sábado, agosto 28, 2010

Bob Dylan Covers

Daqui a 200 anos Bob Dylan será ouvido e tocado e cantado como hoje o é Beethoven, disso não tenho dúvidas quase nenhumas (apesar de ele não ser o meu cantor/autor preferido).

Um critério possível da perenidade de uma canção ou de um cantor poderá ser o número de covers que gerou.

De acordo com o registo feito (e em permanente actualização) em DylanCover.com, até 23 de Agosto de 2010 foram contabilizados 30.910 covers de canções de Bob Dylan!

Talvez a minha canção preferida de Bob Dylan seja Visions of Johanna, na interpretação que ele faz no conhecido por "The Royal Albert Hall Concert" e que aparece no 4º volume das Bootleg Series. Algumas imagens aparecem no documentário de Scorsese, "No Direction Home":

Visions of Johanna from ramonramon on Vimeo.


Uma versão cover desta canção muito, muito do meu agrado é a de Marianne Faithful:




A terminar, talvez a minha versão cover preferida de uma canção de Bob Dylan: It's All Over Now, Baby Blue, cantada por Eric Burdon and The Animals:




Uma nota final acerca destas duas canções: terão em comum o poderem referir-se ao fim da relação de Bob Dylan com Joan Baez. Tal nunca foi confirmado por Bob Dylan.

domingo, agosto 22, 2010

Explicação da história triste de uma (quase) revolta

A primeira greve de professores da era Sócrates/Lurdes teve uma adesão ínfima. Foi uma informação preciosa para estes governantes, pois ficaram a saber que tudo lhes era permitido, que tudo se poderia fazer e dizer dos professores, que tudo se poderia pôr os professores a fazer. Mas desde que não se tocasse no ordenado destes (por mais baixo e sem evolução que eles o pusessem) e, consequentemente, na segurança e no futuro das suas famílias.

Os professores impunham, no entanto, uma condição que aqueles responsáveis não tiveram a sensibilidade de perceber. Essa condição era que não os responsabilizassem, de facto, pelos actos que executariam em obediência às fantasias delirantes desses mesmos governantes.

Animados pela apatia dos professores e depois de terem congelado ordenados, aumentado brutalmente o horário de trabalho na escola, destruído a carreira docente, Sócrates e Lurdes vão tentar impor-lhes um sistema de avaliação muito mais exigente. Isto é, um sistema que obriga os docentes a responsabilizarem-se e a serem responsabilizados por esses mesmos actos que ficaram obrigados a executar.

É nesta altura, e apenas nesta altura, que a contestação dos professores explode: executar actos que vão contra toda a sensibilidade ética e todo o bom senso era uma coisa; outra, completamente diferente, era tornar os professores responsáveis por esses mesmos actos. Na verdade, se até aí todas as medidas tomadas não fizeram mais do que agitar levemente a grande massa dos docentes, é com este sistema de avaliação absurdo (que, por exemplo, em cada ano obriga a dar mais notas positivas do que no ano anterior) que surge a revolta generalizada que, aliás, vai procurar pôr, tardiamente, tudo em causa.

Numa sociedade sem valores, sem solidariedade, fraca, individualista, realmente a única fidelidade que ainda sobra (sendo, de facto, a mais invocada por todos os que recuaram na luta que se seguiu, incluindo pelos dirigentes sindicais que traíram colegas e sindicatos) é a que se refere à sua própria família.

Trair, mentir, fechar os olhos, falsificar resultados, etc., não constituem (ainda, pelo menos) uma segunda natureza de pessoas que, até pelo tipo de profissão que abraçaram, são habitualmente honestas e verdadeiras. Tornaram-se, no entanto, numa competência profissional, afinada e posta em jogo nas escolas com eficácia por pressão dos governantes. Que manipulam os docentes jogando subliminarmente com esse reduto sagrado para a generalidade das pessoas que é a protecção da família.

E quase todos caíram nesta armadilha perversa: eu testemunhei casos de, como já disse, dirigentes sindicais, mas também de conselhos directivos (recordo que bastou um, um Conselho Directivo apresentar a sua demissão para Lurdes vir, assustada, para os jornais dizer que tinha sido mal interpretada), de docentes em topo de carreira, tudo pessoas que pouco teriam a temer. Mas que, apesar disso, também eles optaram por abandonar a luta. Em nome da segurança familiar.

