Há muitos anos, eu costumava passar para um caderno os textos que mais me tinham tocado. Tenho vários desses cadernos pelos quais passei os olhos recentemente. Lembrei-me de um texto, uma carta, dum tempo em que os divórcios eram muito mal vistos, principalmente para as mulheres. Infelizmente, não escrevi qualquer referência à autora, nem ao local de onde copiei a carta. Mas sempre a achei extraordinária e, portanto, aqui fica:
Faz hoje um ano em que nasceu a esperança de um fim para a miséria de passar o resto da minha vida a desejar a justiça com todo o meu coração.
Como sabes, os meus pais tinham-me condenado ao terror. Mal sabia eu que, casando-me contigo, continuaria submetida ao mesmo terror. Como se a minha alma distorcida e impura desejasse de tal modo o terror que o provocava em todos os seres a que me ligava.
Os meus filhos, os nossos filhos, tanto que eles lutaram contra esse clima de violência que, em ti, era como uma respiração (apenas contida quando estavas na presença de outros)! Mas também eles acabaram por desistir e quase que desistiram da vida na derrota desse esforço. Gostaria de pensar que eu ajudei a salvá-los mas, pobre de mim, pouco fiz, pouco consegui fazer.
Porque tínhamos armas desiguais. Por exemplo, o insulto. Ou a culpa. Ou a força e o poder. Em tudo isto eu estava em desvantagem. Uma coisa, a única, estava eu em vantagem – eu respeitava em ti tudo aquilo que tu desprezavas em mim: uma triste e fraca humanidade.
E foi graças a essa humilde humanidade que eu, não tendo conseguido libertar-me da injustiça, consegui pelo menos não ficar submetido a ela. É a minha única vitória.
Porque todas as outras são tuas: ficaste com os filhos, com a casa, com os amigos.
Eu fiquei com a esperança de felicidade. Sózinha. Mas do lado da justiça.
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