terça-feira, agosto 03, 2010

O fim das reprovações: algumas reflexões

À primeira reprovação de um aluno, seguem-se muitas vezes novas retenções ou até o abandono escolar. A constatação é de Álvaro dos Santos, presidente cessante do Conselho de Escolas, e é um dos argumentos que levou este órgão consultivo do Ministério da Educação a defender, antes mesmo da ministra lançar o debate, que "em regra não deve haver retenção de alunos" no ensino primário nem secundário geral.


Este é o argumento que vem das Ciências da Educação para justificar a medida de acabar com as reprovações.

É claro que, dum ponto de vista estatístico, a reprovação atrai a reprovação! O número dos que reprovam hoje em dia é tão reduzido que os poucos a quem isso acontece são casos verdadeiramente desesperados e, normalmente, após anos e anos de passagens sem saber o suficiente. Logo, são alunos que sabem tão pouco e que foram reprovados tão tardiamente, que já não têm grandes hipóteses de passar de ano dado o seu quase irremediável atraso. Não admira que continuem a chumbar nos anos seguintes.

Mas peguemos apenas no raciocínio feito e verifiquemos a sua validade. Um raciocínio paralelo que se poderia fazer seria o seguinte: como todos sabemos que, à primeira pena de prisão de um criminoso, se seguem novas penas ou até o mergulho prolongado numa carreira do crime (com o que aprendem nas prisões e com os contactos que lá fazem), logo a conclusão deveria ser a de acabar com as prisões...

Um outro erro de raciocínio é que só nos centramos na escassa minoria que reprova. E quanto à extensíssima maioria que passa? É que eu atrevo-me a pensar que a esmagadora maioria dos alunos que passam só estuda porque tem medo de reprovar.
Atente-se na estrada onde nem sequer a forte probabilidade de matar e/ou morrer - não estamos a falar de simples chumbos - é travão suficiente para adultos "responsáveis" cumprirem o que se espera deles. Não, apenas o medo da polícia à vista os faz ser um pouco mais cumpridores.
Na minha opinião (e lembremo-nos dos nossos tempos de estudantes em que, tal como os alunos de hoje, não percebíamos para que é que era preciso estudar a maior parte das matérias) é o medo de reprovar o principal estimulante do estudo. Sem esse medo, tudo o que o aluno achar desinteressante ou inútil não será estudado.

Mas suponhamos mesmo assim que a reprovação só faz mal. Será que alguém acredita que um aluno que não reprovou, isto é, que passou sem saber o suficiente, no ano seguinte vai passar a estudar muito mais para recuperar a matéria passada e para aprender a desse novo ano? Eu não acredito.

Voltemos ainda à minoria que, apesar do perigo de chumbar, não estuda o suficiente. É verdade que um primeiro chumbo como que abre caminho a posteriores chumbos. Ou seja, quem já chumbou uma vez passa a considerar que chumbar nem é tão mau assim; ou que, face ao fracasso, o desânimo começa a ganhar à esperança; ou que, passado um primeiro estremecimento, passar ou não passar é tudo indiferente. Já vi ocorrerem estes três casos. Mas a minha experiência diz-me que estes alunos são uma minoria dentro da minoria dos que chumbam. O resto não quer voltar a passar pela experiência. E aqueles que tiveram a sorte de serem avaliados com honestidade têm muito boas hipóteses de, com o seu próprio esforço e com a ajuda dos professores (que só funciona quando os alunos querem ser ajudados), passarem no ano seguinte.

Finalmente, para os professores o fim dos chumbos é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, perdem mais uma parcela do ínfimo poder que ainda detêm na escola (o que é assustador), por outro lado, na verdade podem começar a levar uma vida muito mais honesta.
E esta última hipótese atrai-me muito: os professores ficariam livres de dar as notas/avaliações que entendessem seriamente atribuir, sem o medo e sem as coacções que hoje em dia os torturam. No final, todos os alunos obteriam os mesmos diplomas, mas uns teriam as notas, verdadeiras e autênticas, de que se poderiam legitimamente orgulhar (ao contrário de hoje em dia em que as notas pouco ou nada significam).

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