domingo, agosto 22, 2010

Explicação da história triste de uma (quase) revolta

A primeira greve de professores da era Sócrates/Lurdes teve uma adesão ínfima. Foi uma informação preciosa para estes governantes, pois ficaram a saber que tudo lhes era permitido, que tudo se poderia fazer e dizer dos professores, que tudo se poderia pôr os professores a fazer. Mas desde que não se tocasse no ordenado destes (por mais baixo e sem evolução que eles o pusessem) e, consequentemente, na segurança e no futuro das suas famílias.

Os professores impunham, no entanto, uma condição que aqueles responsáveis não tiveram a sensibilidade de perceber. Essa condição era que não os responsabilizassem, de facto, pelos actos que executariam em obediência às fantasias delirantes desses mesmos governantes.

Animados pela apatia dos professores e depois de terem congelado ordenados, aumentado brutalmente o horário de trabalho na escola, destruído a carreira docente, Sócrates e Lurdes vão tentar impor-lhes um sistema de avaliação muito mais exigente. Isto é, um sistema que obriga os docentes a responsabilizarem-se e a serem responsabilizados por esses mesmos actos que ficaram obrigados a executar.

É nesta altura, e apenas nesta altura, que a contestação dos professores explode: executar actos que vão contra toda a sensibilidade ética e todo o bom senso era uma coisa; outra, completamente diferente, era tornar os professores responsáveis por esses mesmos actos. Na verdade, se até aí todas as medidas tomadas não fizeram mais do que agitar levemente a grande massa dos docentes, é com este sistema de avaliação absurdo (que, por exemplo, em cada ano obriga a dar mais notas positivas do que no ano anterior) que surge a revolta generalizada que, aliás, vai procurar pôr, tardiamente, tudo em causa.

Numa sociedade sem valores, sem solidariedade, fraca, individualista, realmente a única fidelidade que ainda sobra (sendo, de facto, a mais invocada por todos os que recuaram na luta que se seguiu, incluindo pelos dirigentes sindicais que traíram colegas e sindicatos) é a que se refere à sua própria família.

Trair, mentir, fechar os olhos, falsificar resultados, etc., não constituem (ainda, pelo menos) uma segunda natureza de pessoas que, até pelo tipo de profissão que abraçaram, são habitualmente honestas e verdadeiras. Tornaram-se, no entanto, numa competência profissional, afinada e posta em jogo nas escolas com eficácia por pressão dos governantes. Que manipulam os docentes jogando subliminarmente com esse reduto sagrado para a generalidade das pessoas que é a protecção da família.

E quase todos caíram nesta armadilha perversa: eu testemunhei casos de, como já disse, dirigentes sindicais, mas também de conselhos directivos (recordo que bastou um, um Conselho Directivo apresentar a sua demissão para Lurdes vir, assustada, para os jornais dizer que tinha sido mal interpretada), de docentes em topo de carreira, tudo pessoas que pouco teriam a temer. Mas que, apesar disso, também eles optaram por abandonar a luta. Em nome da segurança familiar.

Nota final. Onde me situo eu nesta triste história? Exactamente no meio. Esta também foi a minha experiência. Apesar de fazer todas as greves, de ir a todas as manifestações, eu também fui engolindo até à náusea tudo o que o par Sócrates/Lurdes foi-nos obrigando a fazer (incluindo concorrer e tornar-me professor "titular"). A minha revolta também só nasceu com a tentativa de imposição daquele sistema de avaliação. A única pequena (digo-o com vergonha e sem ironia) diferença é que levei a luta até ao fim, bati-me inclusivamente pela sua radicalização (defendi que ela deveria começar por incluir greves da fome), mas acabei por, não sei bem... fugir?, recusar-me a ser cúmplice comprado? Talvez ambas as coisas.

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