Nota final. Onde me situo eu nesta triste história? Exactamente no meio. Esta também foi a minha experiência. Apesar de fazer todas as greves, de ir a todas as manifestações, eu também fui engolindo até à náusea tudo o que o par Sócrates/Lurdes foi-nos obrigando a fazer (incluindo concorrer e tornar-me professor "titular"). A minha revolta também só nasceu com a tentativa de imposição daquele sistema de avaliação. A única pequena (digo-o com vergonha e sem ironia) diferença é que levei a luta até ao fim, bati-me inclusivamente pela sua radicalização (defendi que ela deveria começar por incluir greves da fome), mas acabei por, não sei bem... fugir?, recusar-me a ser cúmplice comprado? Talvez ambas as coisas.

terça-feira, agosto 17, 2010

Promessa, de Vergílio Ferreira


Comecei agora a ler este livro de 1947, nunca antes publicado. Da Introdução de Fernanda Irene Fonseca e de Helder Godinho respigo este pedaço:

"É o seu primeiro romance «de ideias», para que escolheu um epígrafe de Hegel, reveladora do influxo das leituras de obras filosóficas que tinha começado a fazer nessa época."

Trabalho de leitura, de estudo e de investigação que Vergílio Ferreira nunca mais deixou de fazer desde então. E do qual, nós leitores, fomos dando conta através dos romances, diários e ensaios que foi escrevendo, pois era neles e através deles que Vergílio Ferreira elaborava a sua reflexão sobre essas leituras.

De repente, dou-me conta em toda a sua dimensão que toda a obra de Vergílio Ferreira se baseou num profundo saber filosófico e artístico. Veja-se: 22 volumes de ficção, 12 de diário e... 13 de ensaios!

Pergunto-me: que escritor português apresenta uma obra, dividida deste modo, com tal extensão, profundidade e beleza, sim, Beleza, entre o Pensar e o Sentir?

Não cometo a injustiça de aplicar esta pergunta aos contemporâneos, pois hoje mal lhes sobra tempo para escrever bem (digo isto sinceramente, não com ironia, mas com muita pena, deles e de nós, sociedade que tanto perde com esta ausência de tempo) e para não serem completamente ignorantes.

Não, atenho-me até a um passado recente. Eduardo Prado Coelho poderia aproximar-se, se não se distribuísse por tantas formas de arte e de filosofia e se tivesse escrito ficção (o que não fez) - aliás, é curioso que Vergílio Ferreira se sentia feliz quando conseguia ler uma novidade no campo das ideias antes de EPC o ter feito, e disso dava conta no seu Conta-Corrente.

Alexandre Herculano? Almeida Garrett? Oliveira Martins? A verdade é que, como Vergílio Ferreira, não há muitos mais.

sábado, agosto 14, 2010

Tal Ben-Shahar - My Best Career Advice

Tal Ben-Shahar

Question: What is the best career advice you've ever received?

Tal Ben Shahar: The best advice that I got was from my philosophy teacher, Ohad Kamin.
After graduating from college and feeling very lost, I went to him, and his advice was:
"Tal, think about the things that you want to do and write them down. Then look at these things and identify the things that you really want to do, and write these down. And from those things, identify the things that you really, really want to do, and then go ahead and do it".
You know, life is short. We don't have that much time. And it's too short to do what we feel that we have to do; it's barely long enough to do what we want to do.


(via)

Vivi quase toda a minha vida dominado pelo medo dos outros, procurando não ir muito contra o que os outros queriam de mim; quando não correspondia ao esperado era por ter ainda mais medo de outra coisa qualquer. Em suma, fui sempre aceitando o que os outros decidiam muito mais do que fui impondo a minha vontade ou as minhas preferências.

Confesso que tenho de agradecer a Jorge Pedreira, secretário de estado da educação, o início de uma orientação diferente para a minha vida. Em Dezembro de 2008, ele apareceu na televisão com ameaças aos professores. Para mim, era a gota de água numa vida mergulhada no medo, numa vida delineada pelo medo, numa vida controlada pelo medo. O que aconteceu naquele momento foi ter percebido que, com aquelas ameaças, Jorge Pedreira me estava a impedir de escolher em liberdade e que eu não podia, dum ponto de vista ético, fazer mais nada senão desobedecer-lhe. A verdade é que, logo a seguir, agonizei com o medo. Só que de repente fiquei farto de toda uma vida "agonizada" no medo. E, silenciosamente, com uma raiva absoluta, tomei a decisão de lutar com todas as minhas forças para que nunca mais as escolhas da minha vida viessem a ser condicionadas pelo medo.

