domingo, abril 23, 2006

Os Justos, de Camus

Acabei de reler "Os Justos" de Camus.

É uma peça de teatro que discute o direito de matar (para instalar a soberania da justiça) e quais as justificações para o fazer. O foco não incide sobre o conceito de justiça, mas sobre os que lutam por ela usando a arma do terror.

A acção decorre antes, durante e depois de um atentado ao grão-duque na Rússia, antes da Revolução de Outubro.

Lê-se e é impossível não pensar nos terroristas da Al-Qaeda e, nomeadamente, nas intervenções de Zacarias Moussaoui no seu julgamento.

Atente-se em Stepan, personagem para quem a fidelidade ao sentimento deve ser anulada face à fidelidade ao pensamento. Eis algumas palavras-chave que o ajudam definir:
- Agir, "Era preciso. Eu não podia mais. Atabafava. Agir, enfim, agir..."
- Obedecer, "Saberei obedecer-te.", "É preciso que haja uma disciplina.", "Ele devia ter obedecido."
- Odiar, "Mas eu não amo nada, e odeio, sim, odeio os meus semelhantes!", "Ao menos, resta-me a [força] de odiar. Vale mais do que a indiferença."
- Mentir ao negar os seus próprios sentimentos, "Nunca estou cansado".
- Recusar as nuances, apenas o preto ou branco, "Só as bombas são revolucionárias.", "é preciso destruir o mundo de alto a baixo."
- Compreender as coisas ao contrário, "Quem se suicida gosta muito de si mesmo. Um verdadeiro revolucionário não pode gostar de si mesmo." (lembre-se que os terroristas muçulmanos vêem-se a si próprios a morrer em combate, não a suicidar-se)
- Dar sempre a primazia à Ideia, em detrimento do Humano, "Não amo a vida, mas a justiça, que está mais alta do que a vida".

Mas o livro é muito mais do que isto. Nele, Camus questiona-nos num número infindável de aspectos, o que lhe proporciona uma actualidade terrível.

Obra que, por ser mais um texto extraordinário, adquire hoje em dia uma universalidade que penso que ultrapassa as intenções do seu autor, como se pode ver pelo que Camus dizia acerca dela aqui.
Principalmente porque sabemos qual a sociedade que resultou na Rússia da aplicação do terror para repôr a justiça sobre a terra...


Adenda:
Li Camus nos princípio dos meus vinte anos. Amei tanto este autor! Ao fim destes anos todos, para grande surpresa minha, renovo esse imenso amor pela sua obra. Acompanhado por uma autêntica admiração e um respeito enorme pela sua actualidade e pela sua lúcida inteligência.

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