Causa-me perplexidade o facto de não conseguir reler hoje o
que no passado li com exaltação. Como é possível que um determinado livro, que
já esteve carregado de beleza, de significado e de implicações para a minha
vida, hoje me diga tão pouco?
Podem ter sido as muitas releituras feitas que foram desgastando
a obra? Nalguns casos talvez sim, mas não abrange todos. Há livros que continuo
a reler com prazer sempre renovado; e outros que não consigo ler sequer uma
segunda vez, apesar do enorme prazer da primeira leitura.
Uma hipótese plausível é a de o livro ter uma qualidade moderada.
Na altura em que o li da primeira vez, talvez ele estivesse a ter um grande
sucesso e que, depois, ao assentar a poeira, se revelasse ser menos bom. Ou talvez
fosse de um género ou estilo que me emocionou particularmente na altura e agora
já não. Ou ainda por tratar de assuntos que, então, eram uma novidade para mim
mas que, atualmente, se me tornaram banais.
Curioso. Enquanto escrevo, apercebo-me que me sinto infinitamente
grato a esses livros pertencentes, na sua maioria, a uma literatura mais
modesta, menos prestigiada e mais simples. Porque sinto isso? Penso que possivelmente
foram eles que, nesses primeiros anos de leitura, me abriram perspetivas e
possibilidades de vidas insuspeitadas (a Ficção Científica), que me
sensibilizaram para a complexidade das motivações humanas e para a justiça (o
Policial), que me alertaram para os valores da honra e da coragem (o Western e
a Aventura).
Na altura, ao ler estes livros, encontrava por vezes grandes
escritores que ainda hoje releio com satisfação. Recordo na ficção científica Ray
Bradbury(*), Doris Lessing, Philip K. Dick e Ursula K. Le Guin. No policial, G. K. Chesterton, Raymond Chandler,
Edgar Allan Poe e Dashiel Hammett. No western, Jack Schaefer, John Steinbeck e
Jack London. Na aventura, Robert Louis Stevenson, Jonathan Swift e Daniel Defoe.
Quando somos mais novos e estamos mergulhados no fluxo dos
acontecimentos do dia-a-dia, há poucas possibilidades de conseguir fazer uma
reflexão aprofundada sobre a vida. Aqueles livros tiveram o poder de
desencadear múltiplos sentidos da vida, todos e cada um, sempre importantes
para mim, para aquilo que sou hoje. Graças a eles, vivo numa liberdade mais
ampla, em que o eixo central da minha vida se baseia muito mais no valor e no
propósito da existência (ambos sempre a atualizarem-se, muito ainda devido aos
livros) do que em ganhos materiais.
Finalmente, foi a sua leitura que, sem dúvida, me abriu as
vias por onde agora respira uma literatura mais exigente, mais rica e,
portanto, mais gratificante (da qual, na época, eu pouco percebia e não gostava
assim tanto).
Por isso, sinto-me agradecido. Aliás, no meu espírito, ler confunde-se
sempre com agradecer quando as palavras lidas se transmudam num rio interior
que flui, expandindo-se para algo maior e melhor do que antes. Porque agradecer
é acolher e reconhecer a dádiva. E a leitura é isto mesmo: acolher e
reconhecer.
(*) A foto foi retirada deste excelente blogue sobre a saudosa Coleção Argonauta.
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