quarta-feira, dezembro 30, 2015

Ítaca, Cavafy e Jorge de Sena - Votos para 2016


ÍTACA - Constantino Cavafy
(Tradução: Jorge de Sena in "90 e mais quatro poemas", Centelha, Coimbra, 1986)

Quando partires de regresso a Ítaca, 
Deves orar por uma viagem longa,
Plena de aventuras e de experiências. 
Ciclopes, Lestrogónios, e mais monstros, 
Um Poseidon irado - não os temas, 
Jamais encontrarás tais coisas no caminho, 
Se o teu pensar for puro, e se um sentir sublime 
Teu corpo toca e o espírito te habita. 
Ciclopes, Lestrogónios, e outros monstros, 
Poseidon em fúria - nunca encontrarás, 
Se não é na tua alma que os transportes, 
Ou ela os não erguer perante ti. 

Deves orar por uma viagem longa. 
Que sejam muitas as manhãs de Verão, 
Quando, com que prazer, com que deleite, 
Entrares em portos jamais antes vistos! 
Em colónias fenícias deverás deter-te 
Para comprar mercadorias raras:
Coral e madrepérola, âmbar e marfim,
E perfumes subtis de toda a espécie: 
compra desses perfumes o quanto possas. 
E vai ver as cidades do Egipto,
Para aprenderes com os que sabem muito. 

Terás sempre Ítaca no teu espírito,
Que lá chegar é o teu destino último. 
Mas não te apresses nunca na viagem. 
É melhor que ela dure muitos anos, 
Que sejas velho já ao ancorar na ilha,
Rico do que foi teu pelo caminho, 
E sem esperar que Ítaca te dê riquezas. 

Ítaca deu-te essa viagem esplêndida. 
Sem Ítaca, não terias partido. 
Mas Ítaca não tem mais nada para dar-te. 


Por pobre que a descubras, Ítaca não te traiu. 
Sábio como és agora, senhor de tanta experiência, 
Terás compreendido o sentido de Ítaca.



quarta-feira, dezembro 16, 2015

A Poesia e os possíveis


A poesia pode gerar uma revelação vital que se decide no silêncio do livro. Ou da voz humana.

A poesia pode ser um apelo a que recuperemos a infância longínqua das emoções.

A poesia tem a capacidade de fazer despertar para a luz do dia o que mais profundamente nos afeta, aquilo que mais profundamente somos.

A poesia pode ser uma forma iluminada de pontuar a nossa relação com o mundo.

Os outros géneros literários têm atributos. A poesia atinge-nos, simplesmente.

A poesia tem a faculdade de permitir a reelaboração de vários mundos de vivências com um leitor - se é que há só um leitor dentro do leitor!

A poesia possibilita um caleidoscópio de ângulos de visão sobre realidades fundamentalmente inapreensíveis.

A poesia pode permitir aproximações fulgurantes ao centro do nosso próprio destino de seres humanos.

Não é possível existir uma poesia falsa. Porque ela, a existir, nunca seria sentida como poesia.

A poesia acrescenta novas realidades à realidade de se ser humano.

quinta-feira, dezembro 10, 2015

Justiça versus Liberdade


Penso que a Justiça e a Liberdade são utopias: jamais existirá uma sociedade justa ou livre.

Além disso, acredito que elas são pelo menos moderadamente incompatíveis: o excesso de uma implica o défice da outra.

Por isso, muitas vezes, exige-se uma escolha, qual a que se irá privilegiar como resultado de um determinado curso de ação. Essa escolha é habitualmente feita sem reflexão.

Eu adianto aqui uma reflexão possível, ao explicitar a minha preferência.

A minha inclinação vai para a justiça. Porque estou sempre do lado dos mais fracos e desprotegidos. Numa sociedade livre (de homens ou de animais), o mais forte tende a ganhar, a dominar, a explorar. Em detrimento dos mais fracos. Como acho que é um sofisma a teoria de que, numa sociedade livre, é-se fraco por escolha própria, aquilo, para mim, é-me intolerável. No coração, eu escolho a justiça.


sábado, dezembro 05, 2015

O homem e a Natureza

Por mais alto que consigamos subir, continuamos sempre a ser uma modesta parte do grande mundo da Natureza.



Foto de Max Rive

O poder do aqui e agora, segundo Hobbes!











