sábado, junho 19, 2010

Pombos

(...) Os próprios homens quase não têm fala, mas os seus olhos queimam como duas pedras expostas ao sol durante milhares de dias. Só eles afirmam que nem tudo no Alentejo nasce e morre acachapado à terra. Eles, e uns pombos bravos que subitamente rasgam o céu, como quem foge ao áspero, ardido, amargo coração do meu país.
(...)

(o destacado é meu)

Eugénio de Andrade, Uma grande, imensa fidelidade, Os Afluentes do Silêncio.


À minha frente, a um quarteirão de distância, encontra-se um pombal construído na açoteia de uma casa.
Nele dá-se um ritual diário que me tem fascinado ao longo dos últimos meses.
Todas as manhãs um homem sobe até ao pombal e começa por hastear uma bandeira de Portugal, ao que se segue a saída dos pombos em revoada.
Os pombos nunca voam para longe. Andam em círculos sobre a vizinhança ou, no máximo, fazem uns oitos. Isto durante alguns minutos.
Depois, o homem, saindo da sua imobilidade, arreia a bandeira, leva um apito aos lábios e chama-os com uns assobios curtos e contínuos. Os pombos vão pousando no pombal e vão entrando na sua gaiola, sem o homem precisar sequer de se mover.

Os pombos domésticos têm uma vida segura, têm comida a horas certas, têm um abrigo sólido? Têm.

Eu gostaria de ser pombo doméstico? Não.

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