domingo, agosto 01, 2010

Antígona, de Sófocles

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé...



...mas eu li esta versão de Helena Rocha Pereira, edição da Gulbenkian.

Sejamos francos: que posso eu dizer aqui que não tenha já sido dito milhares de vezes e de milhares de maneiras diferentes? A resposta é simples: nada! Ressalvado isto, adiante.

Trata-se de uma absoluta obra-prima, de poucas páginas e com milhares de leituras possíveis e provavelmente todas legítimas. Veja-se, por exemplo, que, sobre qual o tema ou o significado desta tragédia os especialistas ainda não chegaram a um consenso.

Assim, sinto-me à vontade para dizer que, primeiro que tudo, gostei de ler nesta peça o tema da inflexibilidade face à possível desonra, pois Antígona é drástica e intransigente perante aquilo que considera ser o seu dever em relação à sua consciência (Ismena também sabe qual o seu dever, mas abstém-se de se opor ao poder que a impede de o realizar). Secundariamente, o tema do lugar das mulheres no que se refere ao poder que é, muitas vezes (e Creonte fá-lo frequentemente), identificado com a masculinidade.

Vejo também Antígona (que aparece pouco) como o centro de toda a acção, visto que a sua postura inquebrantável põe todos os outros em causa. Além disso, apesar da sua intransigéncia e aparente posição rígida e unilateral, Antígona parece-me ser a personagem mais complexa e multifacetada da peça. Ela surge-nos como a voz não só da paixão pela justiça e pela verdade; mas também da beleza da acção boa e correcta; da responsabilidade perante a sua própria consciência (mesmo quando invoca os deuses); da coragem publicamente assumida; da recusa em curvar-se não só perante o poder, mas também às suas próprias desgraças; do império do amor sobre o ódio ("Não nasci para odiar, mas sim para amar"); da recusa de uma solidariedade feita mais de palavras do que de acções; e da de alguém que treme face ao suplício (por se sentir abandonada pelos deuses, um pouco como Cristo, aliás), mas que, logo a seguir, se recompõe e assume o seu destino.

Ismena é, no início, a voz da sensatez, lúcida, porém resignada e conformista. Depois, consegue vencer a sua fraqueza e exigir um castigo igual ao de Antígona, que esta aliás recusa.

Creonte é a voz do poder autoritário e inseguro, que à sua volta só vê fraqueza, cupidez e ânsia de poder como todos os que se habituaram a vencer pela força e pelo medo. E, claro, apenas mal se sente amedrontado é a derrocada total, revelando então a sua essencial mediocridade.

Hémon é a voz da razão adulta e ponderada, que domina completamente a paixão para melhor conseguir convencer seu pai (sem sucesso, claro, pelas razões que apresentei no parágrafo anterior). Depois, arrastado pelo desespero, liberta toda a violência do seu amor apaixonado, dirigindo-a contra si próprio.

O Coro é a voz de quem procura estar sempre consciente do que é melhor para a comunidade e, talvez por isso, é o melhor ouvinte, despreconceituado e objectivo, de toda a peça. Destaque-se a Ode ao Homem.

Tirésias é a voz daquele que conhece o passado e o futuro, é a voz do sábio. Que, note-se, é o único a conseguir vencer Creonte; para tal, usa apenas a sua sabedoria e a sua inteligência, e são estas que conseguem derrotar a mediocridade arrogante de Creonte.

Eurídice é a voz, silenciosa e digna, da dor e do desepero.

O Guarda. Faço aqui uma pausa. Sim, custa-me admiti-lo, mas esta é a voz de todos nós: a do medo do sofrimento e a da esperança de se safar custe o que custar. Mas nada melhor do que deixar aqui as suas próprias palavras, quando entrega Antígona a Creonte, que revelam toda uma vida, as nossas, no fundo:
"Acusámo-la das acções passadas e presentes; não negou coisa alguma, com prazer e pena minha, ao mesmo tempo. Porque isto de uma pessoa escapar de uma calamidade [o guarda tinha sido ameaçado de morte terrível se não encontrasse o culpado] é o melhor que há; mas é penoso levar à ruína aqueles que se estimam. Porém, tudo isto vale menos para mim do que a minha própria salvação." (434-441)

Sim, todos sonhamos ser Antígona. Mas não somos nunca (apesar de haver exemplos, Gandhi é um deles, sem dúvida). Se ao menos conseguíssemos ser Ismena, nem que fosse uma vez na vida, já não teríamos que nos envergonhar completamente. Lamentavelmente, porém, passamos toda a nossa vida a ser o Guarda; e, na maior parte do tempo, revelamos ser muito menos lúcidos do que ele...

Uma livro fantástico, absolutamente imperdível.

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