"- A minha mãe ontem partiu uma colher a bater-me.
- A tua mãe bate-te?
- Não, quem me bate é o meu pai."
X batia no filho com um cajado. Este, quando se tornou pai, achou aquilo uma brutalidade e, portanto, mais humanamente, batia nos seus filhos com tiras de pneu. Etc, etc.
O problema da regra de, no castigo fisico, usar de bom senso é que toda a gente acha que o tem e isso não é impedimento às maiores arbitrariedades. Principalmente naqueles que interiorizaram a violência de que foram vítimas na infância, que esqueceram a dor e a revolta sentidas na altura e que agora acham que foi bom terem-lhes batido.
Eu batia no meu filho. Pouco e justificadamente, pensava eu... quer dizer, a minha ex-mulher discordou sempre, ela nunca bateu no nosso filho.
Uma noite, depois de ter dado uma palmada e de o ter deitado (ele teria 2 ou 3 anos de idade), dou-me conta que ele não parava de chorar. Voltei ao quarto e perguntei-lhe porquê.
- Porque foste injusto!
- Mas tu fizeste isto e isto. (já não me lembro do que foi)
- Eu sei, mas foste injusto à mesma, eu não merecia!
E, de repente, percebi!
Não há nenhuma linha de fronteira entre o castigo físico e o mau trato.
Quando alguém que amamos e de quem esperamos amor nos bate, seja pai, mãe ou marido, isso é sempre maus tratos!
Além disso, eu pensava que não tinha ultrapassado essa ilusória linha... tal como X, ou o filho, ou o meu pai, ou... Quem me garantia a mim que eu estava certo? Para já, o meu filho e a mãe achavam que eu estava errado (como eu achei quando era eu que recebia na infância).
Percebi que estava a cair.
Fiz um acordo com o meu filho: se ele não voltasse a fazer aquilo eu nunca mais lhe batia. Não que eu esperasse que ele nunca mais o fizesse, afinal ele só tinha 2 ou 3 anos de idade. Não, o acordo era para mim, para eu não me deixar arrastar para aquilo que eu agora sabia ser uma violência.
Infelizmente, faltei à palavra, ainda lhe dei uma palmada uma vez numa birra. Mas, desde aí, nunca mais lhe bati. E querem saber uma coisa? Não fez falta nenhuma. Hoje é um filho impecável. O que, aliás, me leva a concluir que todas as palmadas que lhe dei anteriormente foram realmente a mais, foram realmente uma violência desnecessária.
Gostaria ainda de dizer que tenho escrito estes três posts com revolta mas também com uma invencível tristeza, porque sinto que sou impotente para explicar tudo isto de forma as pessoas entenderem.
Há um traço comum a quase todos os miúdos com comportamentos problemáticos, é que levam ou levaram dos pais. E ninguém percebe que é isso que os torna problemáticos. A raiva acumula-se, explode na escola, normalmente contra os mais fracos (que até podem ser professores). Um dia, quando eles já estão mais crescidos, os pais passam a ter medo de lhes bater e aí (ou tantas vezes muito antes) perdem a mão neles, porque não foi o respeito que lhes ensinaram a ter pelas coisas e pelas pessoas, foi o medo. E, com falta de sorte, é pelo medo que eles vão reger todas as suas vidas (e, tanto quanto lhes for permitido, as dos outros)...
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