Tem sido um caminho difícil, construído com muitas inseguranças e com muita ansiedade. Mas tenho alguém ao meu lado que me apoia a cem por cento neste meu crescimento, pelo que também tem sido um caminho extremamente compensador, não há palavras para o descrever. Sei que já tenho 52 anos e que é um pouco tarde para recomeçar tudo de novo, para eu começar a fazer as coisas que realmente quero fazer no tempo de vida que me resta... ah, mas só o estar neste caminho, só o tentar já vale tanto a pena que jamais irei recuar neste meu propósito.

Ontem, ao dar com o site onde Tal Ben-Shahar aparece a dizer o que pus no início, acabei a concordar com ele com toda a força da minha alma!

quarta-feira, agosto 11, 2010

Tortura e médicos da CIA

The Journal of American Medical Association publicou um relatório que denuncia o facto de médicos da CIA terem participado em programas que visam aumentar a eficácia das torturas sobre prisioneiros suspeitos de terrorismo. O mesmo já havia sido revelado pelos Physicians For Human Rights.

(via)

O repúdio e o asco são a resposta imediata e natural. Mas se nos abrirmos à lógica de quem defende este tipo de opções, conseguimos identificar as suas (e as nossas?) vozes. Todos nós já as ouvimos de outros; ou, já numa ou noutra altura das nossas vidas, elas foram nossas. E aquele repúdio não passa então, no fundo, de uma forma de auto-ilusão. Porque, depois, na prática, paralisamos. Essas vozes poderiam ser assim:


Reparem, isso não é assim tão mau como querem fazer parecer. Aliás, se não fossemos nós, os actos praticados nos interrogatórios seriam muito mais brutais, nós até funcionamos como uma forma de travão possível face à decisão de torturar, ajudamos a estabelecer limites aceitáveis (ao contrário do que acontece nos países de onde esses terroristas são originários).

Eu penso: o meu filho ou a minha filha estão em risco de morrerem ou de ficarem mutilados num ataque terrorista. Então o que, no fundo, eu estou a fazer é construir uma garantia para que esses ataques nunca mais possam ocorrer. Contemplações com terroristas? Que não têm quaisquer escrúpulos em matar indiscriminadamente? Isso é que seria verdadeiramente estúpido.

Além disso, a verdade é que se trataram de ordens, não era algo que pudéssemos escolher fazer ou não. As ordens são para se cumprirem, sem obediência é a sociedade toda que se desmorona. Temos o dever, moral e legal, de obedecer. Mesmo quando algumas dessas ordens nos parecem pouco lógicas ou humanas.

E é preciso não esquecer que eu tenho filhos para criar, uma família para sustentar. Não posso dar-me ao luxo de perder este emprego. Ainda por cima, se não fosse eu, outro qualquer faria o mesmo: de que valeria a minha recusa? Só arranjaria sarilhos para mim e para a minha família.

Etc.


Perceber que isto não é de todo aceitável, que os meios nunca podem justificar os fins (porque são os meios que fazem os fins), ter a coragem de ser consequente, para evitar o alastrar da banalidade do mal, tudo isto é uma tarefa sempre urgente e necessária, embora seja também uma tarefa imensamente espinhosa e difícil. E que nunca tem um fim.

quinta-feira, agosto 05, 2010

The Devil In You


A propósito do lançamento do último livro de Bret Easton Ellis, Imperial Bedrooms, foi colocado este site na internet. Serve para, muito perversamente, termos uma ideia de quanto de mal temos em nós. Para explicações mais completas em português, ir ao site do Jornal de Letras. Depois, decidir o que fazer.

Sem desculpas: eu fui e "The devil in me" foi de 6% - "You made the moral choice... eventually." E fiquei-me por aqui. Porque sou bonzinho? Não sei. Como isto é um jogo e eu sei o que esperam de mim, não o faço. Não é porque possa fazer realmente mal a alguém, visto que está tudo gravado. Não, é só por mim; por isso, mesmo não havendo ninguém a saber o que eu fizesse, não o faço, nem farei.

terça-feira, agosto 03, 2010

O fim das reprovações: algumas reflexões

À primeira reprovação de um aluno, seguem-se muitas vezes novas retenções ou até o abandono escolar. A constatação é de Álvaro dos Santos, presidente cessante do Conselho de Escolas, e é um dos argumentos que levou este órgão consultivo do Ministério da Educação a defender, antes mesmo da ministra lançar o debate, que "em regra não deve haver retenção de alunos" no ensino primário nem secundário geral.


