sexta-feira, fevereiro 11, 2005

Rostos

Hoje gostaria de falar de rostos.
Não serei capaz de dizer muito mais e melhor do que Eduardo Prado Coelho no Público de hoje(*). Haverá uma nesga deixada livre?
Primeiro explico-me: um corpo belo atrai-me o olhar sem dúvida, mas o que me deixa fascinado, escravizado mesmo (não estou a exagerar) é o rosto.
Fixo-me nos olhos e na boca, depois no cabelo, no nariz, nas orelhas, na pele, nos pêlos. Mas volto sempre aos olhos e à boca. Porque aí está um caleidoscópio de promessas de uma plenitude feita de beleza e de aventura.
O facto de eu saber, embora não veja, que há muito aqui de ilusão, que a pessoa por detrás daquele rosto ao qual me encontro para sempre ligado sofre, é mesquinha, tem medo e o medo torna-a mais pequena do que ela é e promete ser, tudo isso apenas torna toda a minha contemplação mais fascinada!

(*) Já não está online. Com a devida vénia copio a parte do texto a que aqui me refiro:
"Que é um rosto? É algo em que se concentra o que há de mais íntimo e subtil de um corpo - mas, sobretudo, de um ser. No rosto, desenham-se sons inexprimíveis, vozes murmuradas, coros que são florestas. Existem elementos passivos, como o nariz e as orelhas, e factores activos, como a boca e os olhos. É no plano dos factores activos que encontramos uma escrita quase invisível, uma proliferação de sinais: um simples arquear da sobrancelha e há uma altivez que se ergue; uns olhos que se semicerram e há uma tentativa de compreensão; um olhar que se abre, atónito, e sente-se que o espanto rasga o rosto.
E a boca? Não há nela o mesmo encostar-se à espiritualidade, porque é feita de lábios e de uma língua que se esconde. Quando a língua se mostra, entramos no domínio da provocação, do insulto, da delinquência facial. Mas os lábios exprimem a ternura ou avaliam a capacidade de devoração. E por eles passa esse elemento inqualificável, esse sopro de vida, que é a voz. E por ele se respira até ao limiar da morte, que é o último suspiro.
Contudo, um rosto é acima de tudo um olhar de infinito onde penetramos com uma suavidade nupcial. Um infinito que passa por uma ruga, uma crispação, uma cintilação. Por uma física do infinito. Como é, maior do que todas, no seu rolar de absolutos divinos, a música de Bach."(Eduardo Prado Coelho)

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