sexta-feira, junho 10, 2005

O medo de existir (2)

(...) Mas não se constrói um "branco" (psíquico ou histórico), não se elimina o real e as forças que o produzem, sem que reapareçam aqui e ali, os mesmos ou outros estigmas que testemunham o que se quis apagar e que insiste em permanecer.
Quando o luto não vem inscrever no real a perda de um laço afectivo (de uma força), o morto e a morte virão assombrar os vivos sem descanso" (Potugal, hoje - o medo de existir, p. 16)

Comentário

Primeiro. Perante uma situação que me magoa, a tentação de optar por fingir ignorá-la, por fingir que ela não é importante, é grande. Mas se não procuro mudar a situação ela pode permanecer sem grandes alterações e por muito tempo. É então por muito tempo que ela não nos larga por mais que eu queira virar-lhe as costas.

Segundo. Uma maneira de esquecer, e de não ter portanto de actuar, é eu pensar que a situação não é tão má assim, que há-de acabar por passar (influência crescente das religiões orientais mais centradas no eu que no exterior?) ou pensar que a perda/morte ocorreu sem eu querer saber realmente se ela ocorreu mesmo. Mas o meu organismo "sabe", não se deixa enganar. A tentativa de esquecimento falha e há uma enorme tristeza ou cansaço que não me larga, como se as minhas sucessivas cobardias pesassem toneladas.

Terceiro. Se a perda ocorre realmente, então há que fazer um luto autêntico, senão essa perda nunca fica resolvida dentro de mim. É por isso que eu não posso nunca ser amigo de alguém que amo mas que não me ama (apesar da amizade estar incluída nesse amor, não consigo é separá-las): fazer-me de amigo, com autenticidade e não com segundas intenções, seria tentar apagar até a memória desse amor ferido... que nunca, mas mesmo nunca se apaga, por mais amores que eu tenha a sorte de viver. E sou mais humano vivendo com essa dor do que tentando viver amputado dessa mesma dor. E sou menos assombrado por ela, ou seja, ela surge-me sim mas de modo claro e sem se manifestar de forma distorcida e penalizante para mim, mas especialmente para os outros.

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