Este é o argumento que vem das Ciências da Educação para justificar a medida de acabar com as reprovações.

É claro que, dum ponto de vista estatístico, a reprovação atrai a reprovação! O número dos que reprovam hoje em dia é tão reduzido que os poucos a quem isso acontece são casos verdadeiramente desesperados e, normalmente, após anos e anos de passagens sem saber o suficiente. Logo, são alunos que sabem tão pouco e que foram reprovados tão tardiamente, que já não têm grandes hipóteses de passar de ano dado o seu quase irremediável atraso. Não admira que continuem a chumbar nos anos seguintes.

Mas peguemos apenas no raciocínio feito e verifiquemos a sua validade. Um raciocínio paralelo que se poderia fazer seria o seguinte: como todos sabemos que, à primeira pena de prisão de um criminoso, se seguem novas penas ou até o mergulho prolongado numa carreira do crime (com o que aprendem nas prisões e com os contactos que lá fazem), logo a conclusão deveria ser a de acabar com as prisões...

Um outro erro de raciocínio é que só nos centramos na escassa minoria que reprova. E quanto à extensíssima maioria que passa? É que eu atrevo-me a pensar que a esmagadora maioria dos alunos que passam só estuda porque tem medo de reprovar.
Atente-se na estrada onde nem sequer a forte probabilidade de matar e/ou morrer - não estamos a falar de simples chumbos - é travão suficiente para adultos "responsáveis" cumprirem o que se espera deles. Não, apenas o medo da polícia à vista os faz ser um pouco mais cumpridores.
Na minha opinião (e lembremo-nos dos nossos tempos de estudantes em que, tal como os alunos de hoje, não percebíamos para que é que era preciso estudar a maior parte das matérias) é o medo de reprovar o principal estimulante do estudo. Sem esse medo, tudo o que o aluno achar desinteressante ou inútil não será estudado.

Mas suponhamos mesmo assim que a reprovação só faz mal. Será que alguém acredita que um aluno que não reprovou, isto é, que passou sem saber o suficiente, no ano seguinte vai passar a estudar muito mais para recuperar a matéria passada e para aprender a desse novo ano? Eu não acredito.

Voltemos ainda à minoria que, apesar do perigo de chumbar, não estuda o suficiente. É verdade que um primeiro chumbo como que abre caminho a posteriores chumbos. Ou seja, quem já chumbou uma vez passa a considerar que chumbar nem é tão mau assim; ou que, face ao fracasso, o desânimo começa a ganhar à esperança; ou que, passado um primeiro estremecimento, passar ou não passar é tudo indiferente. Já vi ocorrerem estes três casos. Mas a minha experiência diz-me que estes alunos são uma minoria dentro da minoria dos que chumbam. O resto não quer voltar a passar pela experiência. E aqueles que tiveram a sorte de serem avaliados com honestidade têm muito boas hipóteses de, com o seu próprio esforço e com a ajuda dos professores (que só funciona quando os alunos querem ser ajudados), passarem no ano seguinte.

Finalmente, para os professores o fim dos chumbos é uma faca de dois gumes. Se, por um lado, perdem mais uma parcela do ínfimo poder que ainda detêm na escola (o que é assustador), por outro lado, na verdade podem começar a levar uma vida muito mais honesta.
E esta última hipótese atrai-me muito: os professores ficariam livres de dar as notas/avaliações que entendessem seriamente atribuir, sem o medo e sem as coacções que hoje em dia os torturam. No final, todos os alunos obteriam os mesmos diplomas, mas uns teriam as notas, verdadeiras e autênticas, de que se poderiam legitimamente orgulhar (ao contrário de hoje em dia em que as notas pouco ou nada significam).

domingo, agosto 01, 2010

Antígona, de Sófocles

Do Clube de Leitura da Biblioteca Municipal de Loulé...



...mas eu li esta versão de Helena Rocha Pereira, edição da Gulbenkian.

Sejamos francos: que posso eu dizer aqui que não tenha já sido dito milhares de vezes e de milhares de maneiras diferentes? A resposta é simples: nada! Ressalvado isto, adiante.