Bill Waterson

Montesquieu

"Si je savais une chose utile à ma nation qui fût ruineuse à une autre, je ne la proposerais pas à mon prince, parce que je suis homme avant d'être français, ou bien parce que je suis nécéssairement homme, et que je ne suis français que par hasard."

Acreditar...



Diniz Monteiro

Danna Faulds

Walk Slowly


It only takes a reminder to breathe,
a moment to be still, and just like that,
something in me settles, softens, makes
space for imperfection. The harsh voice
of judgment drops to a whisper and I
remember again that life isn’t a relay
race; that we will all cross the finish
line; that waking up to life is what we
were born for. As many times as I
forget, catch myself charging forward
without even knowing where I’m going,
that many times I can make the choice
to stop, to breathe, and be, and walk
slowly into the mystery.

Aim for the Moon...

Estar, simplesmente

Carl Sagan

Dalai Lama (80 anos)

"On a visit to D.C., the Dalai Lama was asked by a reporter to share about the happiest moment in his life.

He paused and then gave a very mischievous look.

His response: 'I think now!'"

I Will Be There - Katie Melua

"Don't ever be lonely,
Remember, I'll always care.
Wherever you may be,
Remember, I'll be there"

(Katie Melua)

Belo mantra e uma belíssima canção para um cuidador, seja mãe, pai, familiares, amigos ou terapeutas.



sexta-feira, dezembro 04, 2015

Escolhas simples

“Imaginem como seria se concentrássemos todas as nossas energias a construir relações afetuosas entre as pessoas.
Suponham que (…) nos concentrávamos somente em cultivar uma sociedade cujo valor mais elevado e cuja prioridade máxima fosse que as pessoas cuidassem umas das outras.
Suponham que estivéssemos a conseguir uma sociedade na qual, em cada contacto, primeiro prestássemos atenção a como a outra pessoa está, e quando víssemos situações que pudessem prejudicar o seu bem-estar, trabalhássemos para mudar essas situações.
Como seria se, em cada dia, acordássemos e tentássemos contribuir para o conforto, segurança, competência e sucesso daqueles que nos rodeiam?”
(Anthony Biglan, The Nurture Effect – How the Science of Human Behavior Can Improve Our Lives & Our World, 2015)

Poema de Papiniano Carlos

“Amanhã viajarei no tempo,
viajarei nos ventos, os dedos esguios.
Viajarei no pó, nas nuvens, nos caminhos
das águas; retornarei às fontes,
serei (de novo?) a oculta semente
que espera o tempo
de ser ave.”
Papiniano Carlos, As Florestas e os Ventos

Poema de Kobayashi


"No orvalho branco
Transparece o caminho
Do paraíso"
(Issa Kobayashi)

Prémio de melhor aluno em 2012-2013


A receber o prémio de melhor aluno da Universidade, na minha área científica, por me ter licenciado, em 2012-2013, em Psicologia, com 18 valores.

Comentário de João Marques Gameiro, meu colega de curso:

«Não sabia que isto ia acontecer senão tinha tentado ir à cerimónia. Um prémio merecido e bem entregue. Não foram só 18 valores. São muitos outros dos colegas que ele sempre ajudou. Parabéns Rui! Um Abraço».

Responder ao mal

"Si l'on me fait du mal, désirer que ce mal ne me dégrade pas, par amour pour celui qui me l'inflige, afin qu'il n'ait pas vraiment fait du mal".

Simone Weil

sábado, setembro 19, 2015

Estado de Sítio, Albert Camus - IV

A Peste: Eu reino, é um facto, é por consequência um direito. Mas é um direito que não se discute: vós deveis adaptar-vos. 
Demais, não vos equivoqueis, se eu reino é à minha maneira, e seria mais próprio dizer-vos que funciono. (...)

Camus, A. (1948). Estado de Sítio. Lisboa: Livros do Brasil (p.81)

La Peste: Moi, je règne, c’est un fait, c'est donc un droit. Mais c'est un droit qu'on ne discute pas : vous devez vous adapter.
Du reste, ne vous y trompez pas, si je règne c'est à ma manière et il serait plus juste de dire que je fonctionne.

terça-feira, agosto 25, 2015

Estado de Sítio, Albert Camus - III

(...)
O homem [a Peste]: Perdoai-me que vos interrompa [ao governador]. Mas gostaria imenso de vos ouvir declarar com precisão, diante deste povo, que consentis de espontânea vontade nestas úteis disposições e que se trata de um acordo formado com plena liberdade.

