sábado, julho 08, 2017

Leituras marcantes

Quando era mais novo, ao ser arrebatado por um livro, tornava-me num seu campeão. Um livro que me iluminasse tinha também de verter a sua luz sobre aquelas pessoas de quem eu mais gostava. Não descansava enquanto não explicava a um amigo ou a uma amiga do que tratava o livro, porque é que era absolutamente fundamental lê-lo; e, não satisfeito com isso, ainda perorava sobre como e onde o livro iria mudar a sua vida. Um cansaço para mim, claro, mas sobretudo uma violência para ele ou ela.

A violência é evidente e indesculpável – desafortunada a pessoa que tinha o azar de ser apanhada por mim!

Quanto ao cansaço, ele advinha de se tratar quase sempre de um esforço inglório. Inglório em várias frentes. Primeiro, porque, estranhamente para mim, a pessoa não ficava com a mínima vontade de ir ler o livro, mesmo que eu, emprestando-o, lhe poupasse o trabalho e a despesa de o adquirir. Depois, porque a pessoa não só não me agradecia o esforço, como demostrava uma certa impaciência para comigo… e, lembro-me bem, para meu espanto, muitas vezes chegava a ficar zangada comigo.

Confesso que isto me magoava. Precisei de alguns anos para deixar de ser o paladino obstinado dos livros que eu achava maravilhosos, a fim de não estragar irremediavelmente a amizade que me unia a essas pessoas. Bem… e, no fundo, para manter uma vaga esperança de que, talvez um dia, elas acabassem por pegar nessa obra que tão importante fora para mim.

E tantas foram realmente importantes! Porque a minha personalidade tem sido, em grande parte, modelada (e moderada) pelas leituras que fui fazendo ao longo da vida. Fui crescendo e modificando-me por via da extraordinária influência que essas obras foram tendo sobre mim; influência essa que, ainda hoje, persiste com uma intensa luminosidade. Por conseguinte, o meu entusiasmo por esses livros não era de todo superficial nem passageiro.

Apenas alguns exemplos: Cântico Final, de Vergílio Ferreira. O Amor em Visita, de Herberto Helder. Arco do Triunfo e Desenraizados, de Erich Maria Remarque. A Peste, de Albert Camus. O Principezinho, de Antoine de Saint-Exupéry. O Budismo Zen, de Alan Watts. E ainda muitos mais – eu tinha-os escrito aqui, mas apercebi-me que a lista se ia estendendo indefinidamente, pelo que optei por deixar estes que foram os primeiros que me vieram ao espírito.

Evoco ainda a memória da mãe de um dos meus amigos que me recebia e me apresentava a outros como sendo “um menino muito lido”! Só tardiamente percebi que, para além de uma certa ternura e de um grande sentido de humor, esta sempre amabilíssima senhora revelava uma profunda sabedoria (que, talvez, se possa estender a todos nós que somos Leitores): possivelmente não era mesmo eu que lia os livros, mas eram eles que me liam a mim, favorecendo assim o despertar de novas trajetórias na minha vida e de ignoradas sensibilidades na minha pessoa.

The Metropolitan Museum of Art, Annunciation Triptych (Merode Altarpiece)
 Workshop of Robert Campin (1427-1432) - Fonte

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