(...) Os próprios homens quase não têm fala, mas os seus olhos queimam como duas pedras expostas ao sol durante milhares de dias. Só eles afirmam que nem tudo no Alentejo nasce e morre acachapado à terra. Eles, e uns pombos bravos que subitamente rasgam o céu, como quem foge ao áspero, ardido, amargo coração do meu país.
(...)
(o destacado é meu)
Eugénio de Andrade, Uma grande, imensa fidelidade, Os Afluentes do Silêncio.
À minha frente, a um quarteirão de distância, encontra-se um pombal construído na açoteia de uma casa.
Nele dá-se um ritual diário que me tem fascinado ao longo dos últimos meses.
Todas as manhãs um homem sobe até ao pombal e começa por hastear uma bandeira de Portugal, ao que se segue a saída dos pombos em revoada.
Os pombos nunca voam para longe. Andam em círculos sobre a vizinhança ou, no máximo, fazem uns oitos. Isto durante alguns minutos.
Depois, o homem, saindo da sua imobilidade, arreia a bandeira, leva um apito aos lábios e chama-os com uns assobios curtos e contínuos. Os pombos vão pousando no pombal e vão entrando na sua gaiola, sem o homem precisar sequer de se mover.
Os pombos domésticos têm uma vida segura, têm comida a horas certas, têm um abrigo sólido? Têm.
Eu gostaria de ser pombo doméstico? Não.
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