O governador olha para o lado do homem e da sua secretária. Esta leva o lápis à boca [que usa para riscar nomes do seu caderno, matando quem é riscado].

O governador: Com certeza, é em plena liberdade que concluo este acordo.

Balbucia, recua e foge. O êxodo começa.

O homem, ao primeiro alcaide: Faz favor, não vá com tanta pressa! Tenho necessidade de um homem que conte com a confiança do povo e por intermédio do qual eu dê a conhecer as minhas vontades. (O primeiro alcaide hesita.) Aceita, é claro... (À secretária:) Cara amiga...
O primeiro alcaide: Mas com certeza, é uma grande honra.
O homem: Perfeitamente. Nestas condições, cara amiga, comunicará ao alcaide quais os decretos que é preciso dar a conhecer a essa boa gente, a fim de que possam começar a viver dentro dos nossos regulamentos.
A secretária: Decreto concebido e publicado pelo primeiro alcaide e seus conselheiros...
O primeiro alcaide: Mas eu ainda não concebi nada...
A secretária: É um trabalho que lhe poupamos. E parece-me que se deve sentir lisonjeado por os nossos serviços tomarem a seu cargo a redação do que vai ter a honra de assinar.

Camus, A. (1948). Estado de Sítio. Lisboa: Livros do Brasil (p.68-70)

L'homme: Pardonnez-moi de vous interrompre. Mais je serais heureux de vous voir préciser publiquement que vous consentez de plein gré à ces utiles dispositions et qu'il s'agit naturellement d'un accord libre.

Le gouverneur regarde de leur côté. La secrétaire porte le crayon à sa bouche.

Le gouverneur: Bien entendu, c'est dans la liberté que je conclus ce nouvel accord.

Il balbutie, recule et s'enfuit. L'exode commence.

L'homme, au premier alcade: S'il vous plaît, ne partez pas si vite ! J'ai besoin d'un homme qui ait la confiance du peuple et par l'intermédiaire duquel je puisse faire connaître mes volontés. (Le premier alcade hésite.) Vous acceptez naturellement... (À la secrétaire.) Chère amie...
Le premier alcade: Mais, naturellement, c'est un grand honneur.
L'homme: Parfait. Dans ces conditions, chère amie, vous allez communiquer à l'alcade ceux de nos arrêtés qu'il faut faire connaître à ces bonnes gens afin qu'ils commencent de vivre dans la réglementation.
La secrétaire: Ordonnance conçue et publiée par le premier alcade et ses conseillers ...
Le premier alcade: Mais je n'ai rien conçu encore ...
La secrétaire: C'est une peine qu'on vous épargne. Et il me semble que vous devriez être flatté que nos services se donnent la peine de rédiger ce que vous allez ainsi avoir l'honneur de signer.

sábado, agosto 22, 2015

Estado de Sítio, Albert Camus - II

O arauto: (...) Os governos bons são os governos em que nada se passa. Ora tal é a vontade do governador: que nada se passe no seu governo, a fim de que ele continue a ser tão bom como foi sempre. Afirma-se, pois, aos habitantes de Cádis que nada se passou neste dia que valha a pena alguém alarmar-se ou incomodar-se. (...)
Nada: Está bem! Diego, que dizes tu a isto? É um achado!
Diego: É uma tolice! Mentir é sempre uma tolice.
Nada: Não, é uma política. e que eu aprovo, pois que ela visa a tudo suprimir. Ah! Que bom governador que nós temos! Se o seu orçamento está em défice se o seu lar é adúltero, ele anula o défice e nega o adultério. (...)

Camus, A. (1948). Estado de Sítio. Lisboa: Livros do Brasil (p.24 e 25)

Le héraut: (...) Les bons gouvernements sont les gouvernements où rien ne se passe. Or telle est la volonté du gouverneur qu'il ne se passe rien en son gou-vernement, afin qu'il demeure aussi [26] bon qu'il l'a toujours été. Il est donc affirmé aux habitants de Cadix que rien ne s'est passé en ce jour qui vaille la peine qu'on s'alarme ou se dérange. (...)
Nada: Eh bien ! Diego, qu'en dis-tu ? C'est une trouvaille !
Diego: C'est une sottise ! Mentir est toujours une sottise.
Nada: Non, c'est une politique. Et que j'approuve puisqu'elle vise à tout supprimer. [27] Ah ! le bon gouverneur que nous avons là ! Si son budget est en déficit, si son ménage est adultère, il annule le déficit et il nie l'accouplement. (...)

