Vergílio Ferreira escreveu o que se segue em 1942 (os parágrafos e os negritos são da minha responsabilidade):
"À força de voltar os olhos para a criança, esqueceu-se um pouco que o professor também existe.
Ora, se o sujeito que recebe o ensino deve ser considerado antes de mais nada, não é menos verdade que o ensino é, apesar de tudo, uma relação e que se devem encarar os dois termos dessa relação.
Além disso não se deve ter a ficçao do professor "apto para tudo". Ele tem, também, a sua individualidade.
O professor deve perguntar a si mesmo: como vou organizar o meu ensino de maneira a utilizar o melhor possível as minhas aptidões particulares?
Porque há, entre os mestres, todas as variedades: espíritos concretos, abstractos, há os que têm uma eloquência segura, os que a têm hesitante, científicas, literárias, etc.
E nem sempre se está bem adaptado ao género de ensino exigido. Eis porque é preciso encarar também o problema da individualização do ensino, a formação dos mestres. Haveria muitas reformas a fazer. [...]
O conhecimento mesmo perfeito da teoria metodológica não pode por si só assegurar a perfeição do professor, da mesma forma que a ciência médica, só, não faz os bons médicos. [...]
Porque a pedagogia, dissemo-lo ao começar e repetimo-lo ao acabar, não é somente uma ciência, mas também uma arte. E a arte é um dom fino, delicado, mas incomunicável."
A actualidade deste texto torna-o muito adequado ao ano lectivo que se inicia. Há também que reconhecer o pensador profundo e extraordinariamente lúcido que Vergílio Ferreira foi. E podemos lembrar-nos que este texto ganha novos sentidos sabendo como hoje não se liga à necessidade do saber científico do professor e, por consequência, não se tem pejo em afirmar que um professor já o não é de um saber, mas de variados e múltiplos (nem interessa bem quais, desde que se possa pô-lo a fazer qualquer coisa).
(Maria Almira Soares, Vergílio Ferreira - O Excesso da Arte num Professor por Defeito, Difel, Lisboa, 2010 pp. 115/116)
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