Trata-se de uma absoluta obra-prima, de poucas páginas e com milhares de leituras possíveis e provavelmente todas legítimas. Veja-se, por exemplo, que, sobre qual o tema ou o significado desta tragédia os especialistas ainda não chegaram a um consenso.

Assim, sinto-me à vontade para dizer que, primeiro que tudo, gostei de ler nesta peça o tema da inflexibilidade face à possível desonra, pois Antígona é drástica e intransigente perante aquilo que considera ser o seu dever em relação à sua consciência (Ismena também sabe qual o seu dever, mas abstém-se de se opor ao poder que a impede de o realizar). Secundariamente, o tema do lugar das mulheres no que se refere ao poder que é, muitas vezes (e Creonte fá-lo frequentemente), identificado com a masculinidade.

Vejo também Antígona (que aparece pouco) como o centro de toda a acção, visto que a sua postura inquebrantável põe todos os outros em causa. Além disso, apesar da sua intransigéncia e aparente posição rígida e unilateral, Antígona parece-me ser a personagem mais complexa e multifacetada da peça. Ela surge-nos como a voz não só da paixão pela justiça e pela verdade; mas também da beleza da acção boa e correcta; da responsabilidade perante a sua própria consciência (mesmo quando invoca os deuses); da coragem publicamente assumida; da recusa em curvar-se não só perante o poder, mas também às suas próprias desgraças; do império do amor sobre o ódio ("Não nasci para odiar, mas sim para amar"); da recusa de uma solidariedade feita mais de palavras do que de acções; e da de alguém que treme face ao suplício (por se sentir abandonada pelos deuses, um pouco como Cristo, aliás), mas que, logo a seguir, se recompõe e assume o seu destino.

Ismena é, no início, a voz da sensatez, lúcida, porém resignada e conformista. Depois, consegue vencer a sua fraqueza e exigir um castigo igual ao de Antígona, que esta aliás recusa.

Creonte é a voz do poder autoritário e inseguro, que à sua volta só vê fraqueza, cupidez e ânsia de poder como todos os que se habituaram a vencer pela força e pelo medo. E, claro, apenas mal se sente amedrontado é a derrocada total, revelando então a sua essencial mediocridade.

Hémon é a voz da razão adulta e ponderada, que domina completamente a paixão para melhor conseguir convencer seu pai (sem sucesso, claro, pelas razões que apresentei no parágrafo anterior). Depois, arrastado pelo desespero, liberta toda a violência do seu amor apaixonado, dirigindo-a contra si próprio.

O Coro é a voz de quem procura estar sempre consciente do que é melhor para a comunidade e, talvez por isso, é o melhor ouvinte, despreconceituado e objectivo, de toda a peça. Destaque-se a Ode ao Homem.

Tirésias é a voz daquele que conhece o passado e o futuro, é a voz do sábio. Que, note-se, é o único a conseguir vencer Creonte; para tal, usa apenas a sua sabedoria e a sua inteligência, e são estas que conseguem derrotar a mediocridade arrogante de Creonte.

Eurídice é a voz, silenciosa e digna, da dor e do desepero.

O Guarda. Faço aqui uma pausa. Sim, custa-me admiti-lo, mas esta é a voz de todos nós: a do medo do sofrimento e a da esperança de se safar custe o que custar. Mas nada melhor do que deixar aqui as suas próprias palavras, quando entrega Antígona a Creonte, que revelam toda uma vida, as nossas, no fundo:
"Acusámo-la das acções passadas e presentes; não negou coisa alguma, com prazer e pena minha, ao mesmo tempo. Porque isto de uma pessoa escapar de uma calamidade [o guarda tinha sido ameaçado de morte terrível se não encontrasse o culpado] é o melhor que há; mas é penoso levar à ruína aqueles que se estimam. Porém, tudo isto vale menos para mim do que a minha própria salvação." (434-441)

Sim, todos sonhamos ser Antígona. Mas não somos nunca (apesar de haver exemplos, Gandhi é um deles, sem dúvida). Se ao menos conseguíssemos ser Ismena, nem que fosse uma vez na vida, já não teríamos que nos envergonhar completamente. Lamentavelmente, porém, passamos toda a nossa vida a ser o Guarda; e, na maior parte do tempo, revelamos ser muito menos lúcidos do que ele...

Uma livro fantástico, absolutamente imperdível.