quinta-feira, agosto 20, 2015

Estado de Sítio, Albert Camus - I

(...) Desde o momento em que tenham comido três refeições, trabalhado oito horas e sustentado as duas mulheres de cada um, imaginam que tudo está na ordem. Não, vocês não estão na ordem, vocês estão na fila. Bem alinhados, de ar tranquilo, vocês estão maduros para a calamidade. Pronto, meus valentes, o aviso está feito, estou em regra com a a minha consciência. Quanto ao resto, não se incomodem, há quem se ocupe de vocês lá em cima. E vocês sabem o que isso dá: os que se ocupam de nós não são complacentes!

Camus, A. (s/d). Estado de Sítio. Lisboa: Livros do Brasil. (p.20)

Com este trecho, começo a passar para aqui as imensas referências à época que estamos a atravessar que podemos encontrar nesta obra. Apesar dela ter sido escrita em 1948, a sua actualidade é dolorosa e agudamente evidente. Poderei por vezes comentar; no entanto isso será raro, dada a evidência habitualmente luminosa do texto.


[(...) Du moment que vous avez fait vos trois repas, travaillé vos huit heures et entretenu vos deux femmes, vous imaginez que tout est dans l'ordre. Non, vous n'êtes pas dans l'ordre, vous êtes dans le rang. Bien alignés, la mine placide, vous voilà mûrs pour la calamité. Allons, braves gens, l'avertissement est donné, je suis en règle avec ma conscience. Pour le reste, ne vous en faites pas, on s'occupe de vous là-haut. Et vous savez ce que ça donne: ils ne sont pas commodes!]

sábado, junho 20, 2015

"Shark Tank"

"Shark Tank"?
"(...) They present their ideas to the sharks in the tank -- five titans of industry (...) The contestants try to convince any one of the sharks to invest money in their idea. When more than one of the sharks decide they want (...)"

Como é possível alguém considerar-se elogiado por ser chamado ou considerado um tubarão?

A resposta é que sim, é possível. Mesmo sabendo que o tubarão é uma máquina de comer e reproduzir-se, que não tem outras utilidades ou funções, mesmo assim, há muita gente que olha com admiração para estes seres que se reconhecem no conceito de tubarão e que se orgulham disso.

Isto não devia ser considerado normal.

Sabedoria: o oásis que se procura no deserto da vida

Diz-se que a sabedoria traz plenitude, calma e paz. Não acredito. Se fosse verdade, muita gente estaria neste momento a esforçar-se para a obter, e isso não se vê acontecer.

No que me diz respeito, a sabedoria (pouca) que consegui arrecadar em 57 anos serviu para:
1) ficar cada vez mais aflitivamente consciente do sofrimento das pessoas;
2) ficar cada vez mais dolorosamente consciente da extensão e profundidade da minha ignorância.

Mas continuo a caminhar.

sexta-feira, março 20, 2015

Quem tomou más decisões e quem paga por elas: não são os mesmos, Mario Draghi!

"O facto de que alguns tiveram de atravessar um período difícil de ajustamento não é, portanto, uma escolha que lhes foi imposta. É uma consequência das suas decisões passadas." (Mario Draghi, Público, 19/03/2015, p.8)

Supor que Mario Draghi acredita no que está a dizer é insultar a sua inteligência.

É claro que ele sabe perfeitamente que as pessoas, que tomaram aquelas decisões a que ele se refere, pertencem a uma elite que não só não sofre "ajustamento" nenhum, como ainda por cima está a ser premiada por essas decisões. Em Portugal, veja-se o que aconteceu a António Guterres, Santana Lopes, Paulo Portas, Durão Barroso, Cavaco Silva, etc, etc (note-se que Sócrates está onde está não por aquelas decisões).

Quem é "ajustado" é quem não foi visto nem achado relativamente aquelas decisões, o povo, os que não pertencem a nenhuma elite, o elo mais fraco. Nem sequer pelo voto, pois sabemos que os Governos das últimas legislaturas têm sido eleitos com base num programa eleitoral que eles publica e explicitamente renegaram mal ascenderam ao governo. E, que eu saiba, nunca a população portuguesa votou no Ricardo Salgado, no Oliveira e Costa e tantos outros banqueiros e grandes empresários, eles sim, juntamente com aqueles governos, responsáveis por toda esta situação.