domingo, setembro 27, 2009

Um futuro negro

Confesso-me terrivelmente assustado.

O ladrão de deficientes e dos doentes que são obrigados a ir para o hospital;
para oferecer dinheiro e outras benesses aos bancos;
que fez da inveja, não da ambição, um valor;
que normalizou a mentira, a ponto de ela ser indistinguível da verdade;
que perseguiu os jornalistas que não pôde comprar,
que premiou a incompetência e a desonestidade,
que, enfim, tanto empobreceu Portugal, não só material mas também, e acima de tudo, animicamente...

... ganha as eleições?

Repito para mim vezes sem conta: já não sou professor!, já não me podem tratar como lixo!, já não sou professor!, já não sou professor e estou muito mais livre dele(s). Mas nada disto consegue afastar as sombras negras que inundam o meu espírito.

E se, aos 51 anos de idade, consegui mudar de vida, de trabalho e de cidade, também conseguirei, se isto ficar insuportável, mudar para fora deste país, cada vez mais miserável e de miseráveis!

domingo, setembro 20, 2009

Cidadania



Ontem, no Pátio das Letras em Faro, estive num encontro com a participação de Manuel Vilaverde Cabral e Luísa Schmidt, para a apresentação do livro Cidade & Cidadania.



Ao falar-se de mobilização e participação cívicas, muito maior nas cidades e maior entre a população jovem e feminina, falou-se inevitavelmente da luta dos professores (cuja esmagadora maioria é constituída realmente por mulheres).

Foi dito que os professores tinham ganho essa luta, já que o PS tinha perdido as eleições europeias e já que tinham sido introduzidas alterações ao sistema de avaliação.

Esclareçamos dois pontos:

Primeiro: os professores limitaram-se a uma vitória política parcial. Mas isso só se sabe agora.
Porque, durante quase quatro anos, e apesar da persistência da luta, politicamente, foram somando derrotas atrás de derrotas.
Quando o PS perder as eleições legislativas (e esperemos que as perca já), então os professores poderão falar de uma vitória política. Que só será plena se o novo governo desfizer o desastre em que está hoje mergulhada a escola pública.
De qualquer modo, a nível pessoal, ou profissional, ou de luta por um ideal de escola, a derrota dos professores é praticamente total; e temo que duradoura por muitos e largos anos, tal a profundidade do mal que lhes foi infligido.

Segundo: os professores lutam contra o sistema de avaliação que este governo quer impor, mas porque ele promove a destruição de uma escola pública de qualidade, promotora do sucesso cognitivo, social e emocional dos alunos. Portanto, simplificar o sistema sem o mudar, para os professores isso é o mesmo que nada, não se trata de vitória nenhuma, mas apenas da continuação da derrota por outros meios. É que não é mesmo contra a avaliação que os professores lutam, ao contrário da ideia que o poder quer fazer passar para a opinião pública.

sexta-feira, setembro 18, 2009

O poder dos economistas

As ideias dos economistas influenciam cada vez mais as decisões políticas, cujos efeitos temos depois de suportar e amargar.
Tento entender o porquê deste poder.
Numa sociedade pobre como a nossa, se o meu principal problema é o dinheiro (isto é, a falta dele), então é natural que oiça e dê mais atenção a quem me fala desta minha preocupação. E, assim, os economistas são ouvidos. As suas ideias (certas ou erradas, a maior parte das vezes erradas - não por eles serem particularmente maus, mas apenas porque as suas ideias só são certas em condições ideais e absolutamente irreais) transformam-se em palavras e estas, mais tarde ou mais cedo, em acções.
A verdade é que eles pensam muito em termos de lucro. Ora o lucro, seja qual for o contexto em que se insere, é sempre o lucro de alguns, nunca de todos. É esse o quadro mental em que eles, na sua maioria, se movem. Então se têm esta limitação, porquê dar-lhes o poder de influenciar toda uma sociedade?
Ainda por cima, como na sua maioria são velhos (como eu) é provável que ou estejam subordinados a ideias de economistas já defuntos ou aderiram às mais recentes e selvagens (e, portanto, nunca testadas) para não serem rotulados de atrasados.
Não entendo mesmo o seu poder no dia a dia da política.

domingo, setembro 06, 2009

Os 50

Ontem estive numa festa de aniversário de uma amiga que fazia 50 anos.
Muitas vezes fala-se dos 50 em referência a uma juventude, se não perdida, pelo menos melancolicamente distante. Há de certa forma um tom de quem sente ter uma boa parte da sua alma agarrada a esses anos de juventude cada vez mais mais perdidos.
Claro que, genericamente, sinto o mesmo.
Mas não devia sentir.

Lembro-me de ler, com 14, 15 anos os livros de Ray Bradbury na Colecção Argonauta da minha tia. E de ficar deslumbrado... como aliás ainda hoje fico, quando os releio.
Na altura rendi-me completamente à sabedoria e à simplicidade reveladas por Ray Bradbury e quis desesperadamente vir um dia a ser assim como ele, a ter também essa sabedoria. Soube que ele tinha na altura 50 anos e, então, durante muitos anos, desejei imenso chegar a essa idade.
Já cheguei.

E obtive essa sabedoria? Acho que uma boa parte dela, sim. Talvez não tenha conseguido manter toda a inocência que, em Ray Bradbury, se lhe encontrava sempre associada. Talvez.
Mas adquiri a sabedoria suficiente para não ter qualquer nostalgia do meu passado. Para ultrapassar o sofrimento dos anos anteriores com a alegria das realizações actuais, bem como dos novos desafios que eu tenho vindo a criar para a minha vida. Para achar que pelas pessoas, pelo mundo e pela liberdade vale bem a pena estar vivo e cada vez mais sábio.

No fundo, estou muito onde sonhei uma vida inteira estar.

terça-feira, setembro 01, 2009

O 1º Dia

O fervor é pensar que, apesar de perdido, o paraíso continua a ser ainda aquilo de que nos lembramos, aquilo que permite que saiamos desta terra, onde aparecemos, sem ter o sentimento, ou a convicção, de que estivemos no inferno.

(Eduardo Lourenço, cit. in JL, nº 1013, p33)

Hoje, aqui, a paragem é obrigatória.
Porque hoje é o primeiro dia verdadeiramente da minha liberdade.

Hoje entrei na situação de licença sem vencimento de longa duração. Acabou-se tudo aquilo que, parafraseando Eduardo Lourenço, me dava o sentimento e a convicção de estar a viver num inferno.

Ao contrário dos últimos anos, entro por Setembro feliz, sem angústia e sem medo.

Inscrito no mestrado. Com emprego num centro de explicações, a fazer o que sei e que gosto realmente de fazer: ensinar.

Bastante mais livre do poder abusador de um governo maldoso e estúpido.

E mesmo que tenha de comer lentilhas, como Diógenes… abençoadas lentilhas!

O fervor é também tudo isto.