terça-feira, agosto 17, 2010

Promessa, de Vergílio Ferreira


Comecei agora a ler este livro de 1947, nunca antes publicado. Da Introdução de Fernanda Irene Fonseca e de Helder Godinho respigo este pedaço:

"É o seu primeiro romance «de ideias», para que escolheu um epígrafe de Hegel, reveladora do influxo das leituras de obras filosóficas que tinha começado a fazer nessa época."

Trabalho de leitura, de estudo e de investigação que Vergílio Ferreira nunca mais deixou de fazer desde então. E do qual, nós leitores, fomos dando conta através dos romances, diários e ensaios que foi escrevendo, pois era neles e através deles que Vergílio Ferreira elaborava a sua reflexão sobre essas leituras.

De repente, dou-me conta em toda a sua dimensão que toda a obra de Vergílio Ferreira se baseou num profundo saber filosófico e artístico. Veja-se: 22 volumes de ficção, 12 de diário e... 13 de ensaios!

Pergunto-me: que escritor português apresenta uma obra, dividida deste modo, com tal extensão, profundidade e beleza, sim, Beleza, entre o Pensar e o Sentir?

Não cometo a injustiça de aplicar esta pergunta aos contemporâneos, pois hoje mal lhes sobra tempo para escrever bem (digo isto sinceramente, não com ironia, mas com muita pena, deles e de nós, sociedade que tanto perde com esta ausência de tempo) e para não serem completamente ignorantes.

Não, atenho-me até a um passado recente. Eduardo Prado Coelho poderia aproximar-se, se não se distribuísse por tantas formas de arte e de filosofia e se tivesse escrito ficção (o que não fez) - aliás, é curioso que Vergílio Ferreira se sentia feliz quando conseguia ler uma novidade no campo das ideias antes de EPC o ter feito, e disso dava conta no seu Conta-Corrente.

Alexandre Herculano? Almeida Garrett? Oliveira Martins? A verdade é que, como Vergílio Ferreira, não há muitos mais.

2 comentários:

Joaquim Moedas Duarte disse...

Admiro o Virgílio Ferreira escritor. Tenho alguns livros dele.
Em tempos li apaixonadamente os seus "Conta-corrente" mas, a partir de certa altura, cansei-me - e irritei-me! - com os comentários políticos. Ele era um espectador de bancada, não meteu a mão na massa da acção.
Regressei à sua obra com os belíssimos romances da fase final: "Para Sempre", "Em Teu Nome"...

Agora, ao ler este teu post e sabendo-te admirador de VF, tenho uma pequena surpresa para ti.
A seu tempo verás...

Abraço! Muita Amizade!

Rui Diniz Monteiro disse...

Vergílio Ferreira, entre outras dádivas, deu voz a muita coisa que eu sentia e não sabia dizer; ensinou-me a pensar e a olhar para mim próprio com uma lucidez por vezes cruel; ajudou-me a crescer e a construir a minha própria maneira de olhar as pessoas, as coisas e o mundo.
Tornou-se um escritor muito próximo de mim e, por isso, é difícil falar da sua pessoa com objectividade. Se calhar, um pouco como Maria Gabriela Llansol, a pessoa que eu conheço que foi a mais incondicional admiradora, amiga e defensora de VF.
VF, no seu Conta-Corrente, refere por várias vezes a distância que vai do escritor, criador de objectos artísticos belos, à pessoa, pública ou privada, muitas vezes vivendo num patamar bem inferior à qualidade da arte que cria. E dava-se a si próprio como exemplo, entre a raiva, a vergonha e a ironia, por também nele existir essa distância. Principalmente, aos olhos dos outros, o que lhe custava bastante e às vezes considerava injusto!
Na vida do dia a dia, acho que VF foi sempre um pensador que se debruçou sobre as questões últimas da existência. Muito longe, portanto, do homem de acção e interveniente politicamente.
Depois, o sentir-se pouco apreciado e pouco valorizado durante a maior parte da sua vida literária (principalmente depois do corte com o neo-realismo), fê-lo sentir-se amargo e desconfiado em relação às pessoas em geral, tirando-lhe uma certa dose de crença na humanidade necessária a toda a acção política.
Enfim, um homem imperfeito, sem dúvida, mas que não o escondeu. Com uma obra, porém, a todos os títulos notável!
Obrigado, Méon! Um abraço amigo!