas no Iraque:
tentem imaginar como é que eles terão sido tratados na sua infância... Não é difícil imaginar, pois não?
tentem imaginar como é que eles terão sido tratados na sua infância... Não é difícil imaginar, pois não?
Os pobres são culpados de quê?
A pobreza é como uma doença ou como uma depressão grave:
sem ajuda especializada (e, portanto, sem dinheiro entre outras coisas) não é possível curá-la.
E, não o esqueçamos, a pobreza é mesmo uma doença do corpo social.
sem ajuda especializada (e, portanto, sem dinheiro entre outras coisas) não é possível curá-la.
E, não o esqueçamos, a pobreza é mesmo uma doença do corpo social.
quarta-feira, maio 12, 2004
A insensatez de uma opção pela guerra
A propósito da guerra no Iraque, é exemplo de falta de um mínimo de senso esperar :
- que da guerra nasça logo a paz, qualquer paz (“De tigres não nascem cordeiros”, Gandhi);
- que da ordem de matar o inimigo nasça a obediência ao respeito pelos direitos humanos desse inimigo;
- que não seja considerado bárbaro filmar a matança de mulheres, velhos e crianças com bombas, mas que o seja filmar uma execução de um só homem com uma única faca.
- que da guerra nasça logo a paz, qualquer paz (“De tigres não nascem cordeiros”, Gandhi);
- que da ordem de matar o inimigo nasça a obediência ao respeito pelos direitos humanos desse inimigo;
- que não seja considerado bárbaro filmar a matança de mulheres, velhos e crianças com bombas, mas que o seja filmar uma execução de um só homem com uma única faca.
Que resposta à violência?
E se maltratarem ou matarem o meu filho? Respeito por eles? Não deverei antes matar quem matou?
Primeira resposta: sim, devo. Sei, no entanto, que estou a alimentar uma guerra infinita (será necessário recordar o exemplo de palestinianos e israelitas?)
Segunda resposta: não, não devo.
Porque sou um ser humano que sabe que a única possibilidade de paz entre mim e o outro, em mim e no outro, surge não pela vingança mas pelo perdão.
Porque, ao perdoar, não destruo pessoas, culpadas ou inocentes, destruo um elo de uma cadeia de violência e de dor a que eu e o outro estávamos presos.
E é nessa pausa que o perdão concede, às vezes infinitesimal é certo, que o princípio de uma paz autêntica pode surgir.
Primeira resposta: sim, devo. Sei, no entanto, que estou a alimentar uma guerra infinita (será necessário recordar o exemplo de palestinianos e israelitas?)
Segunda resposta: não, não devo.
Porque sou um ser humano que sabe que a única possibilidade de paz entre mim e o outro, em mim e no outro, surge não pela vingança mas pelo perdão.
Porque, ao perdoar, não destruo pessoas, culpadas ou inocentes, destruo um elo de uma cadeia de violência e de dor a que eu e o outro estávamos presos.
E é nessa pausa que o perdão concede, às vezes infinitesimal é certo, que o princípio de uma paz autêntica pode surgir.
domingo, maio 09, 2004
Tolerância vs. respeito
Devemos ser tolerantes com os outros.
Devemos? Tolerantes com a violência (por exemplo, a que é exercida sobre crianças e mulheres por razões religiosas ou outras) ou, para simplificar, tolerantes com aqueles que o não são?
É por causa das contradições que são geradas pela palavra tolerância que eu prefiro o conceito de "respeito".
Primeiro, porque só falamos de tolerância em relação aos outros, pessoalmente ninguém admite gostar de ser "tolerado". O que faz suspeitar que tolerar não será uma coisa tão boa assim.
Segundo, porque se a essência da minha relação com os outros for o respeito e, dentro deste, o respeito pelos mais fracos, pelos que sofrem sem defesa, então aquelas contradições desaparecem.
Devemos? Tolerantes com a violência (por exemplo, a que é exercida sobre crianças e mulheres por razões religiosas ou outras) ou, para simplificar, tolerantes com aqueles que o não são?
É por causa das contradições que são geradas pela palavra tolerância que eu prefiro o conceito de "respeito".
Primeiro, porque só falamos de tolerância em relação aos outros, pessoalmente ninguém admite gostar de ser "tolerado". O que faz suspeitar que tolerar não será uma coisa tão boa assim.
Segundo, porque se a essência da minha relação com os outros for o respeito e, dentro deste, o respeito pelos mais fracos, pelos que sofrem sem defesa, então aquelas contradições desaparecem.
terça-feira, maio 04, 2004
Paul Celan
Oiço os sons da guerra infinita entre israelitas e palestinianos, uma guerra onde a palavra perdão é praticamente inaudível.
Sei da violência que se abate sobre as crianças em tempos de crise e cujo choro se mantém também inaudível.
Vejo e ouço o riso de todos os crápulas nesse espelho da nossa vileza que é a televisão.
E tanta, tanta gente que morre em sofrimento, seja com fome, seja com Sida, seja com armas, seja com nada e morre, morre sem um grito.
E lembro-me de Paul Celan:
"Se viesse,
se viesse um homem
se viesse um homem ao mundo, hoje, com
a barba de luz dos
patriarcas: só poderia,
se falasse deste
tempo, só
poderia
balbuciar balbuciar
sempre sempre
só só."
Sei da violência que se abate sobre as crianças em tempos de crise e cujo choro se mantém também inaudível.
Vejo e ouço o riso de todos os crápulas nesse espelho da nossa vileza que é a televisão.
E tanta, tanta gente que morre em sofrimento, seja com fome, seja com Sida, seja com armas, seja com nada e morre, morre sem um grito.
E lembro-me de Paul Celan:
"Se viesse,
se viesse um homem
se viesse um homem ao mundo, hoje, com
a barba de luz dos
patriarcas: só poderia,
se falasse deste
tempo, só
poderia
balbuciar balbuciar
sempre sempre